Começou! Finalmente podemos dar início ao ano científico na cardiologia, com o primeiro grande evento: o congresso do American College of Cardiology (ou apenas ACC 25) - quem disse que apenas no Brasil o ano só começa depois do Carnaval? rs
E você já sabe: se tem congresso, tem cobertura da DozeNews!
O evento, que começou sábado (dia 29/03), ainda continua hoje com a publicação de interessantes artigos.
Vamos aos highlights!
Dia 1 (29/03)
Diretamente da cidade que nos deu o blues, os rooftops com vista pro Lago Michigan e o GOAT Michael Jordan, o ACC 2025 começou daquele jeito: frio cortante nas ruas, mas ciência pegando fogo nos auditórios.
E como uma boa fatia de deep-dish pizza, o primeiro dia foi generoso, recheado e cheio de sabor. Tiveram novidades na anticoagulação, polêmica na dupla antiagregação plaquetária (DAPT), inibidor da SGLT2 brilhando de novo, inovação na cirurgia cardíaca e até promessa no tratamento da hipertensão resistente.
💊 HOST-BR: menos é mais na DAPT?
Este estudo sul-coreano trouxe uma boa dose de K-drama para tentar responder uma das mais polêmicas questões: qual é o tempo ideal de DAPT após o implante de stent?
Foram quase 4.900 pacientes divididos em dois grupos: alto risco de sangramento (HBR) e baixo risco de sangramento (LBR) para nos apresentar uma interessante resposta: no grupo HBR, 3 meses de DAPT se mostraram mais seguros que 1 mês, reduzindo eventos sem aumentar sangramento. Já no LBR, tanto 3 quanto 12 meses foram semelhantes em eficácia, mas com menos sangramento no grupo de 3 meses.
Nem demais, nem de menos! A primeira conclusão é que a velha prescrição padrão de 12 meses de DAPT parece estar com os dias contados, mas reduzir demais também não parece ser o caminho. Por enquanto, a individualização ainda é a resposta.
❗️Atenção! Nada de seguir a linha dos K-drama e emocionar com esses resultados: como o estudo foi feito 100% na Coreia do Sul e com predominância de clopidogrel, os resultados ainda precisam de “passaporte” antes de virarem diretriz global.
Vale lembrar que a última diretriz americana traz a opção da monoterapia com ticagrelor já após o 1º mês, mas mantém os 12 meses habituais para os demais casos.
🧠 RIVAWAR: dá pra substituir a varfarina por rivaroxabana no trombo de VE?
Na eterna batalha dos anticoagulantes, esse estudo paquistanês comparou rivaroxabana vs varfarina em pacientes com IAM + trombo no VE.
Em 1 mês, a rivaroxabana teve melhor desempenho na resolução do trombo. Aos 3 meses, as taxas se equipararam. Desfechos como AVC e sangramento foram numericamente maiores com a rivaroxabana, mas os autores defendem sua segurança.
🟡 Fica o sinal amarelo — e a necessidade de mais dados.
⚔️ WARRIOR: INOCA, intensificar ou não intensificar, eis a questão
O WARRIOR enfrentou um dilema clínico clássico: será que pacientes com INOCA (isquemia com artérias coronárias não obstrutivas) se beneficiam de um tratamento clínico mais agressivo?
A resposta foi um sonoro “depende”. Mesmo com estratégia intensiva (AAS + estatina de alta potência + IECA/BRA), não houve redução significativa em desfechos em 5 anos.
O estudo teve limitações, incluindo o impacto da pandemia, mas reforça que “mais remédio” nem sempre é “melhor cuidado”.
🩸FARES II: sangramento em cirurgia cardíaca – o que usar?
Na arena da cirurgia cardíaca, o FARES II testou se o concentrado de complexo de protrombina (CCP) seria tão eficaz quanto o plasma fresco (PFC) no controle do sangramento intraoperatório.
Não só foi não inferior — foi superior: melhor hemostasia, menos reoperações e menor risco de lesão renal.
Um novo aliado para anestesistas e intensivistas em tempos de guerra contra a coagulopatia.
🚶🏻STRIDE: semaglutida dá gás na caminhada!
Pacientes com doença arterial periférica e diabetes tipo 2 ganharam um fôlego extra com a semaglutida.
No STRIDE, ela melhorou significativamente a distância percorrida na esteira, com um perfil de segurança semelhante ao placebo.
Um incentivo poderoso para tirar o pé da claudicação e colocar na esteira!
👻 SOUL: cardioproteção oral com semaglutida?
O SOUL foi além: mostrou que a formulação oral da semaglutida (no Brasil, o Rybelsus) reduziu eventos cardiovasculares em pacientes com DM2 e risco CV aumentado (redução de infarto, AVC e morte CV com segurança — e sem agulhas).
Uma vitória para quem quer cuidar do coração com mais autonomia e menos picadas.
🐈 API-CAT: apixabana em baixa dose segura em oncologia
Pacientes com câncer e TEV anterior agora têm uma nova perspectiva: a apixabana em dose reduzida (2,5 mg 2x/dia) foi tão eficaz quanto a dose plena na prevenção de recidivas, com menos sangramentos clinicamente relevantes.
Boa notícia para um público que já carrega muitos riscos — e merece alívio sem susto.
🩻 DAPA-TAVI: dapagliflozina brilha também na valvopatia
Estudo espanhol, idosos frágeis, TAVI realizada — e lá vem a dapagliflozina mostrando serviço.
Redução de morte e piora da IC em 1 ano, inclusive em quem tinha disfunção renal.
É o inibidor da SGLT2 mostrando que não tem território onde ele não queira plantar sua bandeira.
🩺 ADVANCE-HTN: uma nova esperança para a hipertensão resistente?
O lorundrostat, um inibidor da aldosterona sintase, reduziu de forma expressiva a PA sistólica em pacientes com hipertensão difícil de controlar.
E mais: com boa tolerância e até controle da PA em 42% dos casos em apenas 4 semanas.
Pode estar nascendo aí um novo personagem de destaque na novela da hipertensão resistente.
Dia 2 (30/03)
Showtime em Chicago: o segundo dia do ACC 2025 continuou fervendo com estudos que desafiam práticas estabelecidas e prometem mudanças importantes na forma como lidamos com doenças cardiovasculares.
💧FRESH-UP: é hora de liberar os líquidos na IC?
Nada de engole o choro (e a água) rs. O FRESH-UP, estudo europeu que avaliou 504 pacientes com IC crônica, comparou a restrição hídrica tradicional com uma abordagem liberal.
Após 3 meses, o desfecho primário — qualidade de vida avaliada pelo KCCQ — não mostrou diferença estatisticamente significativa. Mas a história não acaba aí: os pacientes do grupo “liberal” relataram menos sede, melhor bem-estar e sem aumento de eventos adversos como descompensação ou lesão renal.
Ou seja: pode ser hora de repensar a velha máxima do “menos água” — pelo menos para quem está compensado.
💥 FLAVOUR II: FFR e IVUS disputam o cinturão… e deu empate técnico!
O FLAVOUR II colocou frente a frente dois gigantes da hemodinâmica: a angioFFR (método de avaliação da reserva de fluxo fracionada (FFR) por angiografia, baseado em IA) versus IVUS, para guiar tanto a decisão de revascularização quanto a otimização do stent.
Mais de 1.800 pacientes chineses com estenose significativa foram randomizados, e o resultado foi um empate técnico: morte, infarto e revascularização em 12 meses foram iguais nos dois grupos (6,3% vs 6,0%).
Mas teve um plot twist: o IVUS levou mais pacientes pra angioplastia (81% vs 69,5%). Ou seja, o FFR pode ser mais “econômico” — e ainda assim, eficaz.
Conclusão? Ambas as estratégias funcionam, mas o FFR derivado da angio pode ser o caminho mais racional e custo-efetivo, especialmente onde o IVUS ainda é um luxo.
❤️🩹 FAIR-HF2: ferro na veia = menos eventos?
Depois de anos ouvindo que “ferro melhora sintomas”, o FAIR-HF2 quis ir além: será que também reduz morte e hospitalização?
O estudo recrutou mais de 1.100 pacientes com IC e fração de ejeção reduzida (≤45%) + deficiência de ferro, comparando carboximaltose férrica IV com placebo para um desfecho primário composto por morte CV ou hospitalização por IC.
Levou a uma redução de risco para o desfecho primário com a reposição do ferro (HR 0,79; p = 0,04), mas não atingiu significância estatística pelo critério pré-definido. Além disso, houve uma tendência a redução de hospitalizações totais por IC, mas também sem significância (p = 0,12).
No subgrupo com saturação de transferrina <20% (definição mais “pura” de deficiência de ferro), mesma história: HR 0,79; p = 0,07.
Em outras palavras, a carboximaltose férrica é segura e pode sim ajudar a reduzir eventos — mas ainda não é uma bala de prata. Talvez o segredo esteja na dose, no momento ou no perfil do paciente certo.
📟 EquiOX: oximetria pode enganar — e nem é por má fé!
Estudo multicêntrico mostrou que pacientes com pele mais escura têm superestimação de 1,5% a 2% na oximetria de pulso. O que isso quer dizer? Que o SpO₂ pode estar parecendo bom… mas não está.
Alerta importante para UTIs e pronto-atendimentos: oxigenação não é só número no visor.
🧠 BHF PROTECT-TAVI: proteção cerebral virou placebo caro?
Mais de 7.600 pacientes testaram se o uso do dispositivo de proteção cerebral (Sentinel) de rotina durante o TAVI reduz AVCs.
Spoiler: não reduziu nem AVCs, nem mortalidade precoce.
Resultado: mais custos, sem benefício clínico claro. Vale repensar o uso rotineiro.
⚙️ EVOLUT LOW RISK – 5 ANOS: TAVI segue firme e forte
Cinco anos depois, a TAVI com válvula autoexpansível mostrou que ainda bate de frente com a cirurgia, mesmo em pacientes de baixo risco.
Mortalidade semelhante, menos FA… mas com mais marca-passo (27% vs. 11%) e mais leak paravalvar.
Fica o recado: TAVI é ótima, mas escolha bem o paciente.
🧩 ALIGN-AR: chegou a hora da IAo nativa ter solução percutânea?
O estudo ALIGN-AR testou a válvula JenaValve Trilogy em pacientes com insuficiência aórtica nativa grave e alto risco cirúrgico.
Resultado? Alta taxa de sucesso técnico, mortalidade de 1,4% em 30 dias e apenas 0,8% de AVC incapacitante.
Pode ser a luz no fim do túnel para quem antes só tinha cirurgia como opção.
🔍 FAME 3: FFR x cirurgia – tem empate, mas com sequelas
O estudo de maior relevância do segundo dia, mas já conhecido dos cardiologistas… O último estudo do grupo FAME comparou a angioplastia coronária guiada por FFR em comparação com a cirurgia de revascularização.
Importante notar que todos os pacientes eram triarteriais e com Syntax mediano de 26 (aparentemente bem adequado ao escopo do trabalho).
Tivemos até um resultado previsível: não houve diferença no desfecho composto de morte, AVC e IAM em 5 anos entre os grupos (ATC FFR 8,2% x 5,2% Cirurgia (HR 1,57, IC95% 1,04-2,36)).
Mas, o grupo ATC FFR apresentou maior ocorrência de infarto e necessidade de nova revascularização.
Sendo uma avaliação invasiva com o que temos de melhor hoje no mundo da coronária, não deixa de ser um importante trial do dia. Traz uma interessante igualdade entre a angioplastia e a cirurgia mesmo em pacientes com anatomia mais complexa, porém mantendo uma tendência para ganho com a cirurgia.
Talvez um seguimento mais longo essas curvas não abririam a favor da cirurgia? Ainda não é hora de aposentar o bisturi…
🧬 ALPACA: Lp(a) é a nova vilã do risco residual?
Calma, a sigla é ALPACA — não confundir com ALCAPA (origem anômala da coronária esquerda na artéria pulmonar), que é bem mais grave e bem menos frequente 😅.
O estudo testou o lepodisiran, uma injeção subcutânea que reduziu a Lp(a) em até 94% em 180 dias. Sem desfechos clínicos por enquanto, mas com aquele gostinho de novidade na prevenção cardiovascular.
Fica nossa expectativa quanto a redução do risco cardiovascular residual: podemos modificá-lo?
🥊 SMART CHOICE: Clopidogrel nocauteia o AAS?
No duelo das profilaxias, o bom e velho AAS tomou uma cruzada de direita do Clopidogrel.
O estudo mostrou que ele foi superior na prevenção secundária quanto a morte, IAM e AVC em pacientes de alto risco:
Clopidogrel 4,4% vs AAS 6,6% (p=0.013);
Redução relativa de 29%.
Será que é hora de repensar aquele “AAS pra sempre”? A gente já está com a mão coçando pra trocar o carimbo do consultório…
💔 ALTSHOCK 2: BIA na IC aguda – sem milagre dessa vez
O estudo italiano ALTSHOCK 2 jogou um balde de água fria nos entusiastas do balão intraórtico (BIA).
Pacientes com IC aguda foram randomizados para BIA precoce ou tratamento padrão. E o resultado? Nenhuma diferença significativa em mortalidade ou necessidade de suporte definitivo em 60 dias (81% vs 75%, HR 0.72; p=0.45).
Uma pena, principalmente onde o BIA é a única esperança de assistência. Mas a ciência é assim mesmo: sem paixão, só dados.
Dia 3 (31/03)
É saideira que você quer?? Então vai ter que acompanhar nas redes sociais e no DozeCast rs.
Infelizmente os estudos do dia estão saindo no momento em que você recebe este e-mail. Veja os mais aguardados:
Estudo SUMMIT - Tirzepatida em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, obesidade e doença renal crônica.
Estudo EKSTROM - Efeito da colchicina na progressão da aterosclerose coronariana em pacientes com doença arterial coronariana estável em comparação com placebo.
Estudo DECODE-CKD - Efeitos da dapagliflozina nas medidas ecocardiográficas de estrutura e função cardíaca em pacientes com doença renal crônica.
Efeito do Solbinsiran, um RNA de interferência direcionado à ANGPTL3, em biomarcadores de eventos cardiovasculares adversos maiores em adultos com dislipidemia mista: Um ensaio clínico randomizado de fase 2.
Como nunca deixamos os queridos Dozers na mão, além do post de praxe hoje no Instagram, já prepare os fones: na quinta-feira teremos episódio especial do DozeCast com o resumo e opinião dos principais trials do congresso 🎙️.
Muito bom resumo, excelente como sempre!!