5 cartas que salvam vidas
Coorte (NEJM)
Se você foi criança nos anos 90 ou 2000, talvez já tenha jogado Magic, Yu-Gi-Oh! ou qualquer jogo de cartas em que escolher bem o que entra no seu deck podia significar a vitória.
Agora imagine que, em vez de dragões e magias, a disputa é contra o infarto, o AVC e a morte precoce. E que você só precisa tirar 5 cartas do seu baralho pra vencer.
Foi isso que mostrou um estudo monumental publicado no NEJM: mais de 2 milhões de pessoas, 80 países, 5 continentes — tudo pra responder a pergunta que sempre volta ao consultório: vale mesmo a pena controlar fatores de risco?
🃏 As 5 cartas do mal: hipertensão, dislipidemia, diabetes, obesidade/sobrepeso e tabagismo.
👑 A jogada de mestre: não ter nenhuma dessas cinco é o verdadeiro cheat code da vida.
Os resultados são chocantes até para os já convencidos:
Homens sem nenhum fator de risco viveram, em média, 10,6 anos a mais do que os com todos os fatores.
Mulheres sem fatores ganharam impressionantes 13,3 anos de vida.
Mesmo parar de fumar isoladamente trouxe um ganho robusto de sobrevida.
O mais incrível? Esses dados são consistentes em todas as regiões do mundo, com populações de renda, etnia e contexto diversos.
Claro, o estudo tem limitações (como qualquer estudo de coorte internacional com 2 milhões de participantes), mas o recado é claro: prevenção cardiovascular funciona, salva e prolonga vidas. Mais do que isso, a ausência de fatores de risco é uma meta a ser perseguida desde cedo — e não apenas “controlada” quando já se manifestam.
🎯 Como aplicar isso no consultório?
Troque o “só um cigarrinho” por “um ano a mais de vida”.
Mostre aos pacientes os dados de forma visual: 5 fatores = 10 anos a menos.
Promova metas de saúde reais, como abandonar o sedentarismo ou controlar o peso, com base no impacto direto em expectativa de vida.
As cartas estão na mesa. E agora você sabe quais não pode deixar na mão.
A IA vai nos substituir?
Debate (EHJ)
Recém-publicado no European Heart Journal, um artigo em formato de “great debate” reúne pesos-pesados da medicina e da tecnologia para discutir um tema inevitável: quanto da prática do cardiologista será substituído por inteligência artificial?
Para o grupo liderado por Folkert Asselbergs, a IA já supera humanos em várias tarefas:
Interpretação de ECG (em alguns casos, o ChatGPT4 foi mais preciso que cardiologistas!);
Acesso e síntese de guidelines atualizadas;
Automatização de imagens e exames;
Apoio personalizado à decisão clínica com base em modelos generativos;
Criação de gêmeos digitais para simulação de terapias e intervenções;
Eficiência absurda na organização de dados, notas clínicas e até automação de prescrições
🤖 E mais: robôs com IA já estão otimizando TAVI, guiando punções e ampliando o acesso a exames cardíacos mesmo em áreas remotas.
Do outro lado, Van Spall & Averbuch defendem que:
A IA é poderosa, sim, mas ainda depende de dados humanos para aprender, e esses dados muitas vezes vêm com viés;
A lógica dos algoritmos pode ser uma verdadeira caixa-preta;
A equidade no acesso digital ainda é um desafio global;
E, talvez o mais importante: a relação médico-paciente é insubstituível, especialmente nos momentos em que empatia, julgamento clínico e nuances emocionais são essenciais.
Podemos levar desse debate que a IA já é parte do nosso consultório, mas não veio para nos tirar o jaleco, e sim para nos dar superpoderes.
Nós, médicos, precisamos nos preparar. A falta de alfabetização digital ou senso crítico em relação à IA pode nos tornar obsoletos em um ecossistema em transformação.
Aquela velha história: aqueles que souberem usar a IA como aliada irão mais longe do que aqueles que resistirem.
A história natural da amiloidose
Coorte (EHJ)
🪑 Seeenta que lá vem história. E hoje a cronologia que contaremos é a da amiloidose transtirretina (ATTR).
O advento de novas medicações para o tratamento dessa condição nos obriga a encontrar, também, novas formas de avaliar a sua evolução.
Neste contexto, a ressonância magnética cardíaca (RMC) surge como uma poderosa aliada, em especial, pela avaliação do espaço extracelular (ESC). Mas será que esse parâmetro muda com o tratamento? E mais: será que conseguimos usar a RMC para prever quem vai piorar?
Foi exatamente isso que esse estudo, recém-publicado no European Heart Journal, tentou responder.
189 pacientes com ATTR foram acompanhados com RMC seriada por até 2 anos. Destes, 70 receberam patisiran (terapia silenciante de RNA) e 119 permaneceram sem tratamento específico.
A principal métrica avaliada foi a variação do ECV miocárdico ao longo do tempo (aumento ≥5% foi considerado progressão, redução ≥5% foi regressão).
O que encontraram:
Em pacientes sem tratamento, a história natural foi de progressão: 36% tiveram aumento de ECV em 1 ano, saltando para 62% em 2 anos. Isso veio acompanhado de piora estrutural (espessamento septal, redução de FEVE e strain, aumento de NT-proBNP).
Já entre os pacientes tratados com patisiran, o ECV ficou estável em 88% aos 12 meses e em 100% aos 24 meses. Apenas 6% mostraram regressão real. Mas, o mais importante: o tratamento interrompeu a progressão estrutural do coração.
E o desfecho?
Pacientes que apresentaram progressão de ECV em 1 ano tiveram risco 2 vezes maior de mortalidade, mesmo após ajuste para NT-proBNP e intensificação de diurético. Aos 2 anos, o risco de morte subia ainda mais: HR 7,2!
Mensagem final para o consultório:
Se antes falávamos de NT-proBNP e caminhada de 6 minutos, agora temos um marcador direto do depósito de amiloide no miocárdio. A RMC com ECV pode se tornar a principal bússola para monitorar resposta terapêutica na ATTR, e talvez redefinir o que chamamos de “controle da doença”.
Imagem da semana
Ventriculografia evidenciando dissincronia interventricular, associada a fibrilação atrial e queda da fração de ejeção do VE. Bonito, não é?!
Fique por dentro
🚹🚺 Mulheres e homens devem ser tratados da mesma maneira após angioplastia coronariana? Metanálise avalia se o esquema de descalonamento de DAPT apresenta resultados distintos de acordo com o gênero. O estudo incluiu mais de 20 trabalhos, englobando mais de 70.000 pacientes. A troca de DAPT para monoterapia beneficiou as mulheres em relação aos homens. Já o descalonamento de DAPT para Clopidogrel ou redução de dose não apresentou interação entre os gêneros.
🫀 Na vibe do cardiometabolismo: incretinas e o coração! Revisão do The Lancet reforça importância do entendimento sobre cardiometabolismo. A bola da vez são as incretinas e interações entre o sistema digestivo e cardiovascular.
🦠 Infecção urinária pode dobrar o risco de infarto e AVC na primeira semana. Estudo com dados do País de Gales mostrou que UTIs aumentam significativamente o risco de eventos cardiovasculares nos sete dias seguintes, reforçando a necessidade de vigilância em pacientes com infecção ativa.
🧬 O risco da exposição comulativa. Análise do estudo CARDIA mostrou que níveis cumulativos elevados de apoB, LDL e triglicerídeos entre os 18 e 40 anos estão associados a maior risco de eventos cardiovasculares após os 40. Um valor médio de apoB abaixo de 75 mg/dL ao longo da juventude pode ser uma meta para reduzir esse risco a longo prazo.
👴🏼 Litotripsia intracoronária segura e eficaz em pacientes com mais de 80 anos! Estudo BENELUX-IVL demonstra ocorrência de MACE e sucesso técnico comparável em octogenários e uma coorte comparativa.
🇬🇧 Estudo britânico-chinês demonstra diferentes proteínas-alvo para tratamento da dislipidemia em europeus e no sudeste asiático. Para os europeus a proteína PCSK9 apresenta maior relação com a elevação do LDLc. Já população asiática apresenta outros agentes, tais como: CELSR2, PCSK9, ANGPTL3, and Apolipoprotein(a).
👎🏼 Uso de SGLT2i em pacientes ambulatoriais com IC ainda é baixo nos EUA. Análise de mais de 750 mil pacientes com insuficiência cardíaca mostrou que, apesar do aumento no uso de inibidores de SGLT2 entre 2019 e 2023, apenas 10% receberam a medicação. A prescrição foi menor em idosos, mulheres e pacientes com pressão arterial mais alta, e variou significativamente entre os centros.