ESC 2025
Diretrizes, polêmicas, game changers. Tudo o que aconteceu no Congresso da Sociedade Europeia 2025
Mais um Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC)… e, claro, mais uma cobertura espetacular da Doze por Oito!
Modéstia não é o nosso forte rs.
Esse ano tivemos nossos enviados especiais, os Dozers Raquel Rios e Plínio Wolf, vivendo o congresso de perto, trazendo bastidores, entrevistas e aquele olhar afiado sobre os grandes nomes e as principais discussões.
E para quem acompanhou de longe, não tem problema: preparamos uma DozeNews especial, reunindo em uma só edição o que de mais importante rolou em diretrizes, trials bombásticos e potenciais mudanças de prática clínica nesses quatro dias intensos de evento.
Bora conferir o que cada dia nos reservou?
Dia 1
Porque congresso europeu só começa de verdade quando caem as novas diretrizes!
Esse ano não economizaram: cinco documentos que vão impactar do consultório à sala de hemodinâmica.
Bora destrinchar?
Diretriz de Valvopatias:
Acredito que esse era o tema da cardiologia que mais implorava por uma atualização rs.
Pior que nem faz tanto tempo assim… A última diretriz da ESC de valvopatias foi de 2021. No entanto, de lá para cá as mudanças foram tantas (tratamento percutâneo da insuficiência aórtica, manejo da estenose aórtica assintomática, terapias transcateter edge-to-edge na mitral e na tricúspide…) que certos conceitos pediam urgentemente para serem atualizados.
E como não foi pouca coisa, vamos dividir por partes, digo, por válvulas:
Aórtica
Estenose Aórtica:
Assintomáticos: intervenção pode ser considerada em pacientes com EAo grave, gradiente alto, FE ≥50%, como alternativa à vigilância se risco baixo (IIa A).
Critérios adicionais para indicar mais cedo: calcificação grave com progressão rápida, BNP/NT-proBNP >3x o normal, FE <55% sem outra causa, ou queda sustentada de PA ao exercício.
Modo de intervenção: TAVI é recomendada em ≥70 anos (se anatomia adequada). SAVR em <70 anos com risco baixo. Para todos os demais, escolha é guiada pelo Heart Team considerando expectativa de vida e características anatômicas .
Insuficiência Aórtica:
Cirurgia indicada se sintomático grave independentemente da função, ou assintomático com VSFVE >50 mm, índice >25 mm/m² ou FE ≤50% (classe I).
Pode ser considerada se VSFVEi >22 mm/m² ou VSFVEi >45 mL/m² ou FE <55% (IIb B).
TAVI entrou como opção (IIb B) em pacientes inelegíveis para cirurgia, com anatomia adequada.
Mitral
Regurgitação Mitral Primária:
Reparo cirúrgico continua sendo preferido.
Indicação em assintomáticos de baixo risco se ≥3 critérios: FA, PSAP >50 mmHg, dilatação AE (LAVI ≥60 mL/m² ou diâmetro ≥55 mm), ou insuficiência tricúspide (IT) secundária moderada (classe I B).
Cirurgia minimamente invasiva pode ser considerada em centros experientes (IIb B).
TEER subiu de IIb para IIa em sintomáticos de alto risco com anatomia adequada .
Regurgitação Mitral Secundária:
IM Secundária Ventricular: TEER agora é classe I A em pacientes sintomáticos, FE <50%, apesar de GDMT/CRT otimizados, quando critérios anatômicos são preenchidos.
IM Secundária Ventricular Atrial: cirurgia pode ser considerada (IIa B); TEER em casos refratários e não cirúrgicos (IIb B) .
Estenose Mitral
Mantida a comissurotomia percutânea (PMC) como primeira opção em pacientes sintomáticos com anatomia favorável.
Novidade: implante transcateter pode ser considerada em casos com calcificação extensa do anel mitral (IIb C) em centros experientes .
Tricúspide
Indicação precoce ganhou força:
Cirurgia recomendada em pacientes com IT grave (primária ou secundária) submetidos a cirurgia de VE esquerdo (classe I B).
Reparar IT moderada concomitante já deve ser considerado (IIa B).
Transcateter: agora classe IIa A para sintomáticos de alto risco sem disfunção grave de VD ou hipertensão pré-capilar .
Antitrombótico e Prótese
Próteses Mecânicas:
Anticoagulação com antagonista da vitamina k (AVK) continua obrigatória (I A).
DOACs continuam contraindicados (III A).
Interrupção do AVK sem ponte (3-4 dia) em pacientes submetidos a cirurgias não-cardiacas pode ser considerada em prótese aórtica de nova geração e sem risco tromboembólico adicional (IIb B) .
Próteses Biológicas:
Após TAVI, AAS isolado é suficiente; dupla antiagregação não é recomendada (III B).
DOAC pode ser considerado após implante de bioprótese cirúrgica se houver indicação (IIb B).
Valve-in-Valve: transcateter recomendado em biopróteses disfuncionais em pacientes de risco intermediário ou alto (IIa B)
Diretriz de Miocardite e Pericardite:
Calma, as próximas diretrizes não serão tão complexas quanto a de valvopatias rs.
Ainda assim nos apresentaram interessantes atualizações.
Novas definições e terminologia:
Síndrome miopericárdica: termo-guarda-chuva para síndromes inflamatórias miopericárdicas.
Diferenciação clara entre miopericardite (predomínio pericárdico) e perimiocardite (predomínio miocárdico).
Estágios definidos: aguda (≤4 semanas), subaguda (1–3 meses), crônica (>3 meses).
Introdução do conceito de miocardite complicada: presença de FEVE <50%, arritmia ventricular sustentada, BAV avançado, IC ou choque .
Diagnóstico e estratificação de risco:
Ressonância Magnética Cardíaca (RMC) consolidada como exame-chave:
Classe I para diagnóstico inicial em suspeita de miocardite.
Classe I para seguimento em até 6 meses, avaliando resolução ou persistência da inflamação e guiando retorno à atividade física.
Biópsia endomiocárdica (EMB):
Classe I em miocardite de alto risco ou refratária ao tratamento.
Eletroanatomia pode ser usada para guiar EMB em casos de sarcoidose cardíaca .
PET-CT: considerado quando eco e RMC são inconclusivos.
Genética e família:
História familiar deve ser obtida em todo caso recorrente.
Teste genético deve ser considerado em:
Casos familiares/suspeita de cardiomiopatia hereditária,
Arritmia ventricular grave,
Disfunção persistente do VE,
Padrões típicos na RMC (ex.: realce em anel, septal),
Recorrências refratárias .
Pericardite:
Colchicina virou classe I como adjunto ao AAS/NSAID.
Anti-IL1 (anakinra, rilonacept): classe I em pericardite recorrente refratária.
Corticoides apenas em falha/intolerância ao tratamento padrão.
Critérios de risco para internação: febre >38°C, tamponamento, grande derrame (>20 mm), subagudo, ausência de resposta ao AAS/NSAID em 1 semana.
Atividade física:
Restrição mínima de 1 mês em todos os pacientes após episódio agudo de miocardite/pericardite, com retorno individualizado .
Diretriz de Dislipidemia:
Risco: SCORE2 segue no centro, mas agora a reclassificação com risk modifiers é quase obrigatória.
Escore de cálcio sobe de IIb para IIa.
Lp(a), PCR-us, história familiar, doenças inflamatórias, HIV, menopausa precoce… tudo pesa na decisão.
Prevenção primária:
Muito alto risco: iniciar droga já com LDL ≥70 mg/dL (classe I).
Alto risco: iniciar se LDL ≥100 mg/dL.
A mensagem é clara: quanto mais baixo, melhor.
Terapia:
Começar potente e cedo: estatina + ezetimiba já na internação de SCA.
Ácido Bempedoico, PCSK9 e até evinacumabe (para HFH homozigótica) aparecem fortes.
Estatinas até como proteção contra cardiotoxicidade em pacientes onco.
Lp(a): virou estrela, com recomendação para dosar pelo menos 1x na vida (e talvez repetir em mulheres pós-menopausa).
Diretriz de Doença Cardiovascular e Gestação:
Pregnancy Heart Team: agora oficial, multidisciplinar e centralizado.
Planejamento reprodutivo: risco materno deve ser estratificado antes da gravidez (WHO modificado).
Imagem: eco segue como padrão; RMC liberada sem contraste quando necessário.
Anticoagulação:
AVK continua sendo dilema: pode ser mantido em casos selecionados até 13ª semana, mas HBPM é preferível.
Protocolos claros para parto planejado em uso de anticoagulantes.
Parto: via de parto individualizada; cesárea só em indicação obstétrica/cardiológica bem definida.
Pós-parto: vigilância para hemorragia, complicações cardíacas e saúde mental (inclusive depressão).
Diretriz de Doenças Cardiovasculares e Saúde Mental:
Integração total: propõe o Psycho-Cardio Team nos serviços.
Risco CV: depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e estresse crônico são reconhecidos como fatores de risco cardiovascular independentes.
Screening: avaliar saúde mental deve ser rotina em pacientes cardiovasculares.
Tratamento: cuidado em conjunto (psicoterapia, fármacos (com atenção a interações) e reabilitação cardíaca).
Estigma: recomendações fortes contra a negligência do cuidado psicológico em cardiologia.
E as principais publicações do dia?
Não só de diretrizes se faz um congresso, e é por isso que o primeiro dia já começa com a apresentação de grandes estudos:
Será que a digitoxina ainda tem espaço na era das terapias guiadas por diretrizes para insuficiência cardíaca com FE reduzida?
População de 1.212 pacientes com FEVE ≤40% (NYHA III-IV) ou ≤30% (NYHA II) para receber digitoxina (0,07 mg/dia ajustada por nível sérico) vs. placebo, além da terapia padrão.
Desfecho primário: morte por todas as causas ou hospitalização por IC.
Follow-up: mediana de 36 meses.
Resultado: a digitoxina reduziu o risco combinado de morte ou hospitalização por IC (HR 0,82; IC95% 0,69–0,98), mas não impactou em mortalidade isolada.
É hora de revisitarmos velhos conhecidos? A digitoxina pode ganhar um novo papel, especialmente em cenários de hospitalização frequente por IC.
Vale a pena rastrear FA subclínica usando patch-ECG em pacientes de alto risco para reduzir eventos maiores?
População de 5.040 pacientes, idade média de 78 anos, todos com ≥1 fator de risco CV, randomizados para screening com patch-ECG contínuo por 2 semanas vs. cuidados habituais.
Desfecho primário: AVC isquêmico, embolia sistêmica, hospitalização por FA ou morte CV.
Follow-up: 2 anos.
Resultado: o patch-ECG detectou mais FA subclínica, mas não reduziu o risco de eventos cardiovasculares maiores.
Mais diagnóstico nem sempre significa mais benefício. O debate sobre custo-efetividade desse tipo de estratégia continua aberto.
Manter níveis de potássio em faixa alto-normal previne arritmias graves em pacientes com CDI?
População de 1.200 pacientes com CDI e potássio ≤4,3 mmol/L randomizados para suplementação de potássio + antagonista de receptor mineralocorticoide + dieta para atingir potássio 4,5–5,0 mmol/L vs. cuidado padrão.
Desfecho primário: TV sustentada, choque apropriado do CDI, hospitalização >24h por arritmia/IC ou morte.
Follow-up: mediana de 40 meses.
Resultado: estratégia reduziu o risco do desfecho primário (22,7% vs. 29,2%; HR 0,76; IC95% 0,61–0,95; p=0,01) sem aumentar hospitalizações por hipo/hipercalemia.
Um ajuste fino que pode salvar vidas! O potássio entra com força no checklist de otimização para portadores de CDI.
Diminuir anti-hipertensivos em idosos frágeis ≥80 anos reduz mortalidade?
População de 1.048 residentes de casas de repouso, todos ≥80 anos, usando ≥2 anti-hipertensivos, PAS <130 mmHg, randomizados para redução protocolar de anti-hipertensivos vs. cuidado habitual.
Desfecho primário: mortalidade por todas as causas.
Follow-up: mediana de 38 meses.
Resultado: não houve redução de mortalidade (HR 1,02; IC95% 0,86–1,21; p=0,78), mas observou-se discreto aumento da PAS (+4 mmHg), sem aumento de eventos adversos.
"Menos pode ser mais”… mas aqui, menos foi igual.
A reabilitação multidomínio melhora desfechos em idosos frágeis pós-infarto?
População de 512 pacientes, idade mediana 80 anos, baixa performance física 1 mês após IAM randomizados para reabilitação multidomínio (controle de fatores de risco, aconselhamento dietético e exercício supervisionado) vs. cuidado usual.
Desfecho primário: morte CV ou hospitalização não programada por CV em 1 ano.
Follow-up: 12 meses.
Resultado: estratégia reduziu o risco do desfecho primário (12,6% vs. 20,6%; HR 0,57; IC95% 0,36–0,89; p=0,01) sem aumento de eventos adversos graves.
A mensagem é clara: mesmo em pacientes frágeis, reabilitação funciona.
Qual a melhor estratégia: sedação consciente vs. anestesia geral, válvula nova vs. anterior?
População de ~1.200 pacientes submetidos à TAVI de risco intermediário/alto randomizados para sedação consciente vs. anestesia geral + válvula autoexpansível nova vs. anterior.
Desfecho primário: morte, AVC incapacitante ou complicações maiores em 30 dias.
Follow-up: 30 dias.
Resultado: a abordagem “minimalista” (sedação consciente + válvula nova) foi segura, com menor tempo de procedimento e recuperação mais rápida, sem aumento de complicações.
Procedimentos menos invasivos, mesma segurança, mais eficiência.
Dia 2

Tira e bota.
Esse foi o termo que definiu o segundo dia de congresso, que contou com triunfos e derrotas no mundo do tratamento da CMH, o casal VICTOR e VICTORIA do uso do vericiguat e até uma surpreendente derrota da dapagliflozina.
Entre VICTOR e VICTORIA, ficamos com a vitória:
O VICTOR Trial, com mais de 6 mil pacientes ambulatoriais, estáveis e sem hospitalização recente, mostrou que adicionar vericiguat não reduziu morte cardiovascular nem hospitalização por IC após quase 19 meses de seguimento.
Seguro foi, eficaz… nem tanto.
Por outro lado, no VICTORIA Trial, em pacientes de maior risco, recém-hospitalizados, o cenário foi outro: vericiguat reduziu eventos, mostrando que talvez seu espaço esteja justamente nos mais graves.
Ainda não encontramos o mapa do tratamento da CMH:
Saindo da IC e entrando na cardiomiopatia hipertrófica (CMH), vivemos um contraste parecido. O ODYSSEY-HCM, que avaliou mavacamten em pacientes com a forma não obstrutiva, não trouxe benefício em sintomas ou capacidade funcional
Mais um lembrete do quão desafiadora é essa população.
Mas, o MAPLE-HCM reacendeu o entusiasmo: em 175 pacientes com CMH obstrutiva, o aficamten superou o metoprolol, melhorando VO₂ e sintomas de forma consistente.
Pela primeira vez, um modulador de miosina bateu um betabloqueador. Ainda é cedo, mas fica a sensação de que um novo capítulo pode estar começando para a MCH obstrutiva.
E falando em derrota inesperada…
O DAPA ACT HF–TIMI 68 testou a dapagliflozina iniciada durante a hospitalização por IC (mais de 2.400 pacientes randomizados).
Resultado: em 2 meses, não houve redução significativa de morte cardiovascular ou piora da IC (HR 0,86; p=0,20). A droga manteve o perfil de segurança, mas ficou devendo eficácia no desfecho primário.
O detalhe curioso é que, quando se juntou esse trial a outros estudos semelhantes (EMPULSE e SOLOIST-WHF), a metanálise mostrou redução precoce de morte e eventos de IC. Ou seja: sozinho, o DAPA ACT foi negativo, mas o conjunto da obra ainda dá esperança para a estratégia de iniciar SGLT2i no hospital.
Tira-bota do beta-bloqueador:
O que ficou mais travado: a língua nessa aliteração ou nossa cabeça para entender para que lado vai o beta-bloq? rs
O REBOOT-CNIC, com mais de 8 mil pacientes com IAM e FEVE preservada, mostrou que manter betabloqueadores depois da alta não reduziu eventos maiores.
Já o BETAMI–DANBLOCK, por outro lado, encontrou benefício em reduzir reinfarto e MACE com a terapia prolongada.
Tira-teima veio na forma de uma meta-análise individual combinando REBOOT, BETAMI, DANBLOCK e outros trials, que olhou para pacientes com FEVE entre 40–49% e também não encontrou benefício claro.
No fim, a mensagem é que talvez não haja mais uma resposta universal: o papel do betabloqueador no pós-IAM sem disfunção significativa do VE parece precisar ser individualizado.
Achou pouco? Então veja outros estudos que valem a citação no D2:
O estudo REFINE-ICD testou se pacientes com FE limítrofe (36–50%) poderiam se beneficiar de CDI profilático.
❌ A resposta foi negativa: não houve redução de morte súbita ou eventos arrítmicos, reforçando que o ponto de corte de 35% continua valendo como principal critério para implante.
Na prevenção, o DANCAVAS II foi aguardadíssimo. Mais de 30 mil homens de 60 a 64 anos foram submetidos a rastreio populacional com escore de cálcio, aneurismas e outros exames.
O resultado? Não houve redução de mortalidade global após 7 anos, mas houve aumento de sangramentos graves, especialmente gastrointestinais. Ou seja: a ideia de rastrear em massa parece sedutora, mas ainda não mostrou que traz mais benefício do que risco.
Na trombose, boas notícias. O HI-PRO trial testou apixabana em baixa dose por 12 meses em pacientes com TEV provocado mas com fatores de risco persistentes.
O resultado foi impressionante: a taxa de recorrência caiu de 10% para 1,3%, com baixíssimo risco de sangramento. Um dado forte, que pode mudar a conduta nessa “zona cinzenta” da anticoagulação.
Em dislipidemia, o ESSENCE–TIMI 73b colocou o olezarsen no mapa.
A droga, que atua sobre a apolipoproteína C-III, reduziu em cerca de 60% os níveis de triglicérides em pacientes com hipertrigliceridemia moderada ou grave, sem aumento de efeitos adversos sérios.
Ainda não temos dados de desfechos duros, mas o entusiasmo lembra os primeiros passos dos PCSK9.
Para fechar, o ABC-AF trouxe um banho de realidade. O estudo avaliou se usar escores baseados em biomarcadores (NT-proBNP, troponina, GDF-15) poderia guiar a anticoagulação na fibrilação atrial e reduzir morte, AVC ou sangramento.
A resposta foi simples: não trouxe benefício em relação ao cuidado padrão. Um lembrete de que nem todo biomarcador validado em coortes se traduz em mudança de prática.
Dia 3
¡Hala Madrid! Depois que o fim do Dia 2 foi marcado não por um grande trial, mas pelo completo esvaziamento do congresso com a migração em massa da população cardiológica para o jogo do Real Madrid, todos chegaram renovados para o terceiro dia.
E como se fosse uma partida no Santiago Bernabéu, as Hot Lines do dia também tiveram seus craques em campo.
Se Vini Jr brilhou na noite anterior em Madrid, no centro de convenções foram outros brasileiros que arrancaram aplausos: o NEO-MINDSET, liderado pelo Dr. Pedro Lemos, roubou os holofotes.
O trial testou uma pergunta provocadora: será que dá para abandonar a aspirina já na alta do IAM, mantendo apenas um P2Y12 potente?
O resultado foi ambíguo: a estratégia não foi não-inferior para isquemia, mas reduziu quase 60% os sangramentos.
Uma “empate” que nos mostra que talvez ainda não seja a hora de abandonarmos a nossa boa e velha de guerra aspirina.
Na mesma linha, o TARGET-FIRST, publicado no NEJM, mostrou que em pacientes com IAM de baixo risco, retirar aspirina após 1 mês foi não-inferior a manter a dupla, e ainda reduziu significativamente os sangramentos.
Dois estudos, duas nuances: talvez a chave seja selecionar bem quem pode se beneficiar dessa simplificação.
Ainda no território da antitrombose, o DUAL-ACS trouxe um dado disruptivo: em mais de 5 mil pacientes com IAM, 3 meses de DAPT foram comparados a 12 meses.
O encurtamento não aumentou eventos isquêmicos e ainda sinalizou menos mortes e sangramentos.
E no cenário mais dramático, o DAPT-SHOCK-AMI mostrou que, em pacientes em choque cardiogênico, o cangrelor IV foi capaz de inibir plaquetas de forma imediata, com segurança semelhante e até um sinal de menor mortalidade em 12 meses.
E quando o assunto é revascularização, o OPTION-STEMI trouxe a resposta para um dilema clássico do STEMI multiarterial: fazer tudo na hora ou esperar alguns dias na mesma internação?
O estudo mostrou equivalência: a revascularização imediata não foi inferior, mas também não foi superior à estadiada.
Ou seja, seguimos com espaço para decisão individualizada, levando em conta risco e estabilidade do paciente.
Fora da coronária, dois trabalhos merecem destaque:
O AQUATIC trial jogou luz sobre pacientes em anticoagulação crônica com stents antigos e alto risco aterotrombótico: manter aspirina junto com o anticoagulante aumentou mortalidade, eventos cardiovasculares e sangramentos.
A mensagem é dura e clara: nesse cenário, menos é mais.
Já o SWEDEPAD 2, com mais de mil pacientes com claudicação intermitente, mostrou que os balões e stents revestidos com paclitaxel não melhoraram qualidade de vida em 1 ano e, pior, estiveram associados a maior mortalidade em 5 anos.
E para fechar o giro, o ALONE-AF trial trouxe possivelmente um dos resultados mais comentados do congresso: em pacientes sem recorrência de FA por pelo menos um ano após ablação, suspender anticoagulação foi melhor do que manter.
Em dois anos de seguimento, houve menos eventos combinados de AVC, embolia sistêmica e sangramento maior no grupo que parou, sem aumento de risco trombótico. Um divisor de águas no pós-ablação, que promete chacoalhar a prática.
Dia 4
Rolê aleatório. Com certeza é o que define o 4º e último dia de congresso.
Desde a ilustre presença do Rei da Espanha, Felipe VI (a agenda anda tão tranquila que deu tempo de assistir a uma aula de cardiologia rs), até o uso de um “marcapasso seminovo” e as velhas polêmicas do Entresto, realmente ninguém se sentiu entediado.
E começamos por onde? Pela hipertensão na África do Sul. O estudo IMPACT-BP, publicado no NEJM, testou um modelo de cuidado domiciliar em áreas rurais, com monitorização feita por agentes comunitários de saúde e suporte remoto de enfermeiros.
O resultado foi impressionante: queda de até 9 mmHg na PAS e taxas de controle superiores a 80% em 12 meses.
Um recado forte para países de baixa e média renda: levar o cuidado para dentro de casa pode ser mais efetivo que esperar o paciente vir até a clínica.
Do outro lado da Europa, a Suécia resolveu testar se valia a pena rastrear Helicobacter pylori após infarto. O HELP-MI SWEDEHEART randomizou quase 20 mil pacientes, mas o screening não reduziu o risco de sangramento gastrointestinal.
Houve, sim, benefício em subgrupos de pacientes com anemia, mas a mensagem final é clara: rastrear H. pylori de rotina no pós-IAM não deve entrar para as diretrizes.
O destaque latino-americano veio com o PARACHUTE-HF, primeiro trial prospectivo em insuficiência cardíaca por doença de Chagas. Foram mais de 900 pacientes randomizados entre enalapril e sacubitril/valsartana.
O Entresto levou a melhor: reduziu NT-proBNP em 32% nas 12 primeiras semanas e apresentou maior probabilidade de benefício no desfecho composto. Pela primeira vez, uma evidência robusta apoia o uso de terapias modernas nessa população historicamente negligenciada.
Polêmico, forçou a barra, é bom mesmo?… O que não faltam são críticas a esse estudo. Não se preocupe que no episódio do DozeCast traremos todas as nuances por trás de mais uma polêmica do Entresto.
Já o que parecia ficção científica foi realidade no Project My Heart Your Heart: implantar marcapassos recondicionados em países de baixa renda. Em sete países, mais de 300 pacientes receberam dispositivos reaproveitados ou novos, e as taxas de infecção e mau funcionamento foram iguais. Um passo gigante para a equidade global em saúde.
No campo da antitrombose no pós-CABG, dois trabalhos movimentaram o debate. O TACSI trial, no NEJM, comparou aspirina isolada versus dupla com ticagrelor após cirurgia por SCA. Resultado? Nada de benefício isquêmico adicional e, como esperado, mais sangramento. Já o TOP-CABG, chinês e igualmente robusto, mostrou que três meses de dupla terapia seguidos de monoterapia com aspirina mantêm a perviedade dos enxertos e reduzem sangramento em relação a 12 meses de DAPT.
Dois recados práticos: ticagrelor não se firmou no pós-CABG, mas encurtar a DAPT pode ser o caminho.
Aguardem que vem mais por aí
Ficamos por aqui, meus amigos!
🎙️ Caso vocês ainda queiram ouvir mais novidades do congresso da ESC 2025, teremos um episódio especial do DozeCast com todas as aguardadas polêmicas, novidades e potenciais mudanças e diretrizes. Aguardem!