CHAGASICS: orgulho brasileiro no mundo das arritmias
Ensaio clínico randomizado (JAMA)
Brasil IMPARÁVEL.
Além da seleção brasileira de futsal levar o caneco mundial, os cientistas brasileiros não param de dar as caras em revistas importantes internacionais.
É um hat-trick de destaque para publicações brasileiras na Doze.
É a vez do estudo CHAGASICS (quer falar de Chagas, fale com o Brasilzinho rs), que avaliou o benefício do cardiodesfibrilador implantável (CDI) quando comparado à amiodarona em pacientes chagásicos com escore de Rassi elevado.
Calma, vamos lembrar a você do escore de Rassi:
Ele prediz o risco de morte por todas as causas na cardiopatia chagásica a partir de 6 variáveis:
Classe funcional NYHA III ou IV = 5 pontos;
Cardiomegalia no RX de tórax (índice cardiotorácico > 0,5) = 5 pontos;
Alteração segmentar ou global da contratilidade do VE = 3 pontos;
Taquicardia ventricular não-sustentada (TVNS) no HOLTER = 3 pontos;
Baixa voltagem de QRS (≤ 0,5 mV em todas as derivações do plano frontal) = 2 pontos;
Sexo masculino = 2 pontos.
A partir daí, dividimos os pacientes em:
Baixo risco = 0-6 pontos (mortalidade em 10 anos em torno de 10%);
Risco intermediário = 7-11 pontos (mortalidade em 10 anos em torno de 44%);
Alto risco = 12-20 pontos (mortalidade em 10 anos em torno de 84%)
No CHAGASICS foram incluídos pacientes com cardiopatia chagásica, escore de Rassi ≥ 10 pontos e histórico de TVNS, randomizados para receber o CDI x amiodarona.
O estudo foi aberto e multicêntrico, e incluiu 323 pacientes no período entre maio de 2014 a agosto de 2021, para avaliação de um desfecho primário de morte por todas as causas; e desfechos secundários de morte súbita cardíaca, hospitalização por IC e necessidade de marca-passo.
Infelizmente, foi encerrado prematuramente por questões administrativas, mas mantém valor exploratório.
Vamos aos resultados:
Após um follow-up médio de 3,6 anos, não houve diferença no desfecho primário entre os grupos: CDI 38,2% x 38,6% (HR 0,86 [95% CI, 0,60-1,22]; p = 0.40).
Já em relação aos desfechos secundários, notou-se no grupo do CDI:
Menor morte súbita cardíaca: 6 [3,8%] vs 23 [13,9%] (p = 0,001).
Menos casos de bradicardia com necessidade de marca-passo: 3 [1,9%] vs 27 [16,3%] (p < 0,001);
Menor hospitalização por IC: 14 [8,9%] vs 28 [16,9%] (p=0,01).
Bem, amigos da DozeNews, apesar da mortalidade geral não apresentar diferença entre os grupos, aparentemente há benefícios envolvidos no implante do CDI que necessitam de outros estudos para serem confirmados.
Vamos ficar atentos a repercussão deste belo trabalho com assinatura brasileira.
🎙Vale lembrar que temos DozeNews Prime e DozeCast com as novas orientações da diretriz brasileira de Doença de Chagas.
O futuro da avaliação de arritmias
Coorte (JACC)
Não só no mundo da doença de Chagas, mas a indicação do implante de CDI para a prevenção de morte súbita nas cardiopatias não-isquêmicas ainda é motivo de debate.
🔍 Vamos à indicação presente na última diretriz brasileira de dispositivos:
O implante do CDI é indicado na cardiopatia não-isquêmica em pacientes com FEVE ≤ 35%, tratamento clínico otimizado, CF NYHA II-III e expectativa de vida >1 ano - indicação I B
No entanto, estudos como o DANISH e o SCD-HEFT deixam dúvidas quanto ao real benefício da indicação do CDI no cenário da cardiopatia não-isquêmica baseado apenas na FEVE.
Perceba o poder que a FEVE sozinha tem na indicação do implante de um dispositivo com tantas consequências (risco de choque inapropriado, infecção, custos).
Será que temos outros parâmetros capazes de predizer melhor esse risco de arritmias?
Um estudo publicado no JACC procurou avaliar se a quantificação da fibrose miocárdica total (TF) e da fibrose em zona cinzenta (GZF), avaliadas por meio de ressonância magnética cardiovascular (RMC), são melhores preditores de arritmias ventriculares (VAs) em pacientes com cardiomiopatia não isquêmica (NICM) do que a boa e velha FEVE.
Para isso, incluíram 1714 indivíduos recrutados de duas coortes (derivação e validação). Esses pacientes tinham dilatação ou disfunção ventricular esquerda, sem histórico de DAC obstrutiva ou IAM.
Após um seguimento médio de 7,6 anos, notou-se que a estratificação visual da presença de fibrose miocárdica já foi um bom preditor da ocorrência de eventos.
Quando avaliado de forma quantitativa, incluindo a massa de fibrose total e a GZF, foi ainda melhor: pacientes com maior massa de fibrose (>10g de fibrose total) apresentaram um risco muito mais elevado de eventos arrítmicos e morte súbita (HR: 9,17; 95% CI: 4,64-18,1).
Em comparação, a classificação apenas pela FEVE (< 35%) mostrou-se um preditor ruim de eventos.
Esses resultados sugerem que a avaliação da fibrose miocárdica via RMC possa ser uma melhor alternativa na estratificação de risco arrítmico em pacientes com NICM, superando a FEVE na tomada de decisão para implantes do CDI.
Será que podemos aguardar, em um futuro próximo, estudos randomizados para avaliar a indicação do CDI baseada nesse parâmetro?

👀 Olho no detalhe:
Já que falamos da cardiopatia chagásica, outro belo estudo brasileiro assinado pelo Dr Tiago Senra já havia demonstrado que a fibrose miocárdica, seja como variável contínua ou dicotômica (utilizando como ponto de corte 12,3 g), é importante preditora de eventos cardiovasculares independente da função ventricular e do escore de Rassi.
A evolução da aterosclerose
Coorte (JACC)
Prevemos arritmias, mas e a aterosclerose?
Será que quantificação da extensão e progressão da aterosclerose, especialmente na artéria carótida, em indivíduos assintomáticos, pode prever de forma independente a mortalidade por todas as causas, além dos fatores de risco cardiovascular tradicionais?
O estudo de Valentin Fuster, publicado no JACC, teve como objetivo responder essa dúvida antiga!
A pesquisa envolveu mais de 5.700 adultos assintomáticos que foram avaliados por ultrassonografia vascular para medir a carga de placas nas carótidas (cPB) e por tomografia computadorizada para calcular o escore de cálcio coronariano (CAC).
O acompanhamento mediano foi de 12,4 anos, durante o qual 16% dos participantes faleceram.
Os resultados demonstram que tanto a carga de aterosclerose subclínica quanto sua progressão estão independentemente associadas à mortalidade por todas as causas, mesmo após ajustes para fatores de risco cardiovascular convencionais, como diabetes e hipertensão.
A avaliação da cPB, em particular, mostrou-se mais eficaz que o escore de cálcio em prever a mortalidade.
O estudo também destaca que a progressão da cPB, medida por ultrassonografia em um subgrupo reavaliado após 8,9 anos, aumentou significativamente o risco de mortalidade.
Esses achados sugerem que a identificação precoce e o monitoramento da progressão da aterosclerose subclínica, especialmente nas carótidas, podem aprimorar a prevenção cardiovascular, permitindo intervenções mais direcionadas e acompanhamento mais próximo de pacientes em risco.
Café x chá
Caiu na Mídia
A discussão milenar acerca dos benefícios ou malefícios da cafeína na saúde ganha um novo capítulo e um novo desafiante: o chá.
Uma matéria publicada no jornal O Globo divulgou os resultados de um grande estudo que avaliou os desfechos cardiovasculares naqueles que bebiam café ou chá.
Os resultados fazem parte do grande registro de caso-controle INTERSTROKE, que incluiu mais de 27.000 pacientes de 32 países internados por AVC e avaliou os fatores de risco para a ocorrência do evento.
Os pesquisadores descobriram que beber quatro ou mais xícaras de café por dia aumentava o risco de derrame em 37%. No entanto, beber a mesma quantidade de qualquer tipo de chá reduzia o risco em 19%.
É claro que os conhecedores de chá estão pensando “mas e qual o tipo de chá? Com certeza não são todos iguais!” (com sotaque britânico, óbvio rs).
E estão certos! Chás pretos, como o Earl Grey e English Breakfast, tiveram o menor risco geral de derrame em 29%, enquanto o chá verde levou a uma redução de 27% no risco.
Além disso, foi realizado o ajuste para os demais fatores de risco, como sexo, idade e tabagismo, mantendo-se os resultados.
A gente já sabe: é um estudo susceptível a diversos vieses sem que possamos levá-lo como verdade absoluta para a nossa prática.
Talvez a grande questão dessa associação entre o café e a ocorrência do AVC esteja no fato de que essa população que consome uma quantidade excessiva dessa bebida possua também um estilo de vida que predispõe à evolução com esses eventos. Assim, o estudo funciona como alerta para identificarmos os pacientes que precisamos ter um cuidado mais próximo de prevenção.
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🗞️ E na onda da Finerenona…. FINEARTS-HF trial. Isso mesmo, saiu a publicação do estudo tão divulgado no ESC24. Leia na íntegra!
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