A nova geração de medicações cardiorrenais
Estamos diante de uma nova era do tratamento cardiovascular
A nova geração do tratamento da DRC
Ensaio clínico randomizado (NEJM)
A imagem acima, de um post do querido Silvio Povoa, ilustra perfeitamente o caminho que temos trilhado no manejo da doença renal crônica (DRC).
Assim como no tênis, o antigo “big 3” da cardiologia vem sendo substituído por novas promessas: os inibidores de SGLT2, os análogos do GLP-1 e, mais recentemente, a finerenona (com benefício já comprovado na IC FEP, como demonstrado no estudo FINEARTS-HF).
Essas transformações também alcançaram a nefrologia.
Acaba de ser publicado no New England Journal of Medicine o tão aguardado estudo CONFIDENCE, que avaliou o impacto da combinação de finerenona (um antagonista do receptor de mineralocorticoide) e empagliflozina (iSGLT2) em pacientes com diabetes tipo 2 e DRC.
A ideia é que ambas as classes reduzem a progressão da DRC por mecanismos distintos. Mas será que iniciar as duas juntas é melhor do que seguir a tradicional abordagem em etapas?
Desfecho primário: redução da relação albumina/creatinina urinária (UACR) em 180 dias:
Finerenona + Empagliflozina: redução de 52% na UACR;
Monoterapia com finerenona: redução de 32%;
Monoterapia com empagliflozina: redução de 29%.
✅ Resultado: a combinação foi significativamente superior a cada droga isoladamente.
E quanto à segurança?
Eventos adversos sérios: ~6% nos três grupos;
Hipercalemia >5,5 mmol/L: 15,3% no grupo combinado vs. 18,6% na finerenona isolada;
Hipotensão sintomática? Rara. Lesão renal aguda Pouquíssimos casos.
Redução transitória do eGFR nos primeiros 30 dias, mas com recuperação após suspensão da terapia.
A nova geração já está nos presenteando com grandes atuações! Assim como Sinner e Alcaraz jogaram um espetáculo de final em Roland Garros no último domingo, a finerenona + empagliflozina demonstraram redução sustentada da proteinúria, um marcador confiável de desfechos renais e cardiovasculares.
A coadministração precoce pode oferecer uma proteção mais rápida e robusta, evitando a famosa inércia terapêutica das estratégias em escadinha.
💭 Estaríamos diante de uma nova era no manejo da doença renal crônica?
A mudança no conceito de placa vulnerável
Estado da arte (JACC)
Você conhece bem o conceito de placa vulnerável: aquela lesão com grande núcleo lipídico e capa fibrosa fina prestes a se romper (ou, para os íntimos, thin-cap fibroatheroma (TCFA)).
Como sempre, na medicina, o conhecimento evolui e os conceitos sofrem mudanças. Com a aterosclerose não foi diferente.
Hoje, sabemos que até 40% das síndromes coronarianas agudas (SCA) se devem à erosão endotelial, e não à ruptura, sem falar nos nódulos calcificados eruptivos, cada vez mais reconhecidos como culpados silenciosos.
Um interessante estado-da-arte publicado no JACC faz um proposta ousada: abandonar o termo "placa vulnerável" e adotar o conceito mais amplo de “placa de alto risco”.
Essa definição inclui não só a morfologia (como a TCFA), mas também a atividade inflamatória local e sistêmica, o grau de cicatrização da placa, a carga aterosclerótica total e até o quanto de miocárdio está em risco se aquela lesão romper.
As imagens intracoronárias (OCT, IVUS, NIRS) reforçam esse novo olhar: muitas placas de alto risco não causam eventos imediatos, mas passam por tromboses silenciosas e processos de cicatrização que aumentam a complexidade da doença.
Pacientes com infarto por ruptura geralmente têm uma verdadeira tempestade de TCFAs em outros vasos, o que reforça a ideia de uma doença "pancoronária".
Já a erosão, mais comum em mulheres jovens, acontece em placas ricas em músculo liso e matriz extracelular, com envolvimento de neutrófilos e ausência de núcleo lipídico evidente, um processo inflamatório e trombótico completamente diferente.
O artigo também aponta as promessas do diagnóstico por imagem. A angiotomografia coronária (CTA) tem ganhado força como ferramenta não invasiva para identificar placas de risco, com destaque para achados como remodelamento positivo e placas de baixa atenuação. A análise da gordura perivascular, usando a atenuação da gordura como marcador inflamatório, também surge como biomarcador promissor.
Tecnologias emergentes como a tomografia com detecção de fótons e o uso de PET com traçadores inflamatórios podem revolucionar a forma como avaliamos placas antes que elas causem eventos.
A mensagem final é provocativa: enquanto ainda não conseguimos prever com precisão qual placa vai romper, precisamos focar em identificar pacientes de alto risco e tratar agressivamente com terapias intensivas, antes que o primeiro evento aconteça.
🏅 E não para por aí! Nas próximas edições da DozeNews Prime abordaremos os mecanismos de ocorrência de SCA e esses novos conceitos de vulnerabilidade. Inscreva-se agora e receba resumos completos de temas atualizados da cardiologia toda quarta-feira às 18h12!
Fila do SUS, digo, da TAVI
Grande debate (EHJ)
Nos EUA e Europa a solicitação de TAVI para tratamento de estenose aórtica (EAo) ultrapassa a capacidade dos centros de referência, ocasiona filas “inaceitáveis” e resultados negativos.
A culpada é a alta prevalência da estenose aórtica (EAo) na população idosa: 2 a 6% das pessoas com mais de 65 anos.
Enfim, guardadas as devidas proporções, parece que os “gringos” apresentam dificuldades para proporcionar a terapia no tempo adequado para o número crescente de pacientes com EAo. Neste cenário a discussão sobre a realização de TAVI em serviços sem cirurgia cardíaca ganhou relevância e um debate foi realizado pelo European Heart Journal.
Vale a pena entender a dimensão e densidade da discussão, uma vez que são questões relevantes também para o cenário brasileiro.
O argumento a favor da expansão para centros sem cirurgia cardíaca?
É simples: filas longas matam. Estudos mostram que a cada 80 dias de espera por TAVI, o risco de internação por IC chega a 12%, e o risco de óbito a 2%. E a fila só cresce. Na Europa, o tempo médio de espera é de 80 dias; na Austrália, 150; na Argélia, 232 dias (com mortalidade de 10,2% na fila - comparação que, infelizmente, nos soa mais familiar).
Para os defensores da expansão, a solução não é operar em qualquer lugar, de qualquer jeito. O que se propõe é a realização de TAVI em centros bem estruturados, mesmo sem cirurgia cardíaca, desde que cumpram requisitos mínimos:
operadores experientes e volume adequado (≥ 50 TAVI/ano),
cirurgia vascular e UTI de alta complexidade no local,
protocolo de seleção e avaliação pré-procedimento bem estabelecido,
e, claro, possibilidade de transferência imediata em caso de complicações.
E os argumentos contra?
O grupo contrário destaca que as evidências que sustentam a eficácia e segurança da TAVI foram construídas em centros com cirurgia cardíaca on- ite e com a atuação ativa do Heart Team completo, incluindo cirurgiões.
Eles lembram que, mesmo que complicações graves sejam raras (<1%), quando ocorrem — como obstrução coronariana, ruptura do anel ou dissecção de aorta — exigem uma resposta imediata e altamente especializada. Além disso, o manejo a longo prazo, especialmente em pacientes jovens ou em situações anatômicas complexas (válvula bicúspide, reintervenções, etc.), demanda uma estrutura mais robusta.
Dois estudos importantes estão em andamento: o TAVI at Home Study (não randomizado) e o TRACS Trial (randomizado), que irão avaliar de forma mais robusta a segurança e eficácia da TAVI fora dos centros com cirurgia cardíaca.
Em resumo, expandir a TAVI para centros sem cirurgia cardíaca pode ser uma resposta pragmática ao problema das filas, desde que feita com critério, estrutura e bom senso. É uma discussão “gringa”, sim, mas que conversa diretamente com os nossos desafios de acesso à terapêutica.
O rastreio oncológico 2.0
Caiu na Mídia
Há algumas semanas questionávamos aqui na DozeNews: “a IA vai roubar o seu emprego?". Hoje, viemos mostrar que o caminho é bem oposto a esse: a medicina do futuro vai ser de parceria, não de substituição.
O FDA, agência reguladora norte-americana, aprovou a primeira ferramenta de IA voltada para prever o risco de câncer de mama.
A novidade, noticiada pela Fox News, se chama Mammography Intelligent Assessment (MIA), foi desenvolvida no Reino Unido e tem um objetivo ousado: identificar, com até dois anos de antecedência, pacientes com maior risco de desenvolver câncer, mesmo quando a mamografia ainda parece normal.
Ao analisar mamografias de rotina com algoritmos avançados, ela entrega uma análise preditiva adicional que pode alterar o plano de rastreio e indicar exames mais precoces, mesmo na ausência de sinais clínicos.
Nos estudos apresentados ao FDA, a ferramenta conseguiu detectar mais de 10% dos casos que haviam passado despercebidos pelos especialistas na primeira avaliação, e tudo isso sem aumentar significativamente os falsos positivos.
A aprovação da Mia marca uma mudança de paradigma: ao invés de se limitar a interpretar o que já está evidente na imagem, a IA passa a atuar como uma espécie de “vidente científica”, antecipando riscos antes mesmo de a doença se manifestar de forma visível. A expectativa agora é que clínicas e centros de imagem comecem a incorporar a tecnologia nos Estados Unidos já nos próximos meses.
A inteligência artificial vai se firmando como uma aliada valiosa na medicina moderna, especialmente em áreas de rastreio e diagnóstico precoce.
O profissional que se destacar não será aquele que competir com as máquinas, mas quem souber usá-las a seu favor.
Imagem da semana
Da série besteirinhas anatômicas que podem vir em um laudo e você precisa conhecer: dupla DA.
A dupla artéria descendente anterior (dupla DA) é uma anomalia coronariana rara caracterizada pela presença de dois ramos distintos da artéria DA: um ramo curto, que termina precocemente no sulco interventricular anterior, e um ramo longo, que segue um trajeto alternativo antes de retornar ao sulco em seu segmento distal.
Existem vários tipos de classificação, mas a mais conhecida foi proposta por Spindola-Franco et al.:
Tipo 1: o ramo longo origina-se da própria DA e corre paralelamente ao ramo curto sobre o ventrículo esquerdo (o da imagem acima);
Tipo 2: o ramo longo também se origina da DA, mas corre sobre o ventrículo direito;
Tipo 3: o ramo longo segue um trajeto intramiocárdico;
Tipo 4: o ramo longo tem origem anômala na artéria coronária direita.
Fique por dentro
🚶🏻 Ainda temos um longo caminho pela frente… Um interessante estudo japonês com mais de 3600 pacientes com cardiomipatia hipertrófica, observou que as diretrizes ACC/AHA 2024 e ESC 2023 conseguiram identificar bem os extremos de risco, mas mostraram limitações na diferenciação entre categorias intermediárias, especialmente na comparação entre Classes 2a e 2b.
💭 Ozônio faz mal? Aos amantes da ozonioterapia: CALMA… Estamos falando de concentração de ozônio no ar (que é indicativo de poluição, ok?). Estudo observacional americano demonstra associação de altas temperaturas e ozônio com aumento da taxa de IAM.
💉 Vacina do COVID e IAM: o que todos querem saber. Estudo coreano e japonês avaliou a ocorrência de IAM nas era da pandemia de covid e constatou: os vacinados apresentaram menores taxas de IAM. Houve a ressalva que na população estudada as taxas de IAM foram baixas em vacinados e não vacinados.
💊 Vareniclina para cessação do vaping? Sim, parece que funcionou. Estudo publicado no JAMA demonstrou que em jovens de 16 a 25 anos que usavam nicotina por vaping, o tratamento com vareniclina por 12 semanas, associado a aconselhamento remoto, resultou em taxas significativamente maiores de abstinência sustentada em comparação ao placebo (51% vs 14% nas semanas 9-12) e ao cuidado usual (6%).
🫀 O poder da inflamação. Em estudo com 490 pacientes submetidos a angiotomografia antes da angioplastia com stents farmacológicos, maior inflamação coronariana — estimada por valores elevados de atenuação da gordura pericoronária (PCAT) — se associou independentemente a maior incidência de eventos cardiovasculares (morte, infarto, revascularização ou AVC).
🌎 Editorial do The Lancet demonstra a preocupação do jornal com a saúde das populações negligenciadas e postula: inovação é diferente de impacto para a população do mundo todo. Diante das adversidades vividas nos países negligenciados, as inovações que aplaudimos significam muito pouco… Vale a pena a reflexão.