Cardiotoxicidade e o paciente oncológico
O que fazer quando as duas principais causas de morte no mundo se unem?
Autor: Victor Bemfica (cardiologista e especialista em IC avançada e transplante cardíaco pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia)
Edição: Maria Júlia Souto (cardiologista e fellow em imagem cardiovascular pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia)
Seu primeiro paciente do dia no consultório é esse aqui:
“Doutor! Estou com falta de ar e minhas pernas estão inchando! Deve ser pela quimioterapia né? Até porque você tinha dito que o meu coração estava ótimo há um mês atrás!”
E agora? Sabe como abordar e conduzir esse tipo de queixa?
A doença cardiovascular (DCV) e o câncer são simplesmente as duas maiores causas de morte em todo o mundo!
Agora, imagina juntar essas duas causas em um só paciente? É claro que o prognóstico se torna ainda mais delicado.
Por isso, com pacientes tão complexos se tornando cada vez mais presentes no dia a dia do cardiologista, se impõe a necessidade de especialistas com conhecimento a respeito da interação câncer e DCV.
É para isso que estamos aqui! Essa DozeNews Prime foi baseada nas diretrizes mais atuais sobre o tema (brasileira de 2020 e europeia de 2022) e é claro, com aquele toque de “real life”.
Desmistificando a cardiotoxicidade em 6 pontos:
Primeiro, precisamos deixar claro alguns conceitos (e desfazer algumas ideias erradas) em relação à cardiotoxicidade no paciente oncológico.
Ponto 1: Não pense só em quimioterapia!
O tratamento do câncer, em suas diversas modalidades (quimioterapia, imunoterapia, radioterapia, dentre outras), pode resultar em dano ao sistema cardiovascular.
Ponto 2: Quanto a temporalidade
A temporalidade da cardiotoxicidade pode ser bastante variada, dividindo-se em quadros agudos, subagudos ou crônica.
O queremos dizer com isso é: não menospreze uma história pregressa de terapia anti-tumoral mesmo que tenha sido há muitos anos!
Quer um exemplo? A cardiotoxicidade pelas antraciclinas pode ocorrer 7 anos após o tratamento! Fique de olho!
Ponto 3: Saiba quais os fatores de risco para cardiotoxicidade e controle os modificáveis!
Então vamos listá-los:
Extremos de idade são mais suscetíveis (por exemplo: < 18 anos e > 50 anos para o trastuzumabe; e > 65 anos para as antraciclinas)
História familiar de DCV prematura (homem <55 anos e mulher <65 anos)
DCV/metabólica já existente (hipertensão arterial, coronariopatias, diabetes mellitus, hipercolesterolemia, miocardiopatia, obesidade, tabagismo)
Uso prévio de antraciclinas, trastuzumabe ou radioterapia mediastinal/torácica.
Compensar esses fatores de risco modificáveis é de suma importância para uma terapia antineoplásica mais segura desde o início.
Ponto 4: Cardiotoxicidade não é sinônimo de insuficiência cardíaca!
Além da disfunção ventricular (insuficiência cardíaca), ela pode gerar coronariopatia, valvopatia, arritmia, hipertensão arterial e pulmonar, tromboembolismo, pericardiopatia, miocardite ou até mesmo síndrome de Takotsubo 😮💨.
É um mundo, sabemos rs. Mas vamos destrinchar essas complicações logo mais.
Ponto 5: Cada agente ou modalidade terapêutica antineoplásica tem sua forma de cardiotoxicidade.
Ou seja, você precisa saber qual o tratamento que está sendo (ou foi) realizado para direcionar melhor a sua suspeita.
Por exemplo: a doxorrubicina (classe das antraciclinas) está fortemente vinculada a disfunção ventricular, assim como o 5-fluoracil (classe dos antimetabólitos) está fortemente relacionado com arritmias, trombose coronariana e isquemia miocárdica.
Ponto 6: Quais as principais ferramentas diagnósticas além de uma boa história e exame físico?
As alterações cardiovasculares novas durante ou após o tratamento são corroborados e monitorizados através da solicitação de biomarcadores (troponina e NT-proBNP), eletrocardiograma (ECG) e através de exames de imagem, tendo sido excluídas outras etiologias.
O ecocardiograma é o método de escolha para detectar disfunção miocárdica relacionada ao tratamento do câncer, incluindo a análise do strain longitudinal global (SLG). Quando na presença de limitações desse método, na suspeita de outras etiologias ou para uma avaliação estrutural refinada, podemos abrir mão da ressonância magnética cardíaca.
Dito isso, e com os motores devidamente aquecidos, vamos destrinchar cada um desses acometimentos e suas principais peculiaridades?
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