Ah… o Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC)! Sem dúvidas uma das semanas preferidas dos cardiologistas no ano!
Isso aqui é a nossa Disney, nossa noite do Oscar, um Ney Day rs. É o nosso jeitinho nerd cardiologista de ser.
Vai me dizer que você não adora essa leve ansiedade em aguardar a publicação das novas diretrizes e grande trials que podem impactar nas nossas condutas clínicas?
E, mais uma vez, os europeus não decepcionaram! Ao menos no quesito trabalhos científicos, porque no quesito comida no congresso… (ainda não inventaram coffee break na Europa??).
Vamos dividir por dias as principais novidades!
Dia 1
Como é de praxe, o congresso inicia-se com a apresentação das novas diretrizes da ESC do ano.
Fomos premiados com 4 guidelines com importantes atualizações. Vamos vê-las:
Diretriz de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS):
É, estava na hora de atualizar mesmo rs.
O último guideline de hipertensão europeu havia sido em 2018, então realmente era hora de vermos algumas novas orientações em relação ao diagnóstico e tratamento.
Listamos as principais novidades:
Seguindo a mesma classificação já vista em diretrizes como da AHA e da SBC, fica da seguinte forma:
Normotenso: < 120x70 mmHg (atenção aqui à mudança na PAD para < 70 mmHg (!)). Saudades 12x8 🥺…
PA elevada: PAS 120-139 mmHg e PAD 70-89 mmHg;
Hipertensão: ≥ 140x90 mmHg.
Em relação às medidas não farmacológicas, além de reforçar aquelas que já conhecemos (sal < 2g/dia, atividade física de pelo menos 150 min/semana, álcool < 100 g/semana, cessar tabagismo e dieta mediterrânea ou DASH), a diretriz trouxe novas orientações:
aumento da ingesta de potássio (0,5-1 g/dia);
evitar o consumo de bebidas adocicadas.
Em relação ao tratamento:
Início com 2 drogas em doses baixas; e aumento para 3ª droga em dose baixa se mantiver PAS ≥ 130 mmHg;
👴🏼 Em idosos frágeis e/ou idade ≥ 85 anos, é possível o início em monoterapia.
A meta é de PAS 120-129 mmHg; ou nos intolerantes, utilizar o conceito de ALARA (as low as resonably achievable).
Diretriz de doença arterial coronária crônica (DAC):
Um suco de polêmica rs.
Brincadeiras a parte, a ESC nos presenteou com uma interessante diretriz que não se omitiu em temas de grande relevância.
Veja as novidades:
Novo conceito de DAC? “A síndrome coronária crônica engloba uma variedade de apresentações clínicas ou síndromes que surgem devido a alterações estruturais e/ou funcionais relacionadas a doenças crônicas das artérias coronárias e/ou microcirculação.”
Dessa forma, além da doença coronária aterosclerótica, a diretriz passa a dar grande espaço à INOCA/ANOCA e à investigação da doença microvascular.
Na investigação da DAC, seguimos os steps presentes desde 2019, mas com uma importante mudança na avaliação da probabilidade pré-teste com uma nova tabela: Risk Factor-weighted Clinical Likelihood.
Mantém a exclusão do teste ergométrico como exame diagnóstico; e a indicação da angioTC para risco baixo-intermediário (5-50%) e de testes funcionais para risco moderado-alto (50-85%).
O AAS venceu! Finalmente um diretriz estabeleceu o AAS nos pacientes com DAC obstrutiva, mesmo sem evento cardiovascular (indicação IB; antes era IIb).
Ao mesmo tempo, o AAS perdeu… Clopidogrel passa a ser ter recomendação como possível substituta à aspirina.
A colchicina também se deu bem. Passou a ter uma recomendação IIA na DAC.
E o tratamento? Voltamos a dar espaço para a revascularização (percutânea ou cirúrgica) nos pacientes com lesão de DA proximal mesmo que FEVE > 35% para mudança de sobrevida.
Diretriz de FA:
Os colegas da arritmia que me perdoem, mas essa aqui não trouxe grandes emoções…
Passou séculos para decorar as recomendações de anticoagulação oral (ACO) para homens x mulheres? Não precisa mais…
O CHA2DS2-VASc virou CHA2DS2-VA, e assim passamos a excluir o sexo.
Com isso, a recomendação de ACO fica IA se ≥ 2 e IIA se = 1.
Novo mnemônico para manejo da FA: CARE (comorbidade + AVC + ritmo + reavaliação).
Mais uma vez: foco nas comorbidades!
Nunca é demais lembrar: escore de sangramento não indica ou contraindica anticoagulação de ninguém!
Se cirurgia de valva mitral em pacientes com FA = indicação IA para ablação cirúrgica.
Diretriz de doença arterial periférica e aortopatias:
Não é que até os colegas da vascular se deram bem dessa vez? Diretriz quentinha com orientações acerca da doença arterial periférica (DAP) e das aortopatias.
Em relação à DAP:
A revascularização passa a ser contraindicada em assintomáticos (IIIC).
Possível associação do antiplaquetário com rivaroxabana em dose baixa (2,5 mg 12/12h) para pacientes com alto risco isquêmico (IIA) ou que serão submetidos a revascularização.
Treinamento supervisionada por 30 minutos, 3x/semana por pelo menos 12 semanas.
E as aortopatias:
Além da medida dos diâmetros é relevante a avaliação do índice aorta-altura (aumentado se > 32 mm/m), da área indexada à altura (> 10 cm²/m) e comprimento da aorta > 11 cm.
O corte para cirurgia continua sendo ≥ 55 mm ou ≥ 50 mm se fatores de risco.
Indicação de investigação genética se história familiar ou outros achados fenotípicos.
E os trials?
💉 Helios-B:
Estudo fase 3 do Vutrisiran, uma medicação que inibe q produção de transtorne tina hepática.
Dessa forma, surgiu com uma opção para o tratamento da amiloidose cardíaca TTR.
Os resultados foram animadores:
Redução no desfecho primário composto em 28% na população geral, e mais: reduziu de forma significativa o desfecho secundário de mortalidade.
Algumas questões surgiram: o uso concomitante com o tafamidis pareceu ser menos efetivo; e o resultados foram melhores com o início precoce.
💊 ABYSS:
Podemos interromper o beta-bloqueador nos pacientes pós-IAM com FEVE > 40%? (Quem lembra a nossa discussão de beta-bloq da Prime?)
Parece que não… O estudo não conseguiu demonstrar segurança com essa estratégia.
🔪 STOP-or-NOT?
O campeão no quesito nome de trial mais legal rs.
Pena que o estudo em si não animou… Procurou avaliar o benefício da interrupção do iECA ou BRA antes de grandes cirurgias não cardíacas.
No fim? Sem diferença entre as duas estratégias.
Dia 2 - TAVI em evidência
No segundo dia do congresso, a TAVI esteve em alta. E a primeira resposta foi a pergunta para: ICP antes da TAVI – será que rola?
🤔 Imagine a situação: paciente com estenose aórtica grave e ainda por cima uma doença arterial coronariana. Fazer ou não fazer uma ICP antes de mandar bala na TAVI? O NOTION-3 chegou com a resposta que estávamos esperando.
Eles randomizaram mais de 450 pacientes e descobriram que quem fez ICP teve menos chance de morrer, ter infarto ou precisar de uma revascularização de emergência.
A mensagem é clara: se o paciente tem DAC, a ICP pode ser a jogada de mestre antes do TAVI.
Mas, claro, a decisão deve levar em conta idade, comorbidades e, como sempre, aquele velho risco de sangramento.
Lembre-se: não adianta ser herói e esquecer do resto!
Agora, para os que gostam de um bom debate sobre anticoagulantes, o POPular PAUSE TAVI trouxe uma bomba 💣.
A ideia era ver se continuar ou interromper a anticoagulação oral durante a TAVI fazia alguma diferença.
Resultado? Continuar não trouxe vantagem em termos de evitar eventos tromboembólicos, mas... surpresa! Aumentou o risco de sangramento.
Ou seja, amigos, pode interromper o anticoagulante sem peso na consciência quando for para a TAVI. Quem diria, hein?
RHEIA: TAVI ou SAVI em mulheres – o que é melhor?
🔑 E para fechar com chave de ouro o tema TAVI, o RHEIA foi dedicado às mulheres com estenose aórtica importante, com o duelo do século: TAVI versus SAVI (cirurgia).
E o vencedor? TAVI, com louvor! Menos mortes, menos AVCs e menos rehospitalizações. E o melhor: hospitalizações mais curtas, o que significa que a TAVI foi um verdadeiro sucesso na economia de recursos de saúde.
As mulheres com estenose aórtica importante têm agora uma nova aliada – a válvula expansível por balão da TAVI. Parece que a cirurgia ficou para trás nessa corrida!
Anti-hipertensivo: de manhã, à noite... tanto faz!
⏰ Se você já se pegou pensando que talvez mudar o horário do anti-hipertensivo para a noite fosse um game changer, o estudo BEDMED veio para esclarecer as coisas.
Os autores pegaram um grupo de pacientes hipertensos e os dividiram em dois: um grupo manteve o horário da manhã e o outro passou a tomar o medicamento à noite.
Resultado? Nada de diferente.
Isso mesmo, os desfechos cardiovasculares não mudaram. E para garantir, fizeram uma metanálise juntando cinco estudos sobre o tema, e adivinha? O mesmo resultado.
Então, o melhor horário é aquele que o paciente vai lembrar de tomar. A nova diretriz do ESC até recomenda: escolha o horário mais conveniente para o paciente e siga em frente!
"No Touch" para safena: parece chique, mas… 🔪
Agora, sobre aquela técnica "no touch" para retirada da veia safena, que prometia ser a nova sensação, o estudo SWEDEGRAFT colocou essa técnica à prova contra a abordagem convencional em 902 pacientes que passaram por revascularização miocárdica.
Metade do grupo fez a cirurgia de forma eletiva e a maioria era do sexo masculino, com média de 67 anos. A grande expectativa era que a técnica "no touch" ajudasse a manter a veia aberta por mais tempo, mas... surpresa! Não foi o que aconteceu. Após dois anos, não houve diferença na patência dos enxertos, e, de quebra, o grupo "no touch" teve mais complicações na ferida operatória. Ou seja, às vezes, o básico é melhor!
AAS em cirurgias não cardíacas: continuar ou parar? 💊❌
Você já deve ter se deparado com aquela dúvida: manter ou suspender o AAS em pacientes com angioplastia recente que precisam passar por uma cirurgia não cardíaca.
O estudo ASSURE DES trouxe respostas, envolvendo 926 pacientes de alto risco cardiovascular, a maioria com histórico de angioplastia com stents farmacológicos de segunda geração.
O estudo comparou a manutenção versus a suspensão do AAS antes da cirurgia.
Os resultados? Nada de pânico se precisar suspender. Não houve aumento de eventos cardiovasculares no grupo que parou o AAS, embora aqueles que continuaram tenham tido um pouco mais de sangramentos menores.
No fim das contas, a decisão pode ser personalizada, sem grandes preocupações.
Potássio no pós-operatório: nem perde tempo 🍌
E sobre a reposição de potássio para evitar fibrilação atrial (FA) após cirurgia cardíaca? O estudo TIGHT-K mostrou que essa prática é mais um mito a ser desfeito.
Eles acompanharam pacientes no pós-operatório e descobriram que a suplementação de potássio não fez diferença na prevenção da FA, nem nos casos detectados clinicamente nem por monitoramento contínuo. Em resumo, você pode deixar essa rotina de lado.
Vamos economizar tempo (e potássio) para o que realmente importa!
Dia 3 - FINE day
Se pudéssemos dar um nome para o terceiro dia seria Finerenona!
(Bonito? Nem tanto, mas é uma boa droga rs)
Sem dúvidas os trials envolvendo o tratamento da insuficiência cardíaca dominaram este dia, tendo como alvo das investigações a Finerenona (nome comercial no Brasil: Firialta®).
Mas o que é o Finerenona? Antagonista mineralocorticoide não esteroide, e, dessa forma, promete menos efeitos colaterais e menor tendência a hipercalemia.
O objetivo foi avaliar o efeito da Finerenona na redução de eventos relacionados à IC e morte cardiovascular em pacientes com IC de FEVE > 40%.
Foram 6001 paciente randomizados para finerenona vs placebo.
No fim, levou a redução do desfecho composto por piora da IC ou morte (0,84; 95% IC, 0,74 - 0,95; P=0,007).
Com relação a mortalidade cardiovascular isoladamente não apresentou benefício.
De modo geral, a Finerenona mostra-se como alternativa para essa população com IC de FEVE preservada ou pouco reduzida (carente ainda de tratamentos com maior impacto em desfechos duros).
Além deste trial, o estudo FINE-HEART mostrou benefícios do uso da Finerona em pacientes com IC, DM e doença renal crônica!
Claro que tivemos a divulgação de estudos para tratamento da queridinha FA!
Demonstrou o impacto da educação médica em diversos centros e países no cuidado do paciente com FA!
Na área das coronariopatias, o estudo testou a hipótese de manter monoterapia com Edoxabana em comparação com uso do DOAC associado a um antiagregante plaquetário para pacientes com FA e DAC estável.
Claro que o grupo que utilizou Edoxabana associado a AAS ou Clopidogrel apresentou maior ocorrência de sangramentos.
Mas foi importante notar que o risco de eventos trombóticos manteve-se parecidos entre os grupos, de modo a reforçar que menos é mais quando se fala de terapia antitrombótica a longo prazo!
Se você não ficou triste com os resultados do OCEANIC-AF, não tem coração rs.
O estudo foi interrompido precocemente ao demonstrar inferioridade do uso do Asundexian (um inibidor do fator XIa) quando comparado à apixabana na prevenção de AVC.
O estudo falhou em demonstrar redução significativa no risco combinado de morte cardiovascular ou IAM não fatal com uma estratégia invasiva vs estratégia conservadora para tratar pacientes com idade ≥ 75 anos que sofreram IAM sem supra-ST.
Dia 4
Chegamos ao último dia e seu principais artigos apresentados (até agora).
SHAM-PVI - benefício dos uso do isolamento das veia pulmonares com crioablação no controle da FA.
OCCUPI - Intervenção coronária guiada por tomografia de coerência óptica em pacientes com lesões complexas
INFINITY-SWEDEHEART - Intervenção coronária percutânea com um bioadaptador comparado a um stent farmacológico contemporâneo: resultados primários de um ano
Sensacional!! Resumo incrível!