15 anos a mais de vida
O que você faria para viver 13 anos a mais sem doença cardiovascular?
É cura ou remissão?
Artigo de revisão (JACC: Heart Failure)
Imagine um paciente que chegou com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) lá embaixo (≤ 40%), mas que, depois de um tempo com tratamento otimizado, volta à consulta com uma FEVE > 50% e sem sintomas.
Comemoramos, e com razão. Mas será que é hora de aliviar a terapia?
O artigo de revisão do JACC: Heart Failure mergulha fundo no manejo da chamada IC com fração de ejeção melhorada (IC FEm) e discute o que sabemos (e o que ainda falta saber) sobre quando — e se — podemos reduzir a terapia nesses pacientes.
🤔 Entenda o contexto:
A IC com FE melhorada, como o nome sugere, representa uma recuperação da FEVE (acima de 40% e com melhora ≥ 10%) em pacientes previamente com FE reduzida.
Parece ótimo, mas a problemática é: até 65% deles podem ter uma “recaída” em 6 anos.
E é aqui que entra o estudo TRED-HF: ensaio clínico que incluiu 51 paciente com IC FE melhorada, randomizados para interromper ou não as medicações.
Foi interrompido precocemente em decorrência do malefício claro da interrupção: 40% dos pacientes que suspenderam a terapia apresentaram recaída em apenas 6 meses (seja por queda da FEVE, aumento do BNP ou retorno dos sintomas).
Desde então, as diretrizes foram categóricas: a terapia completa deve ser mantida, mesmo após a recuperação da função ventricular. A IC FEm, afinal, parece estar mais para uma remissão controlada do que para uma cura definitiva.
👤 Mas será que dá para individualizar?
A revisão propõe uma abordagem mais personalizada e cita critérios que, se preenchidos, podem abrir espaço para a redução parcial da terapia:
FEVE ≥ 50%;
NT-proBNP ajustado pelo IMC em níveis normais;
Ecocardiograma e RMC normais (incluindo strain e ausência de fibrose);
Etiologia claramente reversível (ex: taquicardiomiopatia, periparto, takotsubo);
Ausência de variantes genéticas de risco.
Ferramentas como o strain longitudinal global no ECO, presença de fibrose e mapas multiparamétricos na RMC e o bom e velho NT-proBNP podem nos auxiliar a entender o risco de recorrência desses pacientes.
Além disso, entender a causa da IC faz toda a diferença. Situações como periparto, taquicardia-induzida, síndrome de Takotsubo e até certos quimioterápicos são exemplos de etiologias potencialmente reversíveis, nas quais pode haver margem para descalonar — ou até mesmo suspender — parte do tratamento.
O artigo reforça que, apesar do TRED-HF ter deixado claro que IC com FE recuperada não é cura, o futuro aponta para uma abordagem mais personalizada, com suporte de biomarcadores, imagem avançada e até genética, que permita um manejo menos agressivo da remissão, sem perder o controle da doença.
O que você faria por 13 anos a mais de vida sem doença cardiovascular?
Coorte (NEJM)
A vida é feita de escolhas.
E, segundo o maior estudo já conduzido sobre fatores de risco cardiovasculares, essas escolhas podem te dar até 13 anos a mais de vida livre de doença cardiovascular — e quase 15 anos a mais sem morrer de qualquer causa.
Publicado agora em março no NEJM, o estudo do Global Cardiovascular Risk Consortium analisou dados individuais de mais de 2 milhões de pessoas, em 133 coortes de 39 países e 6 continentes.
O foco foi claro: o que acontece com sua expectativa de vida se você não tiver os cinco fatores clássicos de risco aos 50 anos?
Os vilões clássicos são conhecidos:
Hipertensão arterial
Hiperlipidemia (colesterol não-HDL ≥ 130 mg/dL)
IMC fora da faixa saudável (<20 ou ≥25)
Diabetes
Tabagismo
Spoiler do bem: quem chega aos 50 anos sem esses cinco fatores vive em média 13,3 anos a mais sem doenças cardiovasculares (mulheres) e 10,6 anos a mais (homens). Em termos de vida total, o ganho foi ainda maior: 14,5 anos para mulheres e 11,8 anos para homens, livres da morte por qualquer causa.
Agora vem o plot twist que interessa para quem já passou dos 50 (ou não conseguiu manter tudo sob controle): modificar fatores de risco mesmo entre os 55 e 60 anos ainda traz ganho relevante!
Controlar hipertensão nesse período foi o que mais agregou anos livres de doença cardiovascular.
Parar de fumar foi a intervenção que mais impactou positivamente a mortalidade geral.
Em outras palavras: nunca é tarde.
💡Algumas reflexões:
A ausência dos cinco fatores clássicos pode ser o seu “elixir da juventude cardiovascular”.
Mudança no meio do jogo ainda muda o final do placar.
Foco em hipertensão e tabagismo é prioridade, mas o conjunto da obra é o que mais vale.
Não estamos falando apenas de viver mais, mas de viver melhor, por mais tempo.
Briga, briga, briga!
Ensaio Clínico Randomizado (Circulation)
Parece recreio da quinta série, mas é bem mais sério que isso! 😅
Hoje é dia de ressuscitar uma daquelas brigas clássicas entre o residente cheio de guideline na ponta da língua e o preceptor raiz, conservador e convicto: apareceu derrame pleural na IC, drena ou não drena?
Pois o Circulation resolveu botar ordem na brincadeira e publicou o TAP-IT, o primeiro ensaio clínico randomizado a testar se a toracocentese de rotina realmente muda o desfecho de pacientes com IC descompensada e derrame pleural.
Foram 135 pacientes com IC FER (FEVE ≤45%), todos com derrame pleural significativo, randomizados entre toracocentese associada ao tratamento clínico padrão ou tratamento clínico isolado.
O objetivo foi avaliar se a drenagem precoce do derrame aumentaria os “dias vivos e fora do hospital” em 90 dias (DAOH), além de reduzir mortalidade e tempo de internação.
E o que encontraram?
DAOH: 84 dias no grupo toracocentese vs. 82 dias no grupo controle (P = 0,42);
Mortalidade em 90 dias: 13% em ambos os grupos;
Tempo médio de internação: 5 dias para todos;
Qualidade de vida (KCCQ): Sem diferenças aos 14 ou 90 dias;
Complicações graves com toracocentese: apenas 1% (!)
Ou seja, a toracocentese de rotina não trouxe benefício clínico relevante nesses pacientes. Foi segura, mas também... indiferente. A drenagem não encurtou internação, não reduziu mortalidade nem melhorou qualidade de vida.
O estudo nos lembra que, em pacientes com IC descompensada, o alvo principal deve continuar sendo o de sempre: reduzir as pressões de enchimento com diuréticos e otimizar o tratamento medicamentoso.
Toracocentese? Pode ser útil caso a congestão persista, o derrame seja volumoso, ou o paciente tolere mal os diuréticos. Mas como estratégia padrão? Ainda não é hora de subir essa placa no protocolo.
Curtidas ou consciência? Quando o sigilo médico vira entretenimento
Caiu na Mídia
Nesta semana, veio à tona uma denúncia envolvendo alunas de medicina que, em busca de engajamento nas redes, exibiram o caso clínico de uma paciente transplantada — sem consentimento e com comentários irônicos, como: “acha que tem sete vidas”.
A exposição gerou indignação imediata e levantou uma pauta urgente: até onde vai o limite da conduta ética dos médicos e futuros médicos nas redes sociais?
Não precisa nem desenhar, né?
Divulgar informações médicas sem autorização fere princípios básicos da ética médica, como o sigilo profissional e o respeito à privacidade do paciente.
E sim: isso vale também (e principalmente) para estudantes.
Mas parece que, no mundo dos stories e dos likes, o desejo de “hitar” tem feito muita gente esquecer o básico. Vamos relembrar?
Sigilo é inegociável: a confidencialidade das informações do paciente deve ser mantida em todas as circunstâncias, inclusive durante a formação acadêmica.
Quer compartilhar um caso clínico ou uma imagem bonita? Garanta que não haja nenhuma possibilidade de identificação do paciente.
Empatia e respeito: Comentários jocosos sobre situações clínicas demonstram falta de empatia e comprometem a relação médico-paciente.
Ironizar pacientes ou colegas nunca foi engraçado. A prática médica não é palco para piadas — especialmente quando você expõe um paciente em um contexto de fragilidade.
Responsabilidade digital: O uso das redes sociais por profissionais e estudantes da saúde requer cautela, evitando a exposição de casos clínicos e mantendo a postura ética.
O que se posta nas redes não fica só nas redes. Faz-se necessário entender o peso (e o rastro) da sua exposição online.
Este episódio lamentável serve como alerta sobre a importância da ética na formação médica e a necessidade de reforçar, desde os primeiros anos de curso, o compromisso com o respeito e a privacidade dos pacientes.
Imagem da semana
Oclusão de leak paravalvar mitral (prótese mecânica) com dispositivo Amplatzer Vascular Plug 12mm (AVP II). Indicação: hemólise. Resultado: sucesso.
A paciente de apenas 49 anos com 3 cirurgias prévias estava hemolisando pelo leak, ictérica e com necessidade de transfusões a cada 15 dias. O resultado foi de melhora importante dos sintomas!
Fique por dentro
🧬 Imagem é peça-chave no manejo da amiloidose cardíaca! Revisão do JACC traz a revolução nessa condição e a necessidade de acompanhamento com os exames de imagem, após a chegada de terapias que não só estabilizam, mas também removem fibrilas do miocárdio.
🥛 Doença coronária calcificada segue como desafio no laboratório de hemodinâmica! Interessante revisão do Eurointervention traz estratégias no seu manejo.
💉 Vutrisiran melhora sintomas e qualidade de vida na amiloidose cardíaca! Análise do HELIOS-B mostrou que mais pacientes com amiloidose por transtirretina mantiveram ou melhoraram a capacidade funcional e o escore de qualidade de vida com vutrisiran vs placebo. Aos 30 meses, quase 70% preservaram ou ganharam desempenho no teste de caminhada de 6 minutos, e mais de 60% melhoraram nos escores do KCCQ.
🧈 Triglicerídeos altos estão ligados ao risco cardiovascular, mas o verdadeiro vilão pode ser o número de partículas aterogênicas (apoB). As lipoproteínas ricas em TG, como VLDL e remanescentes, carregam muito mais colesterol que o LDL e se acumulam nas artérias. Reduzir apenas os TG pode não bastar — o benefício clínico real vem quando há queda no apoB. Por isso, apoB e colesterol não-HDL são hoje os melhores marcadores do risco residual.
🫀 Hipertensão resistente e doença renal crônica formam uma dupla perigosa — e o alvo pode ser a aldosterona! Estudo publicado no EHJ traz os benefícios dos antagonistas do receptor mineralocorticoide sob o risco de hipercalemia na DRC. Novos agentes como os bloqueadores não esteroidais e inibidores da síntese de aldosterona ganham espaço.
🦠 Endocardite infecciosa segue letal — e cada vez mais complexa! Revisão destaca a importância da abordagem multidisciplinar como padrão de cuidado, reunindo cardiologia, infectologia, cirurgia e outras áreas para melhorar desfechos em casos cada vez mais desafiadores.
📊 Mais diagnósticos, mesmos desfechos. Metanálise no The Lancet mostrou que o rastreio sistemático de fibrilação atrial com dispositivos não invasivos aumenta a detecção de novos casos — especialmente quando guiado por NT-proBNP ou escore de risco —, mas não reduziu mortalidade, AVC, hospitalizações ou sangramentos. Ainda faltam evidências de benefício clínico para justificar o screening em larga escala.