Na edição de hoje:
🚨 Os reais impactos dos anabolizantes no coração em Coorte do Circulation.
🔬 CLEAR Trial: colchicina e espironolactona no IAM, será que entregaram o que prometiam?
⚡ Extrassístoles e cardiomiopatia: culpadas ou apenas coadjuvantes?
💊 Dapagliflozina grátis no SUS: a maior vitória da IC nos últimos anos!
Comprando o shape no boleto
Coorte (Circulation)
A busca incessante pelo corpo perfeito tem atravessado os limites do saudável e feito cada vez mais pessoas se submeterem ao uso dos esteroides anabolizantes.
No entanto, o que nem todo mundo conta é que esse boost pode vir com um boleto cardiovascular daqueles — e sem direito a parcelamento.
Publicado esta semana no Circulation, uma grande coorte acompanhou 1.189 usuários de esteroides por 11 anos e comparou com quase 60 mil indivíduos da população geral. Os resultados foram tão impactantes quanto um deadlift mal executado:
IAM → 3x mais comum em quem usa esteroides;
Revascularização coronariana → 3x mais risco;
Trombose venosa profunda e embolia pulmonar → 2,4x mais risco;
Arritmias → 2,2x mais risco;
Cardiomiopatia → Quase 9x mais risco;
Insuficiência cardíaca → 3,6x mais risco.
Ou seja, enquanto por fora o cara pode parecer uma estátua grega esculpida, por dentro o coração pode estar pedindo socorro.
Os esteroides anabolizantes turbinam o músculo do jeito errado. Em vez de fortalecer o coração, eles podem:
Fazer o músculo cardíaco crescer de forma desorganizada, gerando arritmias.
Piorar o colesterol (reduz o HDL e eleva o LDL), acelerando a aterosclerose.
Aumentar a viscosidade do sangue, aumentando a propensão à trombose.
Aumentar a inflamação e rigidez arterial, facilitando infartos e AVCs.
Se você conhece alguém que usa ou pensa em usar anabolizantes, a real é: o preço pode ser muito maior do que parece.
O shape vem e vai, mas um infarto ou insuficiência cardíaca cobram um preço definitivo.
O estudo é CLEAR, mas os benefícios não são
Ensaio Clínico Randomizado (NEJM)
Nos inspiramos no “ateroma ou maratona” da última DozeNews Prime nesse título rs.
Quando falamos de infarto agudo do miocárdio (IAM), qualquer estratégia que prometa reduzir eventos cardiovasculares merece atenção.
O estudo CLEAR, publicado no NEJM, testou duas intervenções bem conhecidas – colchicina e espironolactona – em um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e com desenho fatorial 2x2.
Sim, você já ouviu falar dele. Foi apresentado nos congressos do TCT e da AHA em 2024.
Spoiler alert: nenhuma das duas terapias conseguiu entregar o impacto esperado.
E os estudos?
Foram incluídos mais de 7.000 pacientes que sofreram um IAM e passaram por angioplastia, randomizados para receber colchicina x placebo e espironolactona x placebo, com um seguimento mediano de 3 anos.
Colchicina: a decepção do anti-inflamatório
A colchicina tem sido testada como uma arma contra a inflamação residual no pós-IAM, mas no estudo CLEAR não fez diferença no desfecho primário (morte cardiovascular, IAM recorrente, AVC ou revascularização não planejada).
Eventos primários: 9,1% no grupo colchicina vs. 9,3% no placebo (HR 0,99; P = 0,93);
Redução da PCR em 3 meses (ou seja, efeito anti-inflamatório presente);
Mais diarreia no grupo colchicina (10,2% vs. 6,6%), mas sem aumento de infecções graves.
Ou seja, reduziu a inflamação, mas sem impacto clínico real. O que levanta a pergunta: será que a inflamação é realmente um alvo terapêutico relevante no pós-IAM?
Espironolactona: outro tiro na trave
Antagonistas da aldosterona já mostraram benefícios na IC com fração de ejeção reduzida (ICFER), mas seu papel no pós-IAM sem IC era incerto. Agora temos a resposta: espironolactona também falhou em reduzir eventos.
Eventos primários: 7,9% no grupo espironolactona vs. 8,3% no placebo (HR 0,96; P = 0,60);
Nenhuma diferença significativa em morte cardiovascular ou nova IC;
Maior incidência de hiperpotassemia e ginecomastia
Na prática, o estudo CLEAR mostrou que nem colchicina nem espironolactona devem ser adotadas como rotina no pós-IAM sem IC.
💎 Clear as crystal: não basta apenas reduzir a inflamação ou mexer na aldosterona – precisamos de estratégias com impacto clínico real.
Extrassístoles ventriculares: vilãs ou apenas figurantes na cardiomiopatia?
Coorte (JACC)
Extrassístoles ventriculares (EVs) sempre levantaram suspeitas sobre sua relação com a disfunção miocárdica. Uma densidade > 10-20% no Holter sempre nos motivou a prescrever um betabloqueador, não é mesmo?
Mas um estudo recente, com mais de 30 mil monitorizações ambulatoriais, traz uma perspectiva diferente. 🩺
Os pesquisadores analisaram pacientes com ≥5% de EVs em registros de 24 horas, correlacionando esses dados com ecocardiogramas realizados no intervalo de até três meses.
Para definir cardiomiopatia, consideraram LVEF <50%. Ajustando variáveis clínicas, não encontraram associação significativa entre o percentual de EVs e a redução da fração de ejeção.
Um detalhe que a densidade média de EVs chegou a 12,4%. Já a FEVE média ficou em 55,6%. Apesar de 22,9% dos participantes apresentarem FEVE abaixo de 50%, a correlação direta com a densidade de EVs não se confirmou.
Esses achados desafiam estudos anteriores que apontavam para um efeito prejudicial das EVs em excesso na contratilidade do miocárdio.
Claro, outros fatores — como comorbidades, hipertensão, diabetes e cardiopatias estruturais — podem ter papel mais determinante na evolução para miocardiopatia.
A principal mensagem é que, isoladamente, a carga elevada de EVs pode não prever, por si só, o desenvolvimento de cardiomiopatia. Isso reforça a importância de individualizar a abordagem, avaliando sintomas, comorbidades e todo o perfil clínico do paciente.
Pequena vitórias, grandes desfechos
Caiu na Mídia
O Programa Farmácia Popular, velho conhecido de todos, e que há anos garante acesso a medicamentos essenciais, agora terá 100% de gratuidade para todos os seus 41 itens. Mas o grande destaque para a cardiologia e endocrinologia é a entrada da dapagliflozina no rol de medicamentos gratuitos!
O anúncio foi feito pelo Ministério da Saúde e já entra em vigor imediatamente. Além do inibidor da SGLT2 passa a incluir também as fraldas geriátricas, além de útil arsenal de medicações para controle da asma, DM, HAS, IC, contracepção oral, osteoporose e dislipidemia.
É festa na cardiologia, endrino e nefrologia! A inclusão da dapagliflozina na Farmácia Popular representa não só uma vitória no tratamento da IC (agora o programa fornece opções para o "quarteto fantástico” completo), como também na DM (previamente as únicas opções eram metformina, glibenclamida ou insulina 🫠) e também para a doença renal crônica.
Basta apresentar documento de identidade e receita médica em qualquer farmácia credenciada ao programa. Atualmente, o Farmácia Popular já atende 97% da população brasileira, e novas farmácias estão sendo credenciadas para ampliar ainda mais essa cobertura.
A inclusão da dapagliflozina no Farmácia Popular representa um marco na acessibilidade aos tratamentos cardiovasculares e metabólicos. Se antes a limitação era o custo, agora não há mais desculpa para deixar esse game changer de fora do tratamento.
Imagem da semana
Belíssimo vídeo de cateterismo cardíaco com origem anômala das coronárias. Notem os óstios separados das artérias DA, circunflexa e CD com origem no seio direito. Para não restar dúvidas, ainda podemos observar uma injeção no seio esquerdo que mostra que tem nenhuma coronária origina-se dele.
Tour pelas demais publicações
💊 Ezetimibe + estatina moderada: alternativa viável? – Meta-análise demonstrou que em pacientes com histórico de doença cardiovascular, a estratégia alternativa para baixar o LDL com estatina moderada + ezetimibe ou terapia alvo teve eficácia similar às estatinas de alta intensidade, com menos diabetes novo e melhor tolerância.
🩸 Varfarina na FA: quem tem mais risco? – Coorte brasileira mostrou que tromboembolismo ou sangramento prévios, TFG < 45, tempo na faixa terapêutica reduzido e átrio esquerdo dilatado aumentam o risco de eventos em pacientes com FA usando AVK. Monitorização rigorosa é essencial!
🧈 Uma bela revisão sobre a nova vilã da aterosclerose. Extremamente aterogênica, a Lp(a) promove inflamação e trombose na placa. Testagem única identifica pacientes de alto risco, e novos tratamentos promissores estão em fase 3.
⚡ Ablação na FA: sucesso agudo ≠ sucesso a longo prazo – Estudo com machine learning mostrou que a resposta imediata à ablação reflete a eletricidade do átrio, enquanto o sucesso a longo prazo depende mais de fatores clínicos e estilo de vida. Preditores ainda são um desafio!
💪🏽 As diferentes linhas para o manejo da CMH (cirúrgica, medicamentosa ou intervencionista) em uma interessante revisão do Circulation.
🚑 UTI cardiológica: evolução e desafios. O Circulation nos apresenta um interessante consenso acerca das unidades focadas em IAM até os centros de suporte avançado. As UTIs cardíacas são avaliadas sob a ótica das novas tecnologias e desafios na formação médica.
🪫 A era da TAVI em pacientes de baixo risco? Análise do TVT Registry mostrou que pacientes <65 anos submetidos a TAVR têm mais comorbidades e maior mortalidade e reinternação em 1 ano do que aqueles entre 65-80 anos. Decisão precisa ser bem individualizada!
🪢 Problema para os hemodinamicistas: revisão do JACC sobre o tratamento da subexpansão dos stents.
🤖 IA generativa na pesquisa clínica: avanço ou desafio? – Think tank do Duke Clinical Research Institute destacou que a IA pode automatizar processos e melhorar ensaios clínicos, mas enfrenta barreiras técnicas, éticas e regulatórias. Colaboração será essencial para o futuro.