O ACLS 2025
E mais: devemos interromper a anticoagulação após ablação da FA? Qual a evidência para a abordagem da EAo assintomática?
Você verá nesta edição:
🫀 ACLS 2025 - as novidades da nova diretriz de ressuscitação cardiopulmonar.
⚡️ALONE-AF - é hora de interrompermos a anticoagulação pós-ablação de FA?
📚 EAo grave assintomática - artigo de revisão de JACC revisa as evidências para abordagem precoce.AHA 2025: o ACLS nunca mais será o mesmo
Guideline (AHA)
Sempre que chega a atualização do treinamento do ACLS, bate aquela sensação de “mais do mesmo”, né? Pois é… não dessa vez.
A AHA veio para causar com o novo 2025 Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation (CPR) and Emergency Cardiovascular Care (ECC), um documento robusto, cheio de ajustes que realmente mexem com a nossa prática.
Bora destrinchar o que há de novo no BLS e ACLS dos adultos, além dos cuidados pós-PCR e das situações especiais.
BLS em adultos: um “tapinha” não dói?
Sabe aquele momento em que o colega engasga e você, num misto de desespero e heroísmo (ou na mais pura violência gratuita), desce aquele tapão nas costas? Agora você está respaldado pela ciência rs.
A diretriz atualizou o manejo da obstrução de vias aéreas: comece com os back blows (tapinhas nas costas), seguidos das compressões abdominais em ciclos de 5 golpes e 5 compressões, repetidos até o corpo estranho ser expelido (ou até o paciente perder a consciência).
Se o paciente desmaiar, inicie a PCR imediatamente e verifique a cavidade oral antes das ventilações.

Outros pontos práticos que valem lembrar:
Ventilação: continua valendo a combinação compressão + respiração. O importante é garantir elevação visível do tórax.
Feedback em tempo real: dispositivos de monitoramento de profundidade e frequência de compressão agora são recomendados (Classe 2a).
CPR em posição prona: permitida se virar o paciente atrasar o início das compressões.
ACLS em Adultos: choque certeiro
As mudanças no ACLS 2025 vêm com um tom pragmático e tecnológico:
Cardioversão de FA/flutter: chega de “começar de leve”, a recomendação agora é iniciar com 200 J.
TV Polimórfica: não perca tempo, desfibrilação imediata é a regra (magnésio, amiodarona e afins vêm depois).
Desfibrilação com mudança de vetor e dupla sequencial: entrou no radar para os ritmos chocáveis após 3 ou mais choques consecutivos, mas ainda experimental (Classe 2b).
Cuidados Pós-PCR: sobreviver é só o começo.
A fase pós-ressuscitação ganhou destaque próprio. As novas recomendações reforçam:
Pressão arterial: a hipotensão deve ser evitada em adultos após o RCE, mantendo uma PAM mínima de pelo menos 65 mmHg.
Neuroprognóstico: pode ser aceitável a realização de um EEG contínuo com atividade de base e sem descargas nas primeiras 72 horas após a PCR para apoiar o prognóstico de desfecho neurológico favorável em pacientes adultos que permanecem em coma após o RCE.
Intervenção coronária percutânea para adultos após PCR: é recomendada antes da alta hospitalar em sobreviventes de PCR adultos com suspeita de etiologia cardíaca.
Situações Especiais: nem toda parada é igual.
O capítulo mais novo da diretriz traz protocolos específicos, e alguns merecem destaque:
Gravidez: deslocamento manual do útero sempre que o fundo estiver acima do umbigo e parto cesáreo em até 5 minutos se PCR.
Opioides: naloxona liberada para todos (leigos, socorristas e profissionais).
Dispositivos de assistência ventricular: ausência de pulso não significa ausência de fluxo, verifique perfusão por temperatura, cor e enchimento capilar antes de iniciar compressões.
ECPR (ressuscitação com ECMO): ganha força em causas potencialmente reversíveis, como embolia pulmonar e overdose (recomendação 2a).

PARE!
Ensaio clínico randomizado (JAMA)
“Até quando você vai mandar e mudar minha vida?”
Pode até ser uma música de Zezé Di Camargo & Luciano, mas também é o questionamento do paciente com FA ao anticoagulante!
O estudo ALONE-AF procurou mudar esse domínio. Apresentado no ESC 2025 e publicado no JAMA, ele trouxe uma provocação importante à prática clínica: será que pacientes sem recorrência de FA após ablação realmente precisam manter anticoagulação por tempo indefinido?
Foram 840 pacientes (média de 64 anos, CHA₂DS₂-VASc médio de 2,1) randomizados em 18 hospitais na Coreia do Sul. Todos estavam sem recorrência documentada de FA por pelo menos 1 ano após a ablação. Eles foram divididos em dois grupos:
Descontinuar anticoagulação (n=417);
Manter anticoagulação com DOAC (n=423).
O seguimento foi de 2 anos. E aqui estão os principais resultados:
Desfecho primário (AVC, embolia sistêmica ou sangramento maior);
0,3% no grupo que descontinuou anticoagulação;
2,2% no grupo que manteve anticoagulação.
→ Diferença absoluta: –1,9% (p = 0,02).
AVC isquêmico: 0,3% vs 0,8%
Sangramento maior: 0% vs 1,4%
Nenhum paciente morreu durante o seguimento.
Ou seja: parar o anticoagulante foi mais seguro, sem aumento de eventos isquêmicos.
O ALONE-AF desafia a recomendação atual das diretrizes, que orientam manter anticoagulação indefinidamente em pacientes com risco tromboembólico mesmo após ablação bem-sucedida.
Os resultados sugerem que, na ausência de recorrência de FA documentada e com monitoramento adequado, a suspensão da anticoagulação pode reduzir o risco de sangramento sem elevar o risco de AVC.
⚠️ Claro, o estudo tem limitações: população asiática, número baixo de eventos e uso de monitorização intermitente (HOLTER semestral). Ainda assim, é um passo importante rumo à individualização da terapia pós-ablação.
A decisão de manter ou suspender anticoagulação após ablação da FA é uma das áreas mais “cinzentas” da cardiologia atual. O ALONE-AF adiciona luz a essa discussão.
Libertinagem ou sobriedade terapêutica?
Estudo de revisão (JACC)
Você é do tipo que segue o protocolo à risca ou prefere o “jeitinho clínico” baseado em cada paciente? Se a resposta é a segunda opção, essa edição é pra você.
Tratar valvopatias nem sempre cabe nos fluxogramas. E quando falamos em estenose aórtica importante assintomática, o debate entre esperar ou intervir cedo voltou à tona, e com força.
O artigo de revisão do JACC Advances reuniu os quatro grandes estudos que testaram a intervenção precoce versus o manejo conservador:
RECOVERY – cirurgia precoce em pacientes com EAo “muito severa”;
AVATAR – cirurgia em assintomáticos com FEVE normal e teste ergométrico negativo;
EVOLVED – intervenção guiada por marcadores de fibrose miocárdica;
EARLY TAVR – prótese transcateter em pacientes ≥65 anos, sem sintomas, mas com EAo importante.
Os resultados?
Menos hospitalizações e AVCs nos grupos de intervenção precoce.
Sem diferença em mortalidade geral ou cardiovascular.
Baixíssima taxa de morte súbita nos pacientes bem acompanhados clinicamente.
Ou seja: o risco de esperar é menor do que imaginávamos, desde que haja follow-up rigoroso e um Heart Team afiado.
Quando pensar em intervir antes?
É verdade que o diagnóstico de estenose aórtica pode levar o paciente a uma morte súbita. Porém, os assintomáticos acompanhados de perto apresentam baixas taxas de ocorrência de MS e mortalidade por todas as causas (como vimos nos resultados dos estudos). Assim, pode-se pensar em intervir em um momento futuro.
O momento ideal ainda é fonte de muito debate. Hoje compreendemos que pacientes com marcadores de gravidade ou que iniciaram sintomas apresentam indicação precisa. Os principais marcadores que reforçam a indicação em assintomáticos:
EAo crítica (Vmáx > 5 m/s, gradiente médio > 60 mmHg ou área < 0,7 cm²);
FEVE < 50%;
BNP > 3x o valor normal ajustado por idade e sexo.
Nestes cenários, a indicação de intervenção precoce parece ser mais precisa e proporcionar maior benefício. Além disso, cerca de 20% ao ano apresentaram desenvolvimento de sintomas. Fique atento!
O que aprendemos (de verdade):
O recado é simples: “nem 8 nem 80”. Podemos acompanhar com segurança os pacientes assintomáticos, desde que com reavaliação clínica, ecocardiograma e BNP a cada 6 meses.
Por outro lado, pacientes com marcadores de gravidade ou dificuldade de seguimento se beneficiam de intervenção precoce, seja cirúrgica (SAVR) ou percutânea (TAVR).
O artigo reforça a importância e mudança de resultados de acordo com os resultados cirúrgicos dos centros.
E a Doze por Oito reforça: e das TAVRs também! A TAVR também apresenta seus riscos e resultados diferentes em cada centro.
🎙️ Para finalizar, deixamos a dica do DozeCast #198 sobre as atualizações da diretriz europeia de valvopatias 2025, que contou com a participação do Dr. Vitor Emer sob a batuta do Diandro Mota e do Mateus Prata. IMPERDÍVEL!
Fique por dentro
🔥 A inflamação (re)entra em cena: a síndrome pós-lesão cardíaca está mais presente do que nunca. Revisão publicada no JACC destaca que o aumento das intervenções cirúrgicas e transcateter, cresce também a relevância clínica da PCIS, termo que agrupa pericardites pós-IAM, pós-cirurgia e traumáticas.
🦠 iSGLT2: infecção urinária é preocupante? Devemos suspender a medicação? Os pacientes com ITU apresentam mais desfechos cardiovasculares e renais, MAS a suspensão dos iSGLT2 piora o prognóstico desses pacientes, sem diminuir a ocorrência de ITU futura.
🇪🇺 EuroFontan Registry: qual o prognóstico dos pacientes submetidos a cirurgia de Fontan nos países europeus?
🛡️ TAVR precoce protege o coração mesmo sem sintomas! Subanálise do estudo EARLY TAVR, publicado no JACC, mostra que a intervenção precoce em pacientes com estenose aórtica severa assintomática oferece benefício clínico independente do estado basal do ventrículo esquerdo.
⌚️ Reabilitação cardíaca digital: conectando o coração ao futuro. Revisão destaca como ferramentas digitais, de aplicativos a inteligência artificial, estão transformando a reabilitação cardíaca ao torná-la mais acessível, eficaz e sustentável.
🩸 Aspirina + anticoagulante? Pode ser perigoso. O estudo AQUATIC, apresentado no ESC 2025 e publicado no NEJM, demonstrou que, em pacientes com síndrome coronariana crônica, adicionar aspirina à anticoagulação aumentou eventos cardiovasculares, sangramentos e mortalidade. O estudo foi interrompido precocemente por segurança.
☀️ Frio ou calor extremos podem ser fatais na insuficiência cardíaca (na Suécia)! Estudo nacional com mais de 250 mil pacientes mostrou que temperaturas ambientais muito baixas ou muito altas aumentam o risco de morte, especialmente por causas cardiovasculares.
💪🏼 Coração de atleta ou início de cardiomiopatia arritmogênica? Revisão detalhada publicada no JACC aborda o desafio diagnóstico entre o remodelamento cardíaco fisiológico e sinais precoces de ACM, condição hereditária com risco de morte súbita induzida por exercício intenso.
🔎 Rastreamento domiciliar de FA funciona, mas será que vale o esforço? Em ensaio clínico britânico com mais de 5 mil idosos de alto risco, o uso de patch de ECG por 14 dias aumentou modestamente o diagnóstico de fibrilação atrial em 2,5 anos (6,8% vs 5,4%). Também houve maior uso de anticoagulação, mas sem impacto significativo na taxa de AVC. O estudo levanta a discussão: pequenos ganhos diagnósticos justificam a estratégia populacional?





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