É o fim da varfarina?
RIVAWAR coloca uma de pá de cal na varfarina no trombo em VE? Os riscos da microcirculação e é hora de rever nossos conceitos na aterosclerose
RIVAWAR e o fim da era varfarina no trombo de VE?
Ensaio Clínico Randomizado (JACC)
Aos poucos os DOACs vão retirando a varfarina do seu pedestal na anticoagulação. Primeiro foi na fibrilação atrial (FA), depois no tromboembolismo venoso, mais recentemente nos pacientes com FA e DAC…
Parecia questão de tempo até os DOACs se firmarem também no tratamento do trombo intracavitário pós-IAM.
O estudo RIVAWAR, publicado no JACC: Advances, chegou com a proposta de jogar a pá de cal final no uso da varfarina nesse cenário.
Foram incluídos 261 pacientes com trombo em VE agudo, randomizados para rivaroxabana 20 mg/dia ou varfarina (INR 2–3) por 12 semanas. E os resultados chamaram atenção.
O que o estudo mostrou:
No fim das 12 semanas, a taxa de resolução do trombo foi praticamente idêntica: 95,8% com rivaroxabana vs 96,6% com varfarina.
Em 4 semanas, no entanto, a rivaroxabana saiu na frente: 20% já tinham resolvido o trombo, contra 8,3% no grupo da varfarina (p = 0,017).
A mortalidade e os eventos embólicos foram semelhantes entre os grupos.
Mas vale o alerta: o número de sangramentos maiores foi mais que o dobro com rivaroxabana (2,3% vs 1,1%), ainda que sem diferença estatística.
⚠️ Nem tudo são flores nesse velório… Onde o estudo pega?
Apesar de ser o maior ensaio randomizado já feito com esse foco, o RIVAWAR ainda tem limitações importantes:
Foi conduzido em um único centro, por iniciativa dos próprios investigadores, o que pode afetar a generalização dos achados.
A amostra (n=261) ainda é considerada pequena para capturar eventos mais raros.
A taxa de sucesso (>95%) superou benchmarks históricos, o que levanta a dúvida: o sucesso veio da droga ou da seleção de pacientes + início precoce da anticoagulação (até 48h do IAM)?
A duração ideal do uso da rivaroxabana nesses casos ainda não está clara.
Por fim, a rivaroxabana parece uma opção promissora no LVT agudo, especialmente quando o controle de INR é um entrave.
Mas calma: ainda não é hora de tocar um réquiem para a varfarina. A decisão deve ser individualizada, levando em conta perfil de sangramento, logística e preferências do paciente.
Pequenos, mas perigosos
Artigo de revisão (The Lancet)
Se você já está acostumado a discutir disfunção microvascular coronariana, prepare-se para mergulhar em outro território de pequenos vasos com grandes impactos: a microcirculação pulmonar.
A revisão publicada no The Lancet destaca que alterações funcionais e estruturais nos microvasos ocorrem precocemente em todas as formas de hipertensão pulmonar (HP), antes mesmo de mudanças hemodinâmicas detectáveis.
O problema? Ainda temos dificuldade em identificar esses danos na prática clínica.
Do ponto de vista histológico, arteríolas, capilares e vênulas podem ser acometidos, com padrões distintos entre as HP dos grupos 1 (idiopática e venoclusiva), 2 (por doença cardíaca esquerda) e 4 (TEP crônico). As lesões vão de fibrose concêntrica e hiperplasia medial à rara “arterialização” das vênulas.
Ainda estamos em busca de métodos diagnósticos ideais, mas já temos um arsenal promissor:
Imagem avançada com RMC dinâmica, xenônio hiperpolarizado e tomografia com modelagem computacional;
Testes não invasivos como a medida de Capacidade de Difusão do Pulmão para Monóxido de Carbono (mais conhecido pela sigla do inglês DLCO), capilaroscopia e ergoespirometria;
Técnicas invasivas que incluem análise de curvas com Swan-Ganz, avaliação de vasorreatividade e até cálculos de FFR e resistência microvascular adaptados da cardiologia.
💡 O conceito-chave: a microcirculação pulmonar não é passiva. Ela regula resistência, complacência e recrutamento vascular em resposta ao estresse. E por isso, entender (e quantificar!) sua disfunção pode mudar completamente o jogo da HP — do diagnóstico precoce ao monitoramento da resposta terapêutica.
Ficou curioso sobre como aplicar tudo isso na prática clínica? O artigo traz um mergulho completo nesse novo território vascular, vale conferir.
É hora de rever os nossos conceitos
Artigo de revisão (Nature)
Um artigo do Peter Libby recém-publicado na Nature Reviews Cardiology nos convida a repensar a forma como encaramos a aterosclerose:
É, meus amigos, o título não está de brincadeira rs!
O fato é que apenas um terço dos infartos e AVCs ocorrem em pacientes com estenose maior que 50%. Os outros dois terços acontecem em pessoas com lesões menores ou até mesmo com artérias consideradas normais no exame anatômico.
Isso eu já sabia.. Mas o que muda na prática?
Chegou a hora de parar de pensar só em estreitamento e começar a pensar em vulnerabilidade.
Três pilares precisam entrar no radar clínico:
Inflamação sistêmica: combustível silencioso que torna placas instáveis, mesmo sem obstrução significativa.
Placas não obstrutivas e perigosas: pequenas, mas biologicamente ativas.
Fatores de risco tradicionais, como hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, obesidade, continuam fundamentais. Mas precisamos compreender melhor como interagem com a biologia da placa.
A medicina cardiovascular precisa sair do modo “encanador” e entrar no modo “investigador molecular”. Não basta saber se a artéria está entupida, é necessário entender se a placa é vulnerável, inflamada, prestes a romper.
Essa é a cardiologia do futuro! E ela já começou.
E você, Dozer? Como tem adaptado sua prática clínica diante dessa mudança de paradigma? Quais ferramentas tem usado para ir além da estenose?
Vale a reflexão. E vale a atualização.

7 é o número do sucesso
Caiu na Mídia
Por anos ouvimos que o segredo da saúde estava nos 10.000 passos diários. Mas e se o número mágico for, na verdade, um pouco menor?
Uma revisão publicada no Lancet Public Health e divulgada em diversos meios da mídia trouxe boas notícias para quem vive com o pedômetro em débito: caminhar 7.000 passos por dia já é suficiente para reduzir significativamente o risco de várias doenças crônicas, e até a mortalidade geral.
A análise avaliou mais de 160 mil adultos e encontrou que, em comparação com quem caminha só 2.000 passos/dia, atingir a marca de 7.000 passos se associou a:
47% menos risco de morte por qualquer causa;
37% menos risco de morrer por câncer;
25% menos risco de doença cardiovascular;
38% menos risco de demência;
22% menos risco de depressão;
14% menos risco de diabetes tipo 2;
28% menos risco de quedas
E tem mais: mesmo 4.000 passos por dia já fazem diferença, e a cada 1.000 passos adicionais, os benefícios crescem, ainda que com retornos progressivamente menores.
Ou seja, o mantra agora é outro: se 10.000 passos parecem impossíveis para o seu paciente, mire nos 7.000. O cérebro, o coração e o futuro vão agradecer.
Fique por dentro
👦🏻 Estatina em crianças? Veja esse caso clínico discutido no NEJM.
🩻 Saúde cardiovascular ideal prolonga o tempo com cálcio coronariano zero. Em adultos de 45 a 64 anos, manter bons hábitos cardiovasculares resultou em até 1,5 ano a mais sem calcificação coronariana, sinal de menor risco cardiovascular. Após os 65 anos, essa vantagem desaparece.
🪑 Ninguém senta!! Qual o poder de mudanças de comportamento no combate a hipertensão e disglicemias em gestantes com sobrepeso? Um estudo demonstra que pequenas mudanças podem impactar na saúde das gestantes. Diminuir o tempo sentada ao longo do dia pode promover benefícios.
🌿 Há risco cardiovascular a longo prazo no cannabis? Estudo publicado no Circulation comparou risco cardiovascular de veteranos que fumam e não fumam cannabis. O estudo fez um seguimento de 3 anos e não mostrou aumento do risco de eventos cardiovasculares neste período.
🫁 Manter o riociguat após angioplastia pulmonar ajuda a preservar a capacidade de exercício em pacientes com HP tipo IV. Estudo japonês com pacientes inoperáveis com hipertensão tromboembólica crônica, a continuidade do riociguat por 16 semanas após a normalização hemodinâmica reduziu a perda de performance no teste de esforço, sem aumento de eventos adversos.
🩺 UTIs cardiológicas precisam evoluir para cuidar de pacientes mais complexos. Consenso da American Heart Association traz recomendações acerca de modelos de cuidado intensivo com cardiologistas críticos dedicados e equipes interdisciplinares.
🫀 No choque cardiogênico, olhar só para o macro pode ser insuficiente. Revisão publicada no JACC mostra que a mortalidade nas UTIs segue alta e que macro e microcirculação nem sempre caminham juntas. Incorporar marcadores de perfusão tecidual pode refinar o manejo e melhorar os desfechos.