A última de 2025
Porque algumas respostas não podiam ficar para 2026
Risco cardíaco nas maratonas
Coorte (JAMA)
Difícil falar dos hypes de 2025 sem falar das corridas. Quantos maratonistas surgiram nas suas redes sociais no último ano?
Mas resta uma dúvida recorrente: o coração “paga um preço” por essa moda?
Não é novidade que provas de longa distância associam-se à elevação de troponina.
No entanto, será que essa alteração laboratorial realmente significa lesão miocárdica permanente?
O estudo Pro-MagIC correu atrás de uma resposta (piadinha de “tio do pavê” já em clima natalino rs). Foi uma longitudinal com 152 corredores recreacionais de maratona, todos homens, acompanhados por 10 anos.
O foco foi avaliar:
A elevação de troponina T após a maratona;
As alterações agudas e crônicas da função ventricular direita;
A associação entre esses achados ao longo do tempo.
O que acontece logo após a maratona?
A fração de ejeção do ventrículo direito (VD) cai de forma significativa imediatamente após a prova;
Essa queda persiste no primeiro dia pós-prova;
Mas… recupera completamente em até 3 dias.
Isso significa que do ponto de vista imediato observa-se uma queda transitória com rápida recuperação, sem aparente cicatriz funcional.
Mas, e após 10 anos? É aqui que está a pergunta-chave:
A função do ventrículo direito permaneceu estável após 10 anos;
A elevação da troponina T pós-maratona NÃO se associou a remodelamento ventricular direito ou esquerdo a longo prazo
Já no ventrículo esquerdo notou-se uma pequena redução da fração de ejeção e aumento discreto do índice E/e’ (pressão de enchimento), mantendo-se ainda dentro da normalidade, sem sinal de disfunção clínica relevante.
Do ponto de vista prático, a elevação de troponina após exercícios extremos não deve ser automaticamente interpretada como lesão miocárdica.
Em atletas recreacionais, as alterações cardíacas parecem ser fisiológicas, transitórias e reversíveis.
A busca pelo escore de risco na CMH
Coorte (EACVI Congress)
Para você que já está empurrando todos os seus planos para 2026, sabia que, em plena saideira do ano, os europeus estão discutindo imagem cardiovascular (e coisa grande!).
Na última semana, em Viena, aconteceu o EACVI 2025. E, entre muitos estudos interessantes, um chamou atenção por atacar um velho problema da cardiomiopatia hipertrófica (HCM) com uma proposta nova e elegante: como usar o realce tardio de forma mais inteligente para estratificar risco. Estamos falando do HCM-LGE Risk Score.
🤯 Entenda o problema:
Mesmo com evidências associando fibrose miocárdica (especialmente quando acima de 15% da massa do ventrículo esquerdo) a pior prognóstico, o uso do realce tardio no dia a dia ainda gera dúvidas. O percentual isolado nem sempre traduz o risco real, o que se reflete nas diretrizes.
A mais recente diretriz brasileira de cardiomiopatia hipertrófica (2024) coloca a ressonância magnética (RMC) como recomendação IIa para estimar risco de morte súbita, principalmente quando os critérios clássicos são inconclusivos.
Foi exatamente desse ponto que partiu o grupo francês. A proposta foi avançar do “quanto” para o “como” na avaliação da fibrose, introduzindo o conceito de granularidade do realce tardio.
O estudo incluiu 862 pacientes com cardiomiopatia hipertrófica e presença de realce tardio à ressonância, acompanhados por uma mediana de nove anos.
A partir de modelos de regressão, os autores desenvolveram um escore simples e clínico, baseado em três elementos: a extensão do realce em número de segmentos, a localização septal da fibrose e o padrão subepicárdico associado à fibrose mesomiocárdica.
Com esses componentes, os pacientes foram estratificados em baixo, intermediário e alto risco para mortalidade por todas as causas. Na prática, um escore abaixo de quatro identificou uma população de melhor prognóstico, enquanto valores acima de cinco delimitaram um grupo com risco significativamente mais elevado ao longo do seguimento.
A mensagem final é clara: na cardiomiopatia hipertrófica, o realce tardio não deve ser encarado como um achado binário nem apenas como um número.
O padrão, a localização e a organização da fibrose carregam informação prognóstica relevante e podem refinar a estratificação de risco, especialmente nos pacientes que ficam na zona cinzenta dos modelos tradicionais.
Vamos aguardar a publicação do estudo oficial para avaliar a aplicabilidade dessa avaliação na prática.
Ano que vem a gente vê?
Coorte (JACC: Cardiovascular Intervention)
Todo fim de ano tem aquela promessa clássica: ano que vem eu vejo isso com mais calma. Pois este estudo chegou para estragar esse plano.
Publicado no JACC: Cardiovascular Interventions, ele encara de frente uma pergunta que sempre deixamos para depois: entre tantas placas encontradas na tomografia, quais realmente vão virar um evento agudo?
O estudo analisou pacientes que tiveram uma síndrome coronariana aguda (SCA), mas com um diferencial poderoso: todos haviam realizado angiotomografia de coronárias (CCTA) entre 1 mês e 3 anos antes do evento.
Ou seja, foi possível olhar para trás e identificar quais características aquelas placas já apresentavam antes de se tornarem culpadas.
Trata-se de um estudo internacional, multicêntrico, em desenho caso-controle, que incluiu 351 pacientes e analisou 2.451 lesões coronárias. Destas, apenas 363 (14,8%) evoluíram para lesões culpadas por síndrome coronariana aguda (um dado que, por si só, já ajuda a colocar os pés no chão).
As análises foram feitas em core lab e incluíram tanto variáveis anatômicas quanto fisiológicas.
Do ponto de vista anatômico, foram avaliadas características clássicas de alto risco: placa de baixa atenuação, remodelamento positivo, sinal do guardanapo, calcificações pontuais e carga de placa no ponto de menor área luminal, além do grau de estenose.
Do lado fisiológico, o destaque foi a variação do FFR derivado da tomografia (ΔFFRct) ao longo da lesão.
Os resultados ajudam a organizar o raciocínio clínico. Todas as características anatômicas de risco se associaram de forma independente à ocorrência de síndrome coronariana aguda, mas com comportamentos distintos.
Uma carga de placa ≥70% apresentou a maior sensibilidade para identificar futuras lesões culpadas, enquanto um ΔFFRct > 0,10 foi o marcador mais específico.
Quando comparados globalmente, anatomia e fisiologia tiveram desempenho semelhante na predição de eventos (AUC ~0,80), mostrando que não competem, se complementam.
Talvez o achado mais importante seja o lembrete de realidade: entre 10% e 30% das placas com características de alto risco evoluem para um evento agudo, a depender do critério utilizado. Em outras palavras, mesmo com ferramentas cada vez mais sofisticadas para identificar risco, a maioria das placas não rompe.
Na prática, a mensagem é clara e muito atual para esse fim de ano: esses achados não indicam intervenção ou angioplastia preventiva de rotina, mas reforçam a importância de reconhecer pacientes e lesões de maior risco para intensificar tratamento clínico, metas lipídicas mais agressivas e estratégias de prevenção secundária.
Mais do que decidir quem vai para o cateterismo, a tomografia está nos ajudando a decidir quem precisa ser tratado melhor, e agora.
Imagem da semana
Aneurisma do ápice do ventrículo esquerdo, de etiologia isquêmica, visto à angiotomografia de coronárias (quem disse que TC precisa ser estática?!).
Fique por dentro
📉 O biomarcador caiu, mas os sintomas… nem tanto. No maior estudo já realizado em pacientes com miocardiopatia hipertrófica não obstrutiva (nHCM), o ODYSSEY-HCM testou o mavacamten por 48 semanas, mas não alcançou melhora na capacidade funcional ou qualidade de vida. Apesar disso, houve reduções expressivas de NT-proBNP e troponina I, sugerindo impacto biológico relevante.
🫀 O amplo espectro do IAM sem supra! Revisão do EHJ versa sobre as diversas etiologias, estratificação de risco e formas de avaliação dos pacientes com IAM sem supra de ST! O seguimento após e manejo medicamentoso não fica de fora. Confira lá.
🇨🇳 Mais de 23 milhões de chineses com IC. Quanto custa isso? Estudo faz avaliação do impacto econômico do diagnóstico e tratamento de pacientes com IC no sistema de saúde.
🚺🚹 Envelhecimento cardíaco em mulheres e homens: quais as diferenças? Menores câmaras, maior atividade simpática e frequência cardíaca são características femininas em relação ao homem.
❌ Nem todo bloqueio após TAVR é igual, e entender a diferença pode mudar tudo. Estudo com 409 pacientes em Boston mostra que bloqueios durante o implante valvar são geralmente persistentes e infranodais, enquanto os tardios tendem a ser paroxísticos. Reconhecer esses padrões pode evitar implantes desnecessários de marcapasso.
⚠️ Cicatriz nos músculos papilares é sinal de alerta na miocardiopatia dilatada. Em estudo com 470 pacientes, a presença de fibrose nos músculos papilares (papSCAR), detectada por ressonância magnética, foi associada a maior risco de morte cardíaca, eventos de insuficiência cardíaca e arritmias, independentemente da fração de ejeção.





