Beta-bloq no pós-IAM: insistência ou evidência?
E quando foi a última vez que você se preocupou com as doenças tropicais?
Interromper ou não interromper: eis a questão
Ensaio Clínico Randomizado (EHJ)
O leitor assíduo da DozeNews já deve ter notado uma recente discussão da cardiologia ainda sem resposta: o uso do beta-bloqueadores (BB) pós-IAM.
Uma subanálise do estudo ABYSS tenta auxiliar a esclarecer essa relevante questão.
⏮️ Antes, vamos recapitular:
O estudo ABYSS, apresentado no último congresso da ESC em 2024, incluiu 3.700 pacientes estáveis com IAM há ≥ 6 meses e com FEVE ≥ 40%, randomizados para interromper ou continuar o uso do beta-bloqueador.
Após um seguimento médio de 3 anos, o estudo falhou em demonstraram a não-inferioridade da estratégia de interrupção do BB.
A subanálise semana, publicada essa semana no European Heart Journal avaliou os efeitos hemodinâmicos na FC e PA dessa interrupção, para demonstrar o porquê de ela não ser tão inofensiva assim.
Principais achados:
Interromper o BB aumentou significativamente a PAS (+3,7 mmHg), a PAD (+3,3 mmHg) e a FC (+10 bpm), mesmo com aumento do uso de outros anti-hipertensivos.
Esse efeito se manteve sustentado ao longo de 3 anos de seguimento.
O grupo que interrompeu teve maior incidência do desfecho primário (morte, IAM, AVC ou hospitalização CV - 23,8% vs. 21,1% (HR 1,16; P = 0,047)).
O impacto foi ainda mais marcante em pacientes hipertensos: risco absoluto 5% maior (P = 0,014), com destaque para hospitalizações por angina, IC e taquiarritmias.
📝 A lição:
Interromper o betabloqueador após IAM estável? Só com cautela!
Mesmo em pacientes com FE preservada, a interrupção trouxe perda sustentada de controle pressórico e aumento de eventos – especialmente nos hipertensos. Os betabloqueadores, ao que tudo indica, ainda têm um papel no jogo a longo prazo.
Moro em um país tropical
Scientific Statement (EHJ)
Em diversas edições, trazemos novidades sobre amiloidose, CMH, e outras doenças que bombam nos congressos.
Mas quando foi a última vez que você leu algo sobre endomiocardiofibrose, miocardite por dengue ou cardiopatia chagásica?
Essas doenças tropicais afetam mais de 1 bilhão de pessoas no mundo — mas continuam negligenciadas nos bancos de dados, nos trials e na prática clínica.
Por isso, o novo Scientific Statement liderado pelo DIC/SBC em parceria com a EACVI, publicado no European Heart Journal Imaging, é um marco: ele orienta como usar a imagem cardiovascular para diagnosticar e manejar doenças infecciosas tropicais com impacto direto no coração.
O documento cobre uma gama de infecções que podem atingir o coração com diferentes padrões:
Vírus transmitidos por mosquitos: Dengue, Zika, Chikungunya e Febre Amarela
Protozoários: Malária, Leishmaniose, Amebíase, Toxoplasmose
Helmintos: Esquistossomose, Cisticercose, Echinococose
Bactérias: Tuberculose
Doenças restritivas: Endomiocardiofibrose e Endocardite Hipereosinofílica
Chagas e febre reumática ficaram de fora — já têm guidelines próprios.
E o papel da imagem?
Ecocardiograma continua sendo o pau pra toda obra: está disponível, portátil e barato. Já a RMC, quando viável, é ferramenta valiosa para diferenciar inflamação, fibrose e isquemia — mas exige recursos e expertise.
📌 Critérios práticos do artigo:
Suspeita clínica + ECG alterado ou biomarcador positivo → fazer imagem.
RMC é útil quando o eco não esclarece ou para diagnóstico diferencial (ex: trombo x fibrose).
POCUS e tele-ecomedicina são ferramentas promissoras para áreas remotas.
PET/CT pode ajudar em tuberculose e outras doenças inflamatórias sistêmicas.
Achados por doença:
🦟 Dengue: Pericardite, miocardite, disfunção VE e derrame pericárdico. Pode simular IAM.
🦟 Zika: Complicações cardíacas raras, mas presentes em síndromes congênitas.
🦟 Chikungunya: Alta taxa de miocardite e choque. Causa importante de morte.
🦠 Malária: Redução de strain e disfunção VE em quadros graves.
🧫 Cisticercose/Echinococose: Cistos cardíacos com risco de obstrução, tamponamento ou embolia.
🪱 Esquistossomose: HPH e cor pulmonale como manifestação crônica.
🧫 Tuberculose: Clássica pericardite constritiva, mas também miocardite e aortite.
🧬 EMF/Endocardite eosinofílica: Restrição diastólica, trombo apical e fibrose subendocárdica — diagnóstico muitas vezes clinico-ecocardiográfico.
Conclusão tropical:
Esse consenso traz o que faltava: uma organização clara dos achados cardiovasculares nas doenças infecciosas tropicais. O uso racional da imagem, mesmo em cenários de poucos recursos, pode ser a diferença entre suspeita e diagnóstico.
Se você atende pacientes em áreas endêmicas, pense nas tropicais. Elas não são tão raras quanto parecem — só são pouco lembradas. E o eco ainda é seu melhor aliado.

Nada se cria, tudo se copia
Ensaio Clínico Randomizado (NEJM)
Se a terapia farmacoinvasiva já é estratégia mais que consolidada dentro da cardiologia, está para ganhar novos adeptos: os neurologistas.
O trial BRIDGE-TNK comparou o uso de tenecteplase EV antes da trombectomia versus trombectomia direta em pacientes com AVC isquêmico por oclusão de grandes vasos, nas primeiras 4h30 do início dos sintomas.
Foi um estudo multicêntrico, aberto, com avaliação cega dos desfechos, que incluiu 550 pacientes de 39 centros na China com AVC isquêmico por oclusão de carótida interna, ACM ou vertebrobasilar, randomizados para intervenção com tenecteplase 0,25 mg/kg EV seguido de trombectomia ou trombectomia direta.
Resultados principais:
Independência funcional aos 90 dias (Rankin 0–2):
52,9% no grupo tenecteplase + trombectomia x 44,1% no grupo trombectomia direta (RR 1,18 (IC 95% 1,01–1,39) → NNT = 11);
Reperfusão antes da trombectomia:
Mais comum com tenecteplase (6,1% vs 1,1%).
Hemorragia intracraniana sintomática:
Levemente maior no grupo tenecteplase (8,5% vs 6,7%) — sem diferença estatística.
Mortalidade em 90 dias:
Sem diferença significativa (22,3% vs 19,9%).
A tenecteplase trouxe uma vantagem modesta, mas significativa, na independência funcional pós-AVC, mesmo com reperfusão precoce baixa. O tempo mais curto entre início do tratamento e reperfusão pode explicar o benefício observado.
⚠️ Não houve diferença quanto a mortalidade e sangramento, porém vale destacar a inclusão de uma população altamente selecionada (sem pacientes transferidos ou fora da janela de 4h30).
Resumo prático:
Se o centro está preparado e o paciente está na janela — usar tenecteplase antes da trombectomia pode ser benéfico.
O debate ainda está aberto — outros trials como o RESILIENT DIRECT-TNK devem ajudar a definir conduta em diferentes contextos (inclusive no Brasil).
O futuro do AVC talvez passe por uma combinação bem cronometrada, na qual minutos valem neurônios.
A IA vai roubar seu emprego?
Caiu na Mídia
Tenho certeza de que você já ouviu isso de algum tio pedante num almoço de família: “Médicos vão sumir… a IA vai fazer tudo!”
(sim, aquele mesmo que manda fake news e áudios de 3 minutos no grupo do WhatsApp rs)Até nós já publicamos por aqui matérias sobre hospitais de IA na China, e afins.
A verdade? Nem tudo é tão simples assim.
Em 2016, Geoffrey Hinton, um dos “pais da inteligência artificial” e vencedor do Nobel de Física, fez uma previsão ousada: “As pessoas deveriam parar de treinar radiologistas agora, pois, em cinco anos, a IA os superará por completo.”
Quase uma década depois… Um estudo recente do American College of Radiology projeta crescimento sustentado da força de trabalho médica até 2055. Nada de extinção.
O que aconteceu?
Simples: a IA não virou ameaça, mas sim aliada poderosa — aumentando a eficiência, a precisão e a produtividade dos especialistas. E quem soube usar bem, saiu na frente.
O New York Times publicou uma matéria excelente mostrando como isso tem funcionado na prática.
Um dos exemplos mais avançados vem da Mayo Clinic, uma das maiores instituições médicas dos EUA, onde a IA já está totalmente integrada ao fluxo de trabalho da radiologia:
Aprimora imagens e acelera exames de RM e TC;
Automatiza medições e destaca regiões suspeitas (“olha aqui primeiro!”);
Prediz doenças com base em padrões invisíveis ao olho humano (como fibrilação atrial via ECG ou câncer de pâncreas por alterações sutis de textura).
A instituição já usa mais de 250 modelos de IA, muitos desenvolvidos internamente, e conta com um time exclusivo de 40 profissionais (incluindo engenheiros e médicos) dedicados à aplicação da tecnologia em imagem médica.
🧠 Mas e os empregos?
Calma. A IA ainda não interpreta contextos clínicos complexos, não conversa com pacientes, não discute condutas com cirurgiões — e essas ainda são funções exclusivamente humanas.
Como bem define o economista David Autor (MIT): “As previsões de que a IA roubará empregos geralmente subestimam a complexidade do que as pessoas realmente fazem.”
O que está em jogo, então, não é o fim da figura do médico, e sim a evolução do nosso papel.
E como resume o presidente da Mayo Clinic Platform, Dr. John Halamka: “Em cinco anos, será negligência médica não usar IA.”
🎙️No episódio #168 do DozeCast batemos um papo muito interessante com o Dr Thiago Ligori sobre as ferramentas de IA para o cardiologista. Vale a pena ouvir!
Imagem da semana
Coçou a mão aí também para colocar um stent rs?
Angiotomografia das coronárias que apresenta artéria descendente anterior difusamente doente com lesão suboclusiva no terço médio.
Fique por dentro
🩸Menos tempo, menos sangramento: um mês de dupla antiagregação seguido de monoterapia com prasugrel é seguro e mais eficaz. Em pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA) tratados com stents farmacológicos, uma estratégia de apenas 1 mês de dupla antiagregação com aspirina e prasugrel, seguida de monoterapia com prasugrel em dose reduzida, foi superior ao regime tradicional de 12 meses.
🧠 Fechamento percutâneo do forame oval patente (FOP): padrão ouro na prevenção secundária de AVC em pacientes jovens. E o Eurointervention trouxe um interessante estado da arte sobre esse tema!
👴🏼 Durabilidade pós-TAVI é promissora: deterioração valvar estrutural significativa em apenas 9,5% após mais de 5 anos. Dados do European Valve Durability TAVI Registry mostram que, após uma mediana de 6,1 anos de seguimento, a incidência de deterioração estrutural moderada ou grave de válvulas transcateter foi relativamente baixa (9,5%), com apenas 3,4% dos casos sendo graves.
💊 Menos é mais: trocar ticagrelor por clopidogrel após 1 mês reduz sangramento em pacientes com doença renal crônica (DRC) e IAM, sem aumentar eventos isquêmicos. Nesta análise secundária do estudo TALOS-AMI, pacientes com DRC que passaram de ticagrelor para clopidogrel após um mês de angioplastia por infarto agudo do miocárdio tiveram redução significativa de sangramentos (2,5% vs 8,3%) e menor incidência do desfecho combinado de morte cardiovascular, infarto, AVC e sangramento, sem aumento de eventos isquêmicos.
👩🏽 Choque cardiogênico em mulheres: o que muda? Consenso europeu destaca disparidades na abordagem terapêutica e enfatiza a necessidade de estratégias mais eficazes e equitativas.
🫀 Melhora da fração de ejeção não elimina o risco: pacientes com HFimpEF se beneficiam da finerenona. Subestudo do FINEARTS demonstrou que esse grupo apresentou maior taxa de desfechos (morte CV e piora da IC), e o finerenona mostrou-se eficaz na redução desses eventos, com benefício absoluto maior nessa população.
🦠 É Chagas? Fique atento! Resultados do registro BREATHE demonstraram que, em comparação a outras etiologias, os pacientes com cardiopatia chagásica internados por insuficiência cardíaca aguda apresentaram um perfil de maior risco que foi associado com um pior desfecho durante a internação hospitalar e após a alta.
📜 O eletrocardiograma, centenário e ainda revolucionário, segue ganhando força na prevenção da morte súbita cardíaca. Interessante estado da arte do HEART Journal destaca a importância dessa ferramenta.
🧬 Cardiomiopatia por alteração de desmossomos: estudo correlaciona patologias com alterações.
⚡️ Predição de arritmias ventriculares em pacientes com sarcoidose: fenotipagem por RM vs recomendação das diretrizes.
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