De olho no futuro da cardiologia
Quando a medicina de precisão encontra a FA; a eletrofisiologia vira geometria e a solução para a MINOCA parece mais próxima.
Qual o impacto da medicina de precisão?
European Heart Journal
Pergunta difícil de ser respondida, e talvez por isso tão empolgante! Afinal, estamos só começando a entender o verdadeiro impacto da genética no manejo dos pacientes cardiopatas.
A capacidade de predizer risco, identificar mecanismos de doença e personalizar condutas é o grande trunfo da medicina de precisão e, aos poucos, ela está deixando o campo experimental para entrar de vez na prática clínica.
Um estudo conduzido pelo grupo da Universidade de Vanderbilt avaliou o papel do teste genético em pacientes com fibrilação atrial (FA) diagnosticada antes dos 60 anos.
A proposta foi clara: entender quantos desses casos “idiopáticos” poderiam, na verdade, esconder doenças genéticas cardíacas subjacentes.
Os 264 participantes (idade média: 47 anos) foram submetidos a uma avaliação completa: anamnese detalhada, exame físico, ECG, ressonância cardíaca com gadolínio, monitorização ambulatorial e teste genético abrangente.
❗️O resultado surpreendeu: 20% apresentaram variantes genéticas patogênicas ou provavelmente patogênicas, principalmente associadas a genes de cardiomiopatia e canalopatias.
Entre os achados, alguns padrões chamaram atenção:
Associações positivas: história de cardiomiopatia, distúrbio de condução infranodal e presença de realce tardio na RM.
Sem relação significativa: ECG normal e apneia obstrutiva do sono.
O ponto alto, porém, foi o impacto clínico do teste genético: em 52% dos pacientes com variantes patológicas houve mudança direta na conduta terapêutica, incluindo indicação de CDI, ajustes na prevenção de AVC e até uso de drogas modificadoras de doença.
Ou seja, a genética não serviu apenas para “explicar o porquê” da arritmia, mas para mudar o que fazemos com essa informação.
Claro, ainda estamos falando de 1 em cada 5 pacientes com diagnóstico genético definido mas, dentro desse grupo, o efeito é transformador.
É o início de uma era em que a fibrilação atrial precoce deixa de ser “idiopática” para ser estratificada geneticamente.
O Coração em 3D: quando a geometria vira o futuro da eletrofisiologia
Estudo retrospectivo (JACC)
Você já parou pra pensar que as arritmias ventriculares também têm forma? Pois é, o futuro da eletrofisiologia e tratamento das taquicardias ventriculares (TV) pode estar na… geometria (!).
Um grupo da Universidade da Pensilvânia acaba de mostrar que os circuitos de TV em pacientes com cardiomiopatia isquêmica seguem padrões geométricos previsíveis, e que entender essas formas pode mudar como tratamos e prevenimos arritmias fatais.
O estudo, publicado no Circulation, é uma mistura de engenharia, física e cardiologia, e representa uma nova fronteira entre ressonância cardíaca e eletrofisiologia.
🤯 Viagem das boas rs?! Venha entender…
Tradicionalmente, a gente pensa na TV pós-infarto como uma reentrada dentro da cicatriz, um looping elétrico que usa “corredores de miocárdio viável” para circular.
Até aí, nada novo. O que o grupo de Saman Nazarian propõe é olhar pra isso em 3 dimensões.Usando ressonância com realce tardio (LGE-CMR) e mapeamento eletroanatômico de alta resolução, eles reconstruíram o formato desses corredores e perceberam algo curioso:
👉 Quase todos (93,6%) têm forma de hiperboloide, uma estrutura que lembra um “funil espiralado” no miocárdio, com uma entrada estreita e uma saída ampla.
Adivinha o que isso significa? A entrada afunilada desacelera o impulso elétrico (criando o retardo necessário pra reentrada), enquanto a saída larga facilita a propagação da onda pro miocárdio saudável.
É literalmente o desenho anatômico de um circuito reentrante, uma geometria feita pra sustentar arritmia.
Ok, mas como eles conseguiram comprovar essa bela teoria?
Foram 46 pacientes com infarto prévio e TV sustentada submetidos à RM e ablação.
Os pesquisadores alinhavam os mapas eletrofisiológicos com as imagens de realce tardio e mediam ângulos, volumes e trajetos dos corredores viáveis dentro da fibrose.
Os resultados foram consistentes:
93,6% dos corredores críticos tinham geometria hiperbólica;
o ângulo da saída era significativamente maior que o da entrada (≈103° vs 83°);
78% desses corredores coincidiam com zonas de desaceleração nos mapas de ativação — exatamente onde o circuito da TV se estabelece.
Tradução prática:
➡️ A RM foi capaz de predizer com precisão o caminho do circuito da TV.
➡️ As áreas com saídas mais abertas e entradas afuniladas correspondem aos locais de ablação eficaz.
O que nos diz sobre o futuro?
O estudo propõe que o uso da ressonância com realce tardio deixa de ser apenas diagnóstico e passa a ter papel estratégico na estratificação e no planejamento terapêutico.
Imagine abrir o mapa 3D da RM e visualizar os “corredores da arritmia” antes mesmo de entrar na sala de ablação, definindo se o acesso será endocárdico, epicárdico ou combinado…
Claro, há limitações (estudo pequeno, monocêntrico, quase todo masculino e sem cateteres multipolares em todos os casos), mas o conceito é sólido, e traz algo disruptivo: usar a anatomia e a geometria do miocárdio como bússola para a eletricidade cardíaca.
MINOCA: estamos próximos de uma resposta?
Ensaio Clínico Randomizado (EHJ)
A cardiologia do futuro vai além da classificação, precisamos de um manejo individualizado.
O PROMISE Trial, publicado no European Heart Journal, acaba de trazer um marco para uma das áreas mais desafiadoras da cardiologia contemporânea: o infarto do miocárdio com artérias coronárias não obstrutivas (MINOCA).
A dúvida sempre foi: como tratar algo que parece infarto, mas sem placa significativa?
Conduzido em quatro centros italianos, o PROMISE comparou duas estratégias:
Cuidado padrão: tratamento convencional do infarto, sem investigação adicional.
Abordagem estratificada: investigação detalhada com OCT, teste de acetilcolina, eco contrastado e ressonância cardíaca, seguida de tratamento guiado pela etiologia.
Foram incluídos 92 pacientes (48% mulheres, média de 62 anos). Em 12 meses, o grupo de tratamento estratificado teve melhora significativa na angina (+9,4 pontos no Seattle Angina Questionnaire, p<0,001) e tendência à redução de eventos adversos (2,2% vs. 8,5%).
A causa do infarto foi identificada em 80% dos casos, com destaque para espasmo epicárdico (35,6%), instabilidade de placa (22%) e dissecção coronariana espontânea (13%), e o diagnóstico inicial foi reclassificado em 75% dos pacientes.
Mais que um resultado, o estudo entrega uma mensagem: “infarto sem obstrução não é um diagnóstico, é um ponto de partida.” A estratégia baseada na etiologia não apenas melhorou sintomas, mas também mostrou ser viável e segura, sem eventos adversos decorrentes dos testes invasivos.
Se o passado da cardiologia foi anatômico e o presente é funcional, o futuro será personalizado.
De volta ao presente…
Diretriz de HAS (AHA)
Mais uma diretriz de HAS?! Eu sei, depois de todas as polêmicas com a publicação da SBC, esse é um tema que ninguém imaginava mais discutir em 2025 rs.
Aí vem a AHA/ACC e resolvem publicar também o seu guideline de HAS 2025…
É quase contra a nossa religião deixar passar batido um documento como esse, então trouxemos como um “extra” alguns dos principais pontos:
Meta única e ousada:
O alvo continua sendo <130/80 mmHg para todos os adultos, independentemente da idade.
Só há margem de flexibilização para pacientes com expectativa de vida limitada, sob cuidados institucionais ou gestantes.
Diagnóstico e classificação mantidos:
Nada mudou nos cortes: <120/<80 é normal, 120–129/<80 é elevado, 130–139 ou 80–89 é estágio 1, e ≥140/90 é estágio 2.
A regra é: medir certo, em todos os lugares. A diretriz recomenda expandir o rastreio comunitário e confirma a monitorização fora do consultório (MRPA e MAPA) como padrão.
Tratamento começa cedo (e com estratégia):
Iniciar medicação se PA ≥140/90 mmHg (para todos).
Ou se ≥130/80 mmHg em quem tem DCV, AVC prévio, DM, DRC ou risco ≥7,5% pelo escore PREVENT.
Em quem tem risco <7,5%, dá pra tentar 3–6 meses de mudança de estilo de vida antes de medicar.
Controle da pressão é missão coletiva:
O guideline propõe modelos de cuidado integrados com médicos, enfermeiros, farmacêuticos, agentes de saúde e líderes comunitários trabalhando juntos para eliminar barreiras de adesão e acesso.
E as crises hipertensivas?
A diretriz redefine o que é “urgência hipertensiva”: PA >180/120 mmHg sem lesão de órgão-alvo deve ser tratada ambulatorialmente, com início ou intensificação da terapia oral.
Pouca diferença em comparação à diretriz da SBC, né?! Seguimos com o controle mais rígido e o cuidado próximo do paciente para prevenir as complicações cardiovasculares.
Fique por dentro
🫀 Revascularizar o enxerto foi melhor que tratar a coronária nativa! No estudo europeu randomizado PROCTOR, pacientes com falência de enxerto venoso após cirurgia se saíram melhor quando tratados com angioplastia do enxerto do que da artéria nativa.
🤖 Valvopatias na era digital: o coração sob comando da inteligência artificial. Revisão destaca como a IA pode transformar o cuidado em valvopatias, integrando dados clínicos e de imagem para diagnóstico preciso, decisões personalizadas e maior segurança nos procedimentos.
🎮 A importância do controle da FA. Análise secundária do estudo SHAM-PVI confirmou que a redução da carga de fibrilação atrial após isolamento das veias pulmonares se associa diretamente à melhora da qualidade de vida, com redução de sintomas como palpitações, cansaço e falta de ar.
🛋️ SOFA-2 chega para atualizar 30 anos de prática intensiva! Novo escore SOFA-2, desenvolvido com dados de mais de 3 milhões de pacientes em 9 países, traz variáveis e limiares atualizados para avaliar disfunção orgânica em UTI. Com melhor desempenho preditivo que o SOFA original, reflete a prática moderna e amplia a aplicabilidade global na medicina intensiva.
🔐 Fechar ou não fechar o Forame Oval Patente? A resposta está na seleção! Revisão do JAMA reforça a seleção dos pacientes com benefício para fechamento do forame oval para redução de AVC.
⚡️Ablação é só metade do caminho: estilo de vida importa, e muito! Estudo australiano demonstrou que em pacientes com FA e sobrepeso, o manejo agressivo de peso e fatores de risco reduziu significativamente a recorrência de arritmias após ablação.
📚 O racional precisa ser estudado. A importância da circulação colateral no alivio da angina estavel.
💊 Anticoagulação após oclusão do apêndice atrial esquerdo? Estudo americano mostra que DAPT e curto periodo com DOAC apresentam a mesma taxa de ocorrência de trombose do dispositivo de oclusão do AAE. O tamanho do estudo não é muito grande. Deve-se tomar cuidado na interpretação destes dados.






