Obesidade em foco
Da nova diretriz da ACC às novidades do congresso da ADA 2025, os olhos da cardiologia se voltam para o tratamento da obesidade
Breaking news do front cardiometabólico
Diretriz ACC
O American College of Cardiology (ACC) acaba de lançar um documento histórico: “2025 Concise Clinical Guidance: Medical Weight Management for Optimization of Cardiovascular Health”.
A tradução livre seria algo como: “Gestão Médica do Peso para Otimização da Saúde Cardiovascular” — mas, cá entre nós, podemos chamar isso de “Manual Oficial do Cardiologista Metabólico do Futuro”.
O recado é claro: quem cuida de coração, precisa cuidar de gordura.
Obesidade deixou oficialmente de ser só um “fator de risco”. É DOENÇA. E tratar obesidade é tratar DOENÇA CARDIOVASCULAR. Simples assim.
Por que isso importa pra gente?
Obesidade triplica risco de insuficiência cardíaca, dobra risco de fibrilação atrial e acelera o ticking clock da aterosclerose.
Mais de 40% dos adultos nos EUA estão obesos. E, spoiler, o Brasil não fica muito atrás.
A boa e velha mudança de estilo de vida, sozinha, não dá conta do recado na maioria dos casos. Isso não é desmotivação, é fisiologia pura.
Entra em cena a geração de terapias NuSH (Nutrient-Stimulated Hormone):
GLP-1 (liraglutida, semaglutida);
GLP-1 + GIP (tirzepatida)
Não são “medicações para emagrecer”. São ferramentas para reduzir infarto, AVC, morte súbita, IC, FA e doença renal.
Quanto de peso você precisa perder pra impactar seu risco cardiovascular?
≥5%: ↓ incidência de DM2;
10–15%: ↓ MASLD, ↓ DM2, ↓ IC, ↓ RCV
≥20%: melhora potente de desfechos
≥25%: ↓ mortalidade geral
Dados que colocam na mesa qualquer cético de plantão:
SELECT Trial: Semaglutida 2,4mg ↓ risco de MACE em pacientes com DAC, SEM diabetes. Histórico!
SUMMIT Trial: Tirzepatida ↓ morte cardiovascular e ↓ hospitalização por IC em pacientes com HFpEF.
⚠️ Ponto crítico da diretriz:
Você não precisa “fracassar” na mudança de estilo de vida pra merecer medicação. Medicação + mudança de estilo de vida SEMPRE andam juntas.
📝 O resumo da ópera, direto do ACC: o manejo da obesidade é parte integrante do cuidado cardiovascular. Se você não trata obesidade, não está tratando adequadamente seu paciente cardiovascular.
Fim da lua de mel
Coorte (EHJ)
Não se vive só de lua de mel. Os mais experientes que o digam…
E na medicina, não é diferente: toda terapia nova começa com euforia, promessas, esperança, até que o tempo e a prática nos mostrem a outra face da moeda. É exatamente esse o momento que estamos vivendo com os inibidores de checkpoint imunológico (IIC).
Essas drogas revolucionaram o tratamento oncológico e mudaram o destino de muitos pacientes. Mas, junto com o benefício, vieram os efeitos colaterais, e a miocardite associada aos IIC virou o grande fantasma da cardio-oncologia moderna.
Publicado no European Heart Journal, o estudo do Registro Internacional de Miocardite por IIC, com dados de 14 centros entre 2014 e 2023, descreve a experiência com 748 pacientes e propõe um escore de risco clínico para prever desfechos graves.
E os números são de arrepiar:
Em 1 mês, 33% tiveram o desfecho composto (morte relacionada à miocardite, arritmias graves, falência respiratória ou IC).
13% morreram por cardiotoxicidade.
E a mortalidade geral chegou a 17%.
O modelo identificou os fatores de risco com maior peso:
Timoma ativo;
Sintomas cardiomusculares;
Baixa voltagem no QRS;
FE < 50%;
Troponina elevada.
Com esses dados, o escore conseguiu estratificar pacientes com risco de eventos graves entre 4% e 81% (!). Um salto enorme de precisão na hora de decidir quem observar mais de perto, quando suspender a droga, ou até quando recorrer ao suporte avançado.
💭 Pra refletir, Dozer:
A era da cardioncologia é real. E se antes o medo era o tumor, agora precisamos cuidar também do coração.
O novo escore pode ser uma bússola importante pra oncologistas e cardiologistas enfrentando as decisões difíceis que essa nova fronteira nos impõe.
A finerenona se consolida no tratamento da IC
Ensaio Clínico Randomizado (JACC: Heart Failure)
Tenho certeza que no último ano você deve ter lido algo sobre a finerenona.
Hoje, uma das grandes promessas da cardiologia, esse inibidor da aldosterona não-esteroidal demonstrou benefício na redução de morte cardiovascular em pacientes com IC com FE levemente reduzida (IC FEmr) ou preservada (IC FEP), no estudo FINEARTS-HF.
Mas agora vem um detalhe importante: esse benefício se manteve mesmo em pacientes com diabetes (DM2) e doença renal crônica (DRC), independentemente da fração de ejeção, nos estudos FIDELIO-DKD e FIGARO-DKD.
Com isso, foram publicados no JACC:Heart Failure os resultados do estudo FINE-HEART, que avaliou pacientes desses 3 estudos com objetivo de avaliar a eficácia e a segurança do uso da finerenona em pacientes com IC FEmr e IC FEP.
📌 E o que os dados mostraram?
Ao todo, foram incluídos 7008 pacientes com ≥ 40%, sendo 72% deles com DRC e DM2 concomitantes. Aqueles tratados com finerenona apresentaram menor risco do desfecho primário composto por morte cardiovascular ou hospitalização por IC (HR: 0,87 [95% CI: 0,78-0,96]; P 0,008).
E o mais importante: os resultados foram consistentes em todo o espectro de pacientes com doença cardiometabólica renal.
O que isso muda na prática?
Se você ainda via a finerenona só como “uma espironolactona-fancy para pacientes com DRC”, é hora de atualizar a lente. Esse estudo reposiciona a finerenona como uma estratégia cardiovascular potente e versátil, inclusive na prevenção de hospitalizações e morte em pacientes com IC, mesmo naqueles que antes chamávamos de “só DRC + DM”.
As novidades do congresso da ADA 2025
Caiu na Mídia
Pois é, Dozer, esse momento chegou: o mundo da cardiologia com as atenções voltadas para o congresso da Sociedade Americana de Diabetes (ADA).
E não tinha como ser diferente. Com os avanços explosivos no tratamento do diabetes, no controle do peso e nos desfechos cardiovasculares, o ADA virou vitrine de tudo que em breve vai virar prescrição (ou manchete rs).
Por isso, trouxemos as principais novidades que podem mudar sua prática clínica nos próximos meses:
REDEFINE 2: a combinação da cagrilintida (um análogo da amilina, um hormônio que afeta a saciedade e o esvaziamento gástrico) com a semaglitida (CagriSema) reduziu o peso corporal em 13,7% em pacientes com DM2, com melhora expressiva da glicemia e perda ≥5% em 86% dos pacientes, à custas de mais efeitos gastrointestinais.
REDEFINE 1: a combinação CagriSema (semaglutida + cagrilintida 2,4 mg) levou a uma perda de peso média de 20,4% em pessoas com sobrepeso ou obesidade sem diabetes, superando semaglutida isolada e com segurança aceitável.
ACHIEVE-1: um novo agonista oral de GLP-1, o orforglipron, reduziu a HbA1c em até −1,48% e o peso em até −7,6% em 40 semanas, com bom perfil de segurança e eficácia já com doses baixas, demonstrando força como opção totalmente oral para DM2 inicial.
SLIMMER: o novo agonista GLP-1 ecnoglutida promoveu perda de peso de até 15,4% em 48 semanas em adultos com obesidade, com melhora de múltiplos fatores cardiometabólicos, mostrando potencial para quem não responde bem às terapias atuais.
STEPUP: a semaglutida 7,2 mg levou a uma perda de peso de até 20,7% em 72 semanas, superando a dose de 2,4 mg e com perfil de segurança aceitável. Uma possível nova opção para não respondedores.
Fique por dentro
🫀 Angiotomografia coronária motiva mais mudanças de estilo de vida do que cálculo de risco tradicional. Em estudo com 400 indivíduos assintomáticos, a estratégia de rastreio com angiotomografia coronária foi superior ao escore de risco cardiovascular em promover hábitos saudáveis e maior aceitação de terapias preventivas.
🪿 Quando, como e onde usar o cateter de Swan-Ganz? Não é a DozeNews Prime mas traz informações muito relevantes sobre o bom e velho cateter de oclusão da artéria pulmonar.
⏯️ Potencial de nova avaliação de FA? Loop recorders demonstram padrões circadianos da fibrilação atrial e correlação com progressão da arritmia.
⚠️ Fração de ejeção recuperada não significa alta do cardiologista. O estado da arte do JACC apresentou os dados mais recentes sobre epidemiologia, fisiopatologia, prognóstico e tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção melhorada (HFimpEF).
🍔 A sociedade do fast food paga o preço! AHA faz statement a respeito do risco associado a alimentação que não consegue ser avaliado adequadamente com trials clínicos (pelo menos até o momento). Cabe a leitura independente da nacionalidade.
☠️ Insuficiência tricúspide agrava a IC e desafia o tratamento. Comum em casos avançados de insuficiência cardíaca, o refluxo tricúspide piora o prognóstico. Intervenções transcateter são promissoras para pacientes de alto risco cirúrgico, mas ainda faltam evidências de benefício clínico claro. O momento ideal e o tipo de abordagem seguem em investigação.
🦠 Miocardite aguda tem bom prognóstico na maioria, mas gravidade inicial aumenta o risco de complicações. Em um estudo francês com mais de 800 pacientes com miocardite aguda confirmada por ressonância, a maioria jovens e do sexo masculino, apenas 8% apresentaram complicações durante a internação. No entanto, entre os 14% com critérios de gravidade ao chegar (como fração de ejeção <50% ou arritmias graves), o risco de desfechos adversos foi 10 vezes maior. O reconhecimento precoce desses sinais é crucial para orientar a vigilância e manejo intensivos.