A biópsia já vai tarde?
A ressonância assume um tradicional espaço da biópsia endomiocárdica; os perigos ocultos da TAVI; e os desfechos da endocardite cirúrgica.
Adeus, biópsia?
Coorte (EHJ)
Eu diria que já vai tarde rs. Ao menos no mundo do transplante cardíaco…
A biópsia endomiocárdica sempre foi o padrão-ouro para monitorar rejeição após transplante cardíaco. Mas é invasiva e com potenciais complicações.
A busca por métodos não invasivos ganhou força, e a ressonância magnética cardíaca (RMC) com mapeamento T1/T2 desponta como a principal candidata, especialmente quando combinada com biomarcadores como o DNA livre derivado do doador (dd-cfDNA).
Uma coorte publicada no EHJ promete tirar a coroa da biópsia endomiocárdica no seguimento de pacientes pós-transplante cardíaco.
Pesquisadores finlandeses acompanharam 58 receptores de transplante (adultos e crianças), com 244 exames de RMC ao longo de 24 meses. A rejeição foi definida de forma robusta: biópsia, avaliação clínica e dd-cfDNA.
Os resultados nos apresentaram interessantes insights:
T1/T2 caíram com o tempo → indicando recuperação do coração do estresse inicial do transplante.
Durante rejeição aguda, T1 subia significativamente (em todas as idades).
T2 só subia em crianças, possivelmente refletindo rejeição mais grave nesses casos.
T1/T2 correlacionaram-se com dd-cfDNA, reforçando a ideia de que a imagem e o “liquid biopsy” se complementam.
Strain global não diferiu entre rejeição e não-rejeição, mas T2 se associou a um strain pior.
LGE foi detectado em 62% dos pacientes, mais extenso nos que rejeitavam.
Assim, a RMC com os mapas T1/T2 pode oferecer um screening não invasivo confiável para rejeição em transplantes, sobretudo quando combinada com dd-cfDNA.
Ainda não substitui totalmente a biópsia, mas pavimenta o caminho para protocolos menos invasivos no seguimento desses pacientes.
O que os olhos não veem… o coração sente sim!
Artigo de revisão (JACC)
A expansão da TAVI mudou o jogo na cardiologia. Já em 2014, o número de implantes percutâneos de válvula aórtica superava a cirurgia nos EUA.
Mas calma, Dozer… o tema aqui não é volume de procedimentos, e sim uma complicação tardia que continua intrigando: a trombose subclínica, tema da revisão publicada essa semana no JACC.
Graças à tomografia cardíaca, aprendemos que 10 a 15% dos pacientes apresentam trombose subclínica do folheto em 1 mês pós-TAVI, e esse número chega a 30% em 1 ano. Esse achado recebeu até nome próprio: HALT (hypoattenuated leaflet thickening), que pode ou não vir acompanhado da redução de mobilidade do folheto.
E não é só o folheto que importa: surge o conceito de trombose subclínica do complexo valvar aórtico, incluindo trombos em regiões perivalvares, como seio de Valsalva e neoseio. Em estudos recentes, até 40% dos pacientes apresentaram algum grau de trombose em estruturas relacionadas à prótese.
🤔 Por que isso acontece?
É multifatorial. O review destaca:
Prótese e técnica: hipoexpansão, implante profundo, desalinhamento comissural, design da válvula.
Anatomia e hemodinâmica: calcificação residual, anatomia do seio/neosinus, disfunção ventricular, áreas de baixo “washout” e fluxo estagnado.
Paciente: obesidade, inflamação sistêmica, estados pró-trombóticos.
Terapia antitrombótica: anticoagulação reduz HALT em imagem, mas aumenta risco de sangramento e mortalidade.
📝 Impacto clínico:
E aqui está a grande controvérsia: isso importa para o paciente?
Alguns estudos associam HALT a maior risco de AVC ou AIT (até 2,6x maior).
Outros não encontram relação com desfechos clínicos, apenas com gradiente transvalvar mais alto.
O mais provável: trata-se de um fenômeno dinâmico e heterogêneo, ou seja alguns casos resolvem espontaneamente, outros progridem para degeneração valvar.
🎯 E na prática?
Ainda não existe uma estratégia universal. Ensaios como GALILEO, ATLANTIS e ADAPT-TAVR mostram que anticoagulação pode reduzir HALT, mas à custa de mais eventos de sangramento e até mortalidade.
A recomendação atual é individualizar: considerar anticoagulação apenas em subgrupos de maior risco, sempre pesando a balança trombose x sangramento.
Na prevenção, reforçamos que pacientes sem angioplastia coronária com stent recente e sem indicação de anticoagulação oral devem manter apenas antiagregante plaquetário em monoterapia em baixa dose (habitualmente o bom e velho AAS 100mg/dia).
O destino na ponta do bisturi
Coorte (Circulation)
Sabe aquele momento da vida real em que a teoria das diretrizes encontra o chão da prática? Pois é… a endocardite infecciosa (EI) é justamente esse território cinzento onde decidir operar ou não pode mudar completamente a história do paciente.
Um estudo recente publicado na Circulation com mais de 3.000 pacientes acompanhados na Dinamarca, traz um choque de realidade: mesmo quando há indicação clara de cirurgia, metade dos pacientes não chega à sala de operação!
Vamos aos dados do estudo:
40% dos pacientes tinham indicação formal de cirurgia.
Só metade deles foi operada.
✅ Quem foi operado:
Era, em média, 10 anos mais jovem.
Tinha menos comorbidades.
Apresentava infecções mais “amigáveis” (streptococos).
❌ Quem não foi operado:
Carregava um combo pesado de comorbidades.
Apresentava mais casos de Staphylococcus aureus (infecção agressiva e difícil).
Alto risco cirúrgico foi o principal motivo para evitar o bisturi, mas, pasme, em mais da metade dos casos nem o motivo foi registrado.
E como já poderíamos imaginar, o impacto é brutal:
Mortalidade intra-hospitalar: 31,8% nos não operados vs. 12,5% nos operados.
Mortalidade em 1 ano: 50,5% nos não operados vs. 17% nos operados.
Fica claro que cirurgia salva vidas, mas só quando o paciente tem condições de suportar o procedimento. A linha entre benefício e risco ainda é muito tênue.
Esse estudo escancara algo que a gente vive no dia a dia: a decisão cirúrgica é menos “sim ou não” e mais “depende”.
Não basta saber a diretriz, é preciso conhecer o paciente, entender seus limites, avaliar fragilidade, comorbidades, microbiologia, anatomia… tudo.
Imagem da semana
Lembram do desafio da semana passada? A imagem acima é o complemento e resposta para a nossa pergunta: fechamento percutâneo de CIV pós-IAM.
Fácil, né?!
Fique por dentro
👩🏽 Choque cardiogênico ainda mata mais mulheres, e o motivo pode ser o cuidado desigual. Consenso do Eurointervention expõe lacunas no tratamento do choque cardiogênico em mulheres e chama atenção para a urgência de práticas clínicas mais equitativas.
🫀 Angina sem obstrução tem diagnóstico (e tratamento) quando se investiga direito. No estudo ILIAS ANOCA, realizar testes funcionais coronarianos durante o cateterismo foi seguro, aumentou o diagnóstico de disfunção vasomotora (78%) e, com tratamento direcionado, melhorou a qualidade de vida dos pacientes com angina e coronárias “normais”.
🩺 IA no estetoscópio: diagnóstico de valvopatias com tecnologia de bolso! Estudo avaliou um estetoscópio eletrônico com inteligência artificial capaz de identificar valvopatias esquerdas com boa acurácia (AU-ROC de 0,85 na validação interna). A ferramenta promete facilitar o rastreio precoce de estenose e insuficiência aórtica ou mitral, aliando praticidade e precisão.
🧈 Não é cirurgia plástica, mas a distribuição de gordura corporal importa! Quem nunca ouviu falar da famosa gordura visceral? Estudo com análise de corpo todo por RM avaliou os depósitos de gordura de acordo com idade e sexo e associou com pior “idade cardiovascular”. Os pacientes com mais depósitos de gordura foram precocemente acometidos com alterações vasculares e cardíacas em idade precoce.
🔪 Entidades europeias fazem pronunciamento sobre IC aguda em pacientes submetidos a cirurgia não cardíaca. A mensagem principal é: como se precaver? E “deu ruim”, como reverter o jogo? Vale a pena a leitura!
🧬 Do tradicional à terapia de ácidos nucleicos! Artigo do EHJ envolve a farmacoterapia que temos a disposição para tratamento de doenças cardiovasculares. Para você que também não entende nada de ácidos nucleicos, é interessante.
🚑 PCR extrahospitalar refratária às manobras iniciais: deve-se transferir o paciente precocemente durante a reanimação? Estudo australiano não demonstrou melhores resultados clínicos em estudo randomizado com 200 pacientes que foram transferidos de modo acelerado para o hospital.
✨ Os Dozers brilhando ao redor do mundo:
Reposição de testosterona: sem aumento de infarto ou morte, mas sobe risco de arritmia. Metanálise com a participação do Dozer Marcelo Braga, com mais de 9 mil homens mostrou segurança da TRT em eventos maiores, mas com aumento de 50% nas arritmias. Avaliação individual é essencial.
Menos é mais na anticoagulação? Estudo do Dozer Lucas Mendes demonstrou que a redução na dose do DOAC em tratamento estendido de TEV levou a redução no risco de sangramento, sem aumento de desfechos!
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