A verdadeira culpada das placas vulneráveis
Subanálise PROSPECT II (JACC)
Se você ainda acha que LDL é o grande vilão solitário da história, talvez seja hora de dar uma chance à coadjuvante lipoproteína (a) (Lp(a)) — que, nesse novo estudo publicado no JACC, roubou a cena.
No subestudo do PROSPECT II, 865 pacientes com IAM recente passaram por uma avaliação completa das 3 artérias coronárias com IVUS e espectroscopia no infravermelho (NIRS).
E qual a novidade?
LDL, Colesterol total e não-HDL foram associados ao volume total de placas e deposição lipídica difusa.
Lp(a), por outro lado, não teve relação com o volume total de placas, mas sim com a presença de placas focalmente vulneráveis — aquelas com maior risco de ruptura, mesmo sem obstrução significativa!
Isso reforça o papel único e potencialmente causal da Lp(a) na formação de placas de alto risco, que podem evoluir para eventos coronarianos agudos, mesmo em artérias sem estenoses críticas.
📝 O recado?
Talvez esteja na hora de pararmos de olhar apenas para o volume da placa e começarmos a olhar para o tipo de placa. Lp(a) pode ser a chave que faltava para entender por que alguns pacientes infartam “do nada”.
A provocação: será que estamos prontos para incorporar a dosagem de Lp(a) como rotina em nossos pacientes de risco? E mais: quais serão os impactos dos novos fármacos que reduzem seletivamente a Lp(a)?
O AAS recuperou o seu trono?
Viewpoint (JACC)
Por anos, o ácido acetilsalicílico (AAS) foi o rei absoluto da prevenção cardiovascular — até ser deposto pelos sangramentos. As diretrizes começaram a restringir seu uso, limitando a prescrição à prevenção secundária. Mas... será que a história está mudando?
O artigo recém-publicado no JACC: Advances propõe uma reviravolta: em pacientes com aterosclerose subclínica avançada, o AAS pode voltar à conversa.
⏮️ Vamos recapitular:
A proposta parte da ideia de que o risco cardiovascular não é dicotômico (primária vs secundária), e sim um contínuo.
Assim, pacientes assintomáticos mas com alta carga de placa se aproximam muito daqueles com DAC obstrutiva — e, portanto, podem se beneficiar de medidas preventivas intensivas, como o uso do AAS.
Principais argumentos:
A nova diretriz da ESC 2024 já reconhece o uso de AAS em pacientes com síndrome coronariana crônica assintomática com obstrução ≥50%, mesmo sem IAM prévio ou revascularização (classe I).
Mas e quem tem calcificação coronariana importante (escore de cálcio (CAC) >100 ou 300) ou placas carotídeas significativas, mesmo sem estenose confirmada? Os autores defendem que esses casos devem ser considerados “equivalentes clínicos” e também se enquadram como DAC assintomática.
Estudos demonstram que a carga de placa (e não a obstrução em si) é o principal preditor de eventos cardiovasculares. E o CAC é um marcador robusto e amplamente disponível para essa estimativa.
Modelos de custo-benefício sugerem que, quando o CAC >100 e não há risco aumentado de sangramento, o AAS pode gerar benefício líquido.
A recomendação é restrita a pacientes <70 anos, com alto risco subclínico documentado por imagem e sem fatores de risco hemorrágico.
Assim, o AAS na prevenção primária está longe de voltar para todos, mas para alguns, talvez, ele nunca deveria ter saído. Pacientes com aterosclerose subclínica avançada — aqueles que “parecem primária, mas vivem como secundária” — talvez estejam no ponto exato para se beneficiar da aspirina em baixa dose.
💭 Fica a reflexão: se você já pede CAC para guiar estatina, por que não usá-lo para indicar AAS também? A prevenção cardiovascular está cada vez mais personalizada — e talvez, no meio desse caminho, o velho AAS tenha achado um novo lugar.
Nada de pressa… a coronária agradece
Ensaio Clínico Randomizado (EHJ)
Não foi aclamado pela mídia especializada, nem ovacionado nos grandes congressos, mas o estudo CENTURY, recém-publicado no EHJ, tem um valor inegável.
Ele sintetiza, com precisão japonesa, o que todos buscamos há anos na cardiologia: um cuidado clínico estruturado, com foco em mudança de estilo de vida, controle rigoroso de fatores de risco e uso racional da revascularização — só quando realmente necessário.
Calma… A evolução do cuidado na DAC é assim mesmo: lenta, mas sólida. E o CENTURY entrega justamente isso.
Como foi o estudo?
Design: randomizado, prospectivo, multicêntrico (Japão);
1.028 pacientes com DAC estável e isquemia discreta a moderada randomizados nos seguintes grupos:
Grupo abordagem compreensiva: tratamento clínico intensivo com visitas frequentes e suporte telefônico ou via email todos os dias da semana associado a indicação de revascularização apenas se redução da capacidade de fluxo coronário acentuada detectada por PET scan realizados no início, 2, 5 e 11 anos de seguimento.
Grupo padrão: tratamento clínico habitual, sem suporte remoto + PET-scan cego (só revelado se risco de vida).
Seguimento: ≥5 anos para todos os pacientes
Resultados principais:
Após PET inicial, só 5% dos pacientes do grupo intervenção fizeram revascularização precoce;
Redução sustentada dos fatores de risco (Δ escore composto): 1.1 vs +0.33 → P < 0.0001
Redução de mortalidade em 11 anos: 4.7% vs 8.2% → P = 0.023
Redução de morte ou IAM: 7.0% vs 11.1% → P = 0.024
Redução de revascularizações tardias: 9.5% vs 14.8% → P = 0.021
Eventos cardíacos adversos totais: mesma taxa em ambos os grupos (~29.7%)
A grande mensagem?
Mais importante que a queda nos desfechos foi a demonstração de que um cuidado clínico abrangente e bem estruturado funciona.
O protocolo de visitas, contato remoto e decisão de revascularização guiada por PET trouxe benefícios sustentados — com menos intervenções e mais sobrevida.
Além disso, o estudo detalha a estrutura do cuidado: número de telefonemas, frequência das consultas, metas de tratamento. Um verdadeiro guia prático da boa medicina — e uma lição de que a revascularização guiada por imagem funcional pode (e deve) ser seletiva e segura.
📚 Vale a leitura completa — e a inspiração. Esse é o tipo de medicina que queremos praticar: personalizada, equilibrada e centrada no paciente
Uma maratona por dia mantém o coração em dia
Caiu na Mídia
Em meio às dúvidas que cercam a saúde cardiovascular nos esportes de endurance, como o risco de aterosclerose em atletas ou o temido remodelamento cardíaco, um brasileiro decidiu ir além: Hugo Farias, de 46 anos, correu uma maratona por dia durante um ano inteiro.
Isso mesmo. Não foram 365, mas 366 maratonas consecutivas, escolhendo propositalmente um ano bissexto para ir além do recorde anterior rs.
A façanha foi registrada no Guinness World Records e, mais do que isso, virou caso científico: Hugo foi acompanhado por uma equipe do Instituto do Coração (InCor - FMUSP), que publicou os resultados no Arquivos Brasileiros de Cardiologia.
O que o estudo mostrou sobre o coração de Hugo?
O acompanhamento começou como uma avaliação pré-participação, com foco em segurança: o treino seria de alto volume, mas com intensidade moderada. Ao longo dos 12 meses, Hugo passou por:
Avaliações mensais com ergoespirometria;
Ecocardiogramas trimestrais;
Coletas seriadas de troponina para descartar lesão miocárdica.
E os resultados surpreenderam.
Apesar da carga extrema — mais de 15 mil km corridos — não houve elevação de marcadores de dano miocárdico e nenhuma evidência de remodelamento cardíaco patológico. A função diastólica se manteve preservada, e o VO₂ pico de 49,5 mL/kg/min após a última maratona demonstrava excelente capacidade cardiorrespiratória. A frequência cardíaca média das corridas (cerca de 140 bpm) manteve Hugo na chamada “zona segura” de esforço aeróbico.
O estudo conclui que, desde que com volume bem planejado e intensidade controlada, o coração pode se adaptar fisiologicamente a um estresse diário extremo — reforçando o papel da individualização do treino e do acompanhamento cardiológico especializado.
Vale destacar, porém, que a avaliação focou em parâmetros funcionais, não sendo investigadas complicações voltadas para o risco aterosclerótico.
⚠️ Crianças, não tentem isso em casa rs.
Apesar da incrível adaptação, o próprio estudo ressalta: trata-se de um caso único, com suporte médico, psicológico, nutricional e familiar diário. Sem esse preparo, um desafio desses poderia causar sérios danos — de arritmias a lesões irreversíveis.
Fique por dentro
☢️ Angiografia imediata não melhora a sobrevida em 1 ano após parada cardíaca sem supra de ST. Análise conjunta dos estudos COACT e TOMAHAWK mostrou que, em pacientes reanimados após parada cardíaca extra-hospitalar sem supra de ST, a angiografia imediata não aumentou a sobrevida em 1 ano em comparação à estratégia tardia ou seletiva.
💸 A insuficiência cardíaca custa ao mundo mais de US$ 280 bilhões por ano — e países mais pobres sofrem mais proporcionalmente. Estudo publicado no EHJ analisou dados de 179 países e revelou que o impacto econômico global da insuficiência cardíaca em 2021 foi de US$ 284 bilhões, divididos entre custos diretos (como hospitalizações e medicamentos) e indiretos (como perda de produtividade).
🩸 Evitar sangramento: mandamento número 1! Subanálise do estudo Aristotle demonstra correlação entre tempo de lise de fibrina antes da administração de Apixabana e sangramentos! Este pode ser um caminho para proteção de pacientes?
🇨🇳 Lp(a) elevado é comum na China e se associa fortemente com aterosclerose subclínica em múltiplos territórios. Analisando dados de mais de 2,9 milhões de adultos em check-ups entre 2017 e 2023, este estudo revelou que até 18,7% apresentavam Lp(a) acima de 30 mg/dL, com maior prevalência em mulheres, idosos e pessoas com fatores de risco cardiometabólicos. Níveis elevados de Lp(a) se associaram independentemente com espessamento da íntima-média carotídea, placas carotídeas, infartos cerebrais subclínicos e calcificação coronariana.
🦠 Revisão do EHJ: miocardiopatia séptica. Quem nunca questionou o uso de dobutamina em pacientes sépticos? Quando é necessária? Quando realmente há algum comprometimento da função ventricular e necessidade de associação de inotrópicos?
🫀 PREVENT trial: 2 anos de seguimento do estudo que avaliou angioplastia preventiva vasos com placas de alto risco em pacientes diabéticos. Resultado: menor revascularização guiada por isquemia e internações por angina instável ou estável e mesma taxa de mortalidade e infarto.
🧙🏼♂️ Surprise, surprise… Vitaminas e minerais não reduzem eventos cardiovasculares em pacientes com diabetes e infarto prévio. O estudo TACT2, com 1000 participantes, mostrou que o uso diário de polivitamínicos e multiminerais não diminuiu a incidência de infarto, AVC, morte ou internações por angina instável em pacientes com diabetes e histórico de infarto. Também não houve benefício na combinação com terapia de quelação por EDTA.