Está achando que é só colocar um stent na coronária e seus problemas acabaram? Nada disso. O querido “estêncio” pode estar associado a complicações agudas (trombose do stent) e crônicas (reestenose intrastent).
Nesse resumo, vamos discutir a polêmica reestenose intrastent (ReInSt).
1. Definição
A primeira dúvida que surge aqui é: ao sinal de qualquer hiperplasia intimal, já posso chamar de reestenose?
Não.
Esse belo estado-da-arte da Eurointervention define a reestenose como a proliferação neointimal que confere redução luminal > 50% intrastent.
“Mas Doze, e se tiver < 50% de redução luminal?”
Aí é só proliferação neointimal mesmo 🤓. Até esse ponto de corte podemos considerar um resultado satisfatório da angioplastia (ATC), sem relação com isquemia ou morbimortalidade.
2. História Clínica e Diagnóstico
Como suspeitar desse diagnóstico e como investigar?
Imagine essa triste história: o paciente é submetido a uma angioplastia de sucesso. Tudo vai bem, ele evoluiu com melhora da angina.
Até que, 6 a 8 meses depois, ele volta a apresentar sintomas. Neste caso, ReInSt é a sua primeira hipótese.
O diagnóstico é feito com a estratificação anatômica das artérias coronárias. A angiotomografia de coronárias pode sugerir a reestenose, porém o diagnóstico é estabelecido pela cineangiocoronariografia (o bom e velho CATE).
3. Classificação
Sim, acredite, há uma classificação 🥲.
Fun fact: a classificação de Mehran de ReInSt teve a participação da Profa. Dra. Andrea Abizaid do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia no trabalho que a definiu a partir da análise de ultrassom intracoronário (IVUS).
Divide-se a ReInSt de acordo com as características: extensão, localização e presença de oclusão. Além disso, determina-se angiograficamente o grau de estenose. No fim, sobra essa classificação:
Tipo I - focal (< 10 mm);
Tipo II - difusa (>10mm), porém restrita intrastent.
Tipo III - difusa (>10mm) e além das bordas do stent.
Tipo IV - oclusão.
4. Fisiopatologia
Sabemos que a fisiopatologia deveria vir antes do diagnóstico e classificação, mas o seu entendimento vai ser importante para compreender o tratamento.
Então, preste atenção!
Primeiro fato que você não pode esquecer:
A ReInSt apresenta mecanismos fisiopatológicos distintos de acordo com o tipo de stent implantado previamente.
📝 Vamos explicar:
Classicamente, a hiperplasia neointimal é o principal fator relacionado a reestenose após implante de stents não farmacológicos (bare metal).
A princípio, ela foi combatida com sucesso pelos stents farmacológicos de 2ª e 3ª geração.
É mesmo? Sim! A ReInSt caiu de cerca de 15-20% para 5% com os stents farmacológicos devido aos agentes antiproliferativos (Sirolimus, Everolimus, Zotarolimus).
Aí está a grande mudança na apresentação da ReInSt nos últimos anos: a reestenose de stents farmacológicos é mais tardia, e não está tão relacionada com a hiperplasia neointimal, mas sim com a neoaterosclerose! Ou seja:
Entendido isso, vamos ao segundo fato:
O resultado imediato de uma angioplastia é meio fake.
Oi??
É isso mesmo que você leu: o resultado imediato leva a um ganho agudo e determina a maior área luminal esperada para o vaso. É natural que haja uma perda luminal tardia com o passar do tempo devido a algum grau de hiperplasia neointimal. Veja essa figura para compreender.
Ou seja, aqui os fatores mecânicos vão importar. Além da neoaterosclerose, a reestenose em stents farmacológicos está mais associada a alterações relacionadas a angioplastia prévia, com destaque para hipoexpansão do stent, além de subdimensionamento, fraturas e posição das bordas.
5. Tratamento
Para você com gosto pela hemodinâmica, a história começa aqui!
Lembra que falamos que a fisiopatologia era importante para o tratamento? Até aqui já entendemos 2 fatos:
A hiperplasia neointimal clássica importa mais na era dos stents bare metal (não subestime, vários lugares do Brasil só têm essa opção).
Já nos stents farmacológicos importam: neoaterosclerose e fatores mecânicos.
Assim, principalmente nos casos de associação a fatores mecânicos, a intervenção percutânea torna-se mais atrativa, uma vez que uma abordagem precisa pode solucionar o problema, obtendo um resultado tardio satisfatório.
Quando realizar uma nova revascularização?
A indicação clínica deve levar em consideração a sintomatologia do paciente e área de miocárdio em risco.
Quais armas usar?
São várias as dúvidas e desafios para o tratamento da ReInSt. Aqui não faltam referências quanto à melhor escolha:
Sabe-se que a angioplastia com balão não farmacológico é inferior a angioplastia com stent e balão farmacológico.
Comparando balão farmacológico vs stent farmacológico, as revisões demonstram respostas distintas a depender do stent implantado previamente.
A ReInSt de stents bare-metal apresenta resultados semelhantes quando realizada angioplastia com balão farmacológico e novo stent farmacológico, sendo preferível o uso de balão por evitar o implante de mais uma malha metálica intracoronária.
Já quando a ReInSt ocorre em um stent farmacológico, estudos apresentam melhor resultado angiográfico de longo prazo quando realizada angioplastia com novo stent farmacológico em comparação ao balão farmacológico.
Ou seja, o correto é individualizar a conduta de acordo com o tipo de stent implantado previamente.
Além disso, o uso de um novo stent (hetero-stent) com outro fármaco é preferível, evitando o uso repetido do mesmo agente antiproliferativo (ex.: Sirolimus + Zotarolimus; Paclitaxel + Everolimus).
E o uso de imagem intracoronária?
A esse respeito, as evidências são claras:
A imagem intracoronária (IVUS e OCT) otimiza o resultado das angioplastias e proporciona redução de morte e desfechos duros.
Mas e o tal de Rotablator®, litotripsia, braquiterapia?
Vamos por partes:
Aterectomia rotacional (Rotablator®): os estudos ROSTER e ARTIST apresentaram resultados divergentes quanto ao uso dessa metodologia na ReInSt. Em resumo, a robustez e análise em conjunto dos trials não suporta o uso rotineiro dessa modalidade.
Em casos selecionados, a aterectomia rotacional proporciona adequado preparo da lesão, resultando em expansão adequada do stent. Ou seja, precisa estar no arsenal a disposição do operador.
Litotripsia intracoronária (Shockwave): arma mais recente no combate às lesões calcificadas e capaz de mobilizar cálcio profundo. Apesar de ainda carecer de estudos no cenário da ReInSt, é uma terapia promissora e que exige menor tempo de treinamento dos operadores para uniformização da técnica, o que a torna mais interessante do ponto de vista prático.
Braquiterapia: essa técnica utiliza-se de radiação para inibir a proliferação das células musculares lisas, principal constituinte do tecido neointimal. Apesar de ser uma terapia mais vintage e que caiu em desuso após o surgimento dos stents farmacológicos, pode apresentar benefícios em casos selecionados.
Onde fica o método raiz: a cirurgia de revascularização do miocárdio?
Muitas vezes, quando não é identificado um fator bem estabelecido para a causa da falha, é difícil que o tratamento percutâneo obtenha um resultado satisfatório.
Por exemplo, a necessidade de nova revascularização em 1 ano, em pacientes tratados com balão farmacológico com 1 e 2 stents prévios é da ordem de 15%.
Já na angioplastia com balão farmacológico em 3 ou mais stents prévios, a ReInSt atinge até 41%.
Considerando o risco de falha, em caso de ReInSt em tronco da coronária esquerda, artéria descendente anterior e multiarteriais deve ser sempre aventado o benefício da realização da cirurgia de revascularização do miocárdio.
That´s all folks
Sim, sabemos que não é um tema fácil. Mas, esperamos que tenha ficado o mais claro possível.
Para finalizar, aí vão algumas recomendações para não esquecer do diagnóstico e tratamento da ReInSt.