O maratonista também merece prevenção cardiovascular
Coorte (Circulation)
Novo estudo publicado no Circulation sacode algumas certezas: praticar muito exercício físico reduz o risco de morte… mas não necessariamente o de infarto!
O Cooper Center Longitudinal Study acompanhou mais de 26 mil pessoas ao longo de impressionantes 20 anos para investigar como diferentes volumes de atividade física se relacionam com desfechos cardiovasculares.
Antes dos resultados…
Preciso que você entenda a unidade de medida utilizada no estudo: MET-min/semana.
MET-min/semana = (MET da atividade) x (minutos praticados) x (número de sessões por semana).
Assim, se o MET é a medida que expressa o gasto energético de uma atividade em comparação com o repouso (ex.: caminhar moderadamente gastam 3-4 METs; corrida leve de 6-8 METs e uma corrida intensa >10 METs), uma pessoa que caminha 30 min 5x/semana gasta 600 MET-min/semana (atividade leve a moderada).
Valores como 3.000 MET-min/semana já seriam exercícios bem intensos e diários, típicos de atletas de endurance.
Dito isto, agora vamos aos resultados, que foram surpreendentes:
A menor taxa de infarto foi encontrada em quem fazia entre 500 e 2.499 MET-min/semana (atividade física moderada a alta).
Até aqui, faz sentido com a premissa habitual de 150 min de atividade moderada por semana ou 75 min de atividade intensa.
No entanto, para quem se exercitava além de 3.000 MET-min/semana (volume altíssimo), não houve benefício adicional na redução do risco de infarto.
Por outro lado, a mortalidade por todas as causas caiu conforme o volume de atividade aumentava — sendo a menor entre os mais ativos.
E o cálcio coronariano (CAC)?
Aqui não teve novidade: a presença de cálcio coronariano seguiu sendo um marcador forte de risco cardiovascular, independente do nível de atividade física.
Mesmo os atletas de alta performance com volumes de exercício acima de 3000 MET-min/semana mostraram risco aumentado de eventos cardíacos se o CAC era elevado.
Podemos dizer que mexer o corpo salva vidas, mesmo que não zere o risco de eventos cardíacos.
No entanto, ninguém está imune: mesmo atletas apresentam risco aumentado na presença de cálcio nas artérias.
O mundo dos balões farmacológicos
Consenso (European Heart Journal)
Você lê “balão farmacológico” e já pensa em algo totalmente fora da sua realidade? Não é bem assim.
A angioplastia com balão farmacológico está crescendo — e rápido. Seja para tratar vasos pequenos, reestenoses intrastent ou como opção em pacientes com alto risco de sangramento, a estratégia de leave nothing behind (ou seja, não deixar implantes permanentes nas artérias) tem ganhado espaço no dia a dia da hemodinâmica.
E, para organizar a casa, esta semana foi publicado no European Heart Journal um Academic Research Consortium (ARC) específico para padronizar definições, objetivos e endpoints em estudos com balões farmacológicos. Um verdadeiro guia para o futuro da intervenção coronária.
💭 Por que agora e por que você (clínico) precisa saber disso?
Com o aumento dos estudos envolvendo balões farmacológicos em múltiplos cenários — de vasos pequenos a síndromes coronarianas agudas — virou um desafio comparar resultados.
Cada trabalho falava uma língua diferente. Sem padronização, entender a real eficácia desses dispositivos e as indicações para os seus pacientes virou missão quase impossível.
Agora, com esse ARC, a comunidade intervencionista ganha um dicionário comum, essencial para quem quer interpretar bem as novas evidências ou se preparar para as mudanças que vêm por aí.
O que traz o novo consenso:
Definições padronizadas de conceitos-chave como ganho luminal agudo e tardio, perda geográfica e ganho funcional;
Hierarquização de desfechos clínicos e mecânicos: DOCE, LOCE, MACE... agora com critérios claros;
Modelos de estudos sugeridos para diferentes situações clínicas (lesões de novo, reestenose, SCA);
Métodos estatísticos recomendados para ensaios futuros;
Conceito de blended therapy, integrando DCBs, DES, dispositivos bioabsorvíveis e lithotripsia de maneira planejada;
Orientações farmacológicas, sugerindo DAPT curta ou monoterapia precoce em contextos de alto risco de sangramento.
Se você é intervencionista, clínico ou apenas um Dozer curioso, conhecer essas novas diretrizes vai te colocar na linha de frente da cardiologia moderna.
O que fazer quando dá errado?
Artigo de Revisão (Eurointervention)
Não podemos negar que as intervenções transcateter revolucionaram o manejo das valvopatias.
Mas, como qualquer bom procedimento, elas trazem consigo riscos de complicações que precisamos estar prontos para enfrentar.
O estado da arte publicado no EuroIntervention destrincha, de forma prática e baseada nas últimas evidências, como prevenir, reconhecer e manejar as principais complicações após implante transcateter da valva aórtica (TAVI), transcatheter edge-to-edge mitral repair (M-TEER, ou simplesmente clipes mitrais) e a troca valvar mitral percutânea (TMVR).
Pós-TAVI: onde mora o perigo?
AVC: um dos fantasmas pós-TAVI. Mesmo com dispositivos de proteção cerebral (como o SENTINEL), a redução de AVCs periprocedimento ainda é controversa.
Vale lembrar do estudo BHF PROTECT-TAVI, apresentado no último congresso do ACC, que falhou em demonstrar benefício clínico com o uso do SENTINEL.
Distúrbios de condução: taxas significativas de implante de marcapasso persistem, especialmente com válvulas autoexpansíveis e implantes mais profundos.
O uso de estratégias como a técnica de cusp overlap (que é, de forma simplificada, uma estratégia de posicionamento durante a liberação da prótese, na qual o operador sobrepõe duas cúspides da valva aórtica na fluoroscopia, alinhando melhor o implante em relação ao septo membranoso), e o pacing rápido.
Complicações vasculares: caíram muito com o uso de sistemas de menor perfil e fechamento guiado por imagem, mas ainda são relevantes.
Ultrassom no acesso e fechamento adequado são essenciais.
Insuficiência paravalvar: as novas gerações de válvulas e o melhor planejamento com a tomografia cardíaca reduziram bastante essa complicação, mas não sumiu.
Quando moderada a grave, intervenções como pós-dilatação, valve-in-valve ou plugs percutâneos entram em cena.
Ruptura anular: rara, mas devastadora. Evitar oversizing, preferir válvulas autoexpansíveis e o planejamento adequado com angioTC para identificar anatomias de risco são chaves.
Obstrução coronariana: o planejamento adequado pré-procedimento com a medida da altura das coronárias por meio da angioTC é essencial.
Estratégias de proteção coronariana e técnicas como BASILICA são ferramentas cada vez mais usadas.
Lesão renal aguda: prevenção é a palavra de ordem: hidratação adequada, contraste mínimo e protocolos de imagem otimizados.
E no M-TEER?
Complicações em acesso venoso e punção transseptal ainda são desafios.
Trombos, descolamento de dispositivo e estenose mitral iatrogênica entram na lista de possíveis dores de cabeça — mas quase tudo pode ser minimizado com bom planejamento e imagem 3D de qualidade.
Transcateter Mitral Valve Replacement (TMVR):
Aqui, o drama é a obstrução do trato de saída do VE. Planejamento adequado pré-procedimento com exames de imagem e técnicas como LAMPOON, BATMAN e ablativos são interessantes alternativas em casos de alto risco.
Em resumo, as palavras-chaves para reduzir riscos são planejamento pré-procedimento (com uso da angioTC e Eco 3D) e conhecimento detalhado das complicações e suas estratégias de salvamento.
Vale a leitura do artigo para ficar alerta nas próximas reuniões de Heart Team.
Empreendedorismo e cardiologia: combinação improvável ou necessidade inevitável?
Caiu na Mídia
Quando te perguntavam, na faculdade de medicina, o motivo pelo qual você escolheu essa profissão, sua resposta provavelmente estava em algum lugar entre salvar vidas, atender pessoas ou fazer belos diagnósticos.
Naquela época, ninguém te alertou sobre a “vida real”: abrir empresa, negociar contratos, lidar com impostos, marketing, gestão de pessoas.
Pois é… O que acontece quando o médico precisa trocar o jaleco pelo terno de CEO da noite para o dia?
No episódio 174 do DozeCast, lançado essa semana nas plataformas de áudio e no YouTube, a conversa foi justamente sobre isso:
“O médico empreendedor: como encontrar (ou construir) o seu espaço.”
O papo contou com a ilustre participação dos doutores Eduardo Lapa e Rhanderson Cardoso, dois dos maiores empreendedores em cardiologia do país.
Em uma conversa essencial para quem está começando ou se sente engessado nos modelos tradicionais, surgiram reflexões importantes:
A formação médica que ainda ignora o universo da gestão e da inovação;
Os desafios emocionais e práticos de empreender em saúde (spoiler: não basta querer, precisa saber fazer);
Como reconhecer oportunidades fora da linha clássica de “consultório + hospital”;
E o principal: por que empreender pode ser, na prática, um movimento de sobrevivência — e não só de ambição.
Vale demais ver ou ouvir o episódio e entender que, hoje, pensar além do estetoscópio deixou de ser um luxo, e passou a ser questão de futuro.
Imagem da semana
🤓 Para os nerds do ECG, aí vai um desafio: você sugeriria um padrão de Brugado tipo 2?
Parece né… Mas entenda como deve ser feita a análise e porque não é:
Para diferenciar um padrão de Brugada Tipo 2 de variantes normais no ECG com morfologia "saddleback" (rSr’ em V1/V2 e elevação do ST), utilizamos o método da largura da base: identifica-se o pico da r’, traça-se uma linha 5 mm abaixo desse pico e mede-se a distância horizontal entre o início da onda S e o ponto de cruzamento da descida do ST com essa linha. Se a base for > 3,5 mm (descida lenta), sugere padrão Brugada Tipo 2; se ≤ 3,5 mm (descida íngreme), indica variante benigna.
Como estamos diante de uma descida íngreme, não podemos considerar o padrão de Brugada Tipo 2. Legal, né?!
A interpretação deve sempre ser correlacionada com o contexto clínico, lembrando que o ECG isoladamente não confirma a síndrome de Brugada.
Fique por dentro:
🧲 Hipersensibilidade ao níquel pode complicar o fechamento de forame oval patente! Estudo randomizado mostrou que pacientes com alergia ao níquel tiveram 10 vezes mais risco de desenvolver síndrome do dispositivo — sintomas como dor torácica, palpitações e enxaqueca após o implante, independente do tipo de prótese usada.
🧂 Cortar o sal na indústria funciona — e a pressão agradece! Estudo na África do Sul mostrou que, após a implementação de leis que limitam o sódio em alimentos processados, houve redução sustentada na excreção urinária de sódio e queda associada de pressão arterial. Política pública bem feita pode mudar o jogo!
🩺 Novo alvo no controle da hipertensão resistente: aldosterona! Apresentado no ACC, o estudo Advance-HTN demonstrou que o inibidor da síntese de aldosterona, lorundrostat, reduziu a pressão sistólica 24h em até 8 mmHg a mais que o placebo em pacientes com hipertensão não controlada, já em uso de múltiplos anti-hipertensivos. Hipercalemia foi observada em até 7% dos casos.
🎈 Balão intra-aórtico precoce não mudou o jogo na IC descompensada com choque! No estudo Altshock-2, o uso rotineiro de balão associado ao tratamento padrão não melhorou a sobrevida nem o sucesso de ponte para terapias de substituição cardíaca em pacientes com choque cardiogênico. O estudo foi interrompido por futilidade.
💊 Menos é mais no pós-TAVR! Meta-análise com mais de 5.800 pacientes mostrou que terapia antiplaquetária simples (SAPT) reduziu o risco de sangramentos maiores ou fatais em comparação à dupla antiplaquetária, anticoagulação isolada ou combinada — sem aumentar eventos cardiovasculares.
🫀 Placa vulnerável na angiotomografia prevê eventos — mas o relógio corre rápido! No estudo EMERALD II, lesões com estenose ≥50%, alto volume de placa, ΔFFRCT ≥0,10 e ≥2 características adversas tiveram risco muito maior de causar síndrome coronariana aguda, especialmente nos primeiros 2 anos. Depois desse período, o poder preditivo cai.
⏱️ TITRATE-HF: protocolo acelerado de otimização da terapia oral em pacientes com ICFER mostra resultado satisfatório e boa segurança.
⚡️ Qual benefício do CDI subcutâneo em comparação com o tradicional? Estudo PRAETORIAN mostra menor taxa de complicações maiores com o dispositivo subcutâneo.