Disputa de peso
Quem vence o embate final no tratamento da IC FEP: tirzepatida ou semaglutida?
Na edição de hoje:
🎾 Tirzepatida x Semaglutida: o embate final do tratamento da IC FEP.
🩻 TAVI vs Cirurgia: mulheres têm mais risco de AVC na cirurgia.
📊 Ondas T hiperagudas: novo escore redefine diagnóstico do IAM com supra.
🏥 Hospitais lançam convênios próprios contra verticalização dos planos.
📚 Destaques da semana: IC, TAVI, ANOCA, tomografia e novos MRAs.
Rivais do ano
Coorte (JAMA)
Alcaraz x Sinner. Se fôssemos falar em grandes rivalidades de 2025, não teríamos como deixar esses dois de fora (afinal, 3 de 4 finais de Grand Slams no ano não é para qualquer um).
No universo das medicações, o embate é entre duas estrelas absolutas: tirzepatida e semaglutida.
Os benefícios clínicos e cardiovasculares de cada uma delas são indiscutíveis. Mas o confronto final precisa acontecer: qual delas tem maior potencial de redução de risco no paciente com IC FEP?
Uma grande coorte apresentada no ESC e publicada no JAMA teve como objetivo avaliar qual delas reduz mais o risco de hospitalização por IC e mortalidade em pacientes com HFpEF cardiometabólica (IC FEP + obesidade + DM2).
Não, não foi um ensaio clínico randomizado. Vamos combinar que seria muito caro e pouco útil para qualquer uma das medicações fazer essa comparação “head-to-head”.
Em compensação, montaram uma coorte com uma metodologia bem interessante:
Os autores fizeram 5 coortes com dados de seguros de saúde dos EUA (2018-2024), incluindo mais de 90 mil pacientes.
Primeiro, eles emularam os trials STEP-HFpEF (semaglutida) e SUMMIT (tirzepatida), para ver se a análise reproduzia os resultados originais (spoiler: bateu direitinho ✅).
Depois, ampliaram os critérios de inclusão para refletir a vida real: pacientes com ICpEF, obesidade e DM2 tratados fora do ambiente controlado do RCT.
Por fim, fizeram o que nenhum trial fez: compararam tirzepatida x semaglutida frente a frente.
E daí vieram resultados relevantes:
Semaglutida: 42% menos risco de hospitalização por IC ou morte (vs sitagliptina, que era o “placebo” dos grupos).
Tirzepatida: 58% menos risco (vs sitagliptina).
Head-to-head: sem vantagem para nenhum dos lados.
Empate técnico que chama? As duas entregam mais de 40% de redução de risco em hospitalização ou morte na IC FEP cardiometabólica.
A decisão cabe a nós junto aos nossos pacientes, no entendimento das necessidades, riscos de eventos adversos e comorbidades na hora de decidir por uma das “canetinhas".
TAVI vs Cirurgia: o que muda em homens e mulheres”?
Coorte (European Heart Journal)
DEDICATE-DZHK6. O nome parece senha de míssil, mas na verdade é mais um trial robusto publicado no EHJ.
A pergunta é direta: TAVI e cirurgia têm resultados diferentes em mulheres e homens com estenose aórtica grave e risco baixo-intermediário?
👉 Spoiler: a resposta é que não. Mas os detalhes importam.
Foram 1.394 pacientes (43% mulheres) comparando TAVI e SAVR. O desfecho primário (morte ou AVC em 12 meses) mostrou:
Mulheres: 5,2% no TAVI x 11,5% na cirurgia (HR 0,46).
Homens: 5,4% no TAVI x 9% na cirurgia (HR 0,61).
Quando olhamos separado:
Mortalidade em 1 ano: caiu para 2,6% no TAVI vs ~6% na cirurgia, tanto em homens quanto em mulheres.
AVC: destaque negativo para as mulheres na cirurgia — 6,2% vs 2,6% no TAVI. Nos homens, taxas foram semelhantes (~3%).
📌 O que levamos para o consultório?
O TAVI segue sólido como alternativa não inferior à cirurgia, com menos eventos no primeiro ano.
Mulheres merecem atenção especial: além de maior risco de complicações perioperatórias, apresentaram maior risco de AVC após a cirurgia.
Ainda não temos estratégia específica para mitigar o risco aumentado nas mulheres, mas os dados reforçam a importância de olhar o sexo biológico como variável crítica na tomada de decisão para EAo.
Lobo em pele de cordeiro
Estudo retrospectivo observacional (JACC: Advances)
💭 Imagine a cena: um paciente de 52 anos chega ao PS com dor torácica intensa. O ECG inicial? Sem elevação do segmento ST. O protocolo clássico diria: “tranquilo, não é IAM com supra, vai com calma”.
Só que esse paciente tinha algo escondido. Algo sutil. Algo que, se não fosse reconhecido, poderia custar músculo… e vida.
As ondas T hiperagudas estavam lá, discretas, avisando que a artéria estava ocluída.
Publicada como pre-proof no JACC: Advances, o estudo “Hyperacute T Waves are Specific for Occlusion Myocardial Infarction, Even Without Diagnostic ST Elevation”, que conta com a participação do nosso amigo Dr. José Nunes de Alencar, analisou 2.656 pacientes em cinco centros internacionais e fez história:
Pela primeira vez, temos uma definição objetiva para as ondas T hiperagudas (HATW), um achado que até hoje dependia de olho clínico treinado e subjetividade.
O resultado foi o HATW Score, um modelo validado com precisão quase cirúrgica:
Especificidade: 98,4% para detectar oclusão coronária aguda (OMI) em pacientes sem critérios clássicos de IAM com supra.
Impacto clínico: entre os pacientes sem STEMI, 84% dos que tinham HATW positivas realmente tinham lesão culpada causadora de infarto.
📝 Tradução clínica: um paciente com dor torácica + HATW positiva pode precisar de reperfusão emergencial, mesmo com ECG “normal” pelos critérios tradicionais.
Não só isso, os autores criaram um modelo neural para automatizar a detecção de HATWs. Isso significa que, no futuro, seu ECG poderá “enxergar” o que o olho não vê, integrando IA e clínica de forma complementar.
Por fim, aprenda a lógica por trás do HATW Score, resumido na figura ao final.
O escore é composto por dois componentes principais, cada um variando de 0,0 a 1,0:
Magnitude Score
Mede a área da onda T em relação à amplitude do QRS.
Quanto maior a área da onda T proporcional ao QRS, maior a chance de se tratar de uma onda T hiperaguda (HATW).
Symmetry Score
Avalia a relação entre o tempo do pico ao final da onda T em comparação ao tempo do início até o pico.
Quanto mais simétrica for a onda T (pico mais “centralizado”), maior a chance de HATW.
📌 Cutoff considerado ótimo:
A presença de 2 derivações contíguas com escore médio ≥ 0,70 sugere HATW.
Inversão no eixo da saúde
Caiu na Mídia
Por anos, o rumo parecia único: planos de saúde verticalizando, comprando hospitais e clínicas.
Parece que o jogo virou. Diante da dificuldade de credenciamento, da redução de coberturas e do risco de perder pacientes para redes exclusivas das operadoras, grandes hospitais estão lançando seus próprios convênios médicos.
A revista Valor trouxe uma interessante matéria na qual lista cases de hospitais de diferentes regiões do país que passaram a investir nessa nova estratégia:
Rede Casa, no Rio, já soma 130 mil usuários em seu plano Klini.
Hospital Sagrada Família, em São Paulo, quadruplicou sua base de clientes em 12 meses.
Kora, no Espírito Santo, e Moinhos de Vento, em Porto Alegre, também criaram planos próprios, inicialmente internos, mas com potencial de expansão.
A lógica é defensiva: proteger acesso dos pacientes e garantir sustentabilidade frente ao avanço de gigantes como Hapvida e Unimeds cada vez mais hospitalocêntricas.
Mas também abre espaço para novos modelos, como planos regionais de baixo custo e gestão de saúde corporativa.
Estamos vendo uma inversão do eixo de poder. Se antes os planos controlavam a porta de entrada, agora os hospitais estão se preparando para controlar também a porta de saída.
Se os hospitais viram também operadoras, eles passam a controlar não só a assistência, mas também o credenciamento e a remuneração, o que pode mudar onde você trabalha, como recebe e quais pacientes chegam até você, uma inversão de eixo que impacta na prática médica do dia a dia
Fique por dentro
📚 Registro MITRACURE: qual a realidade de pacientes operados devido a insuficiência mitral na França e Estados Unidos?
🩸 Sangrou, complicou. Revisão no JACC reforça que sangramentos após angioplastia aumentam o risco de morte. Metade dos pacientes é alto risco, e estratégias como monoterapia com clopidogrel podem ajudar a equilibrar segurança e eficácia, especialmente em grupos mais vulneráveis.
📝 Editorial reforça a história sobre ANOCA: angina sem obstrução coronariana. Novidade? Nem tanto… Essa estrada vem sendo pavimentada desde 1970.
🔙 Revés! Até o médico mais conservador apostaria no benefício de dispositivos de proteção cerebral… Mas a ciência realmente surpreende. Estudo BHF PROTECT-TAVI não mostra benefício cognitivo de seu uso em pacientes submetidos ao TAVI. Se já sabíamos que o número de AVCs não é reduzido, clinicamente também não foi demonstrado benefício.
👶🏼 Jovens, o TAVI chegou! Resultados do NOTION-2 demonstram resultados comparáveis entre TAVI e cirurgia até 3 anos de seguimento em pacientes de 60 a 75 anos.
🤖 ECG-AI: bom, mas nem tanto. Modelo de predição de fenotípica de doenças cardiovasculares baseadas no ECG com inteligência artificial demonstra que esta deve ser uma ferramenta adicional mas não única para predizer riscos e diagnósticos.
☢️ Tomografia pós-angioplastia em tronco não muda desfecho, mas reduz infarto. No estudo PULSE (JACC), a CCTA aos 6 meses após stent em tronco da coronária esquerda não reduziu eventos combinados, mas caiu infarto espontâneo (0,9% vs 4,9%) e aumentou revascularizações por imagem.
❌ Uma das valvopatias mais comuns do mundo… e ainda sem tratamento clínico eficaz! Revisão do JACC destaca os mecanismos por trás da estenose aórtica calcífica, inflamação crônica, estresse oxidativo e sinalização osteogênica, e reforça a urgência em encontrar terapias que evitem sua progressão.
🗺️ O poder dos mapas! Meta-análise com mais de 5 mil pacientes confirma: maior volume extracelular (ECV) por T1 mapping na ressonância prediz pior prognóstico em toda a gama da insuficiência cardíaca. O T1 nativo também se associa a desfechos, mas perde força na IC com fração de ejeção preservada.
💊 O futuro do eixo aldosterona-receptor mineralocorticoide está em disputa. Revisão destaca o potencial dos novos MRAs não esteroidais, como finerenona, que demonstram benefícios cardiovasculares e renais em pacientes com IC com fração de ejeção preservada, diabetes e DRC. Ainda faltam estudos comparativos diretos com os clássicos, como espironolactona.