Retrospectiva 2024
Grande trials, polêmicas e diretrizes. Tudo o que vivemos em 2024 na cardiologia
Um ano glorioso
Principais trials do ano
Chegamos a mais uma retrospectiva.
Ano em que vivemos Olimpíadas, eleições, cadeiradas, tiros em palanques, xou da xuxa, festas do branco de Diddy, redenção botafoguense, Vini melhor do mundo, hype Fernanda Torres, hype Wicked, Bruninho no Brasil, polêmica da janela do avião…
Calma aí, calabreso! Não faltaram momentos para fazer de 2024 um ano marcante.
A cardiologia também foi marcada por grandes momentos e publicações de estudos que virão a marcar nossas condutas pelo próximos anos.
E por falar em grandes momentos, por que não começarmos pela disputa que marcou o ano? Da mesma forma que a estrela consagrada Simone Biles encontrou em Rebeca Andrade uma competidora à altura, esse foi o ano da tirzepatida fazer frente aos agonistas da GLP1. O agonista da GIP + GLP-1 demonstrou sua força no tratamento da IC FEP no SUMMIT trial.
Quem voou tão alto quando Gabriel Medina na icônica foto das Olimpíadas foi a finerenona. Os resultados do estudo FINEARTS colocaram essa droga como interessante opção no tratamento da IC FEP ao reduzir o desfecho composto de morte cardiovascular e piora da IC.
Decepção igual ao segundo lugar de Vini Jr no Ballon D’Or, só mesmo a “derrota” dos iSLGT2 ao não demonstrar benefício do seu uso no contexto agudo do IAM no estudo EMPACT-MI.
Acha que os campeões pararam por aí? Claro que não! A justiça foi feita para Vini ao vencer o The Best, e o DICTATE-AHF veio dar um prêmio de consolação aos iSGLT2 ao demonstrar a segurança da dapagliflozina no contexto da IC aguda.
Até quem você não ouvia falar há tempos voltou esse ano: enquanto a rainha Madonna fez um estrondoso show nas praias de Copacabana, os resultados do estudo DanGer Shock Trial nos fizeram lembrar do Impella, que levou a melhora de prognóstico em pacientes com choque cardiogênico relacionado à síndrome coronariana aguda.
No mundo da cardiologia intervencionista, destaque para o NOTION 3, que apresentou boa evidência para guiar o tratamento dos pacientes com estenose aórtica (EAo) e DAC, e para o EARLY-TAVR, que demonstrou benefício na realização da troca valvar aórtica percutânea (TAVI) nos pacientes com EAo importante assintomáticos.
Por fim, menção honrosa a outros estudos de grande relevância, como o BPROAD, que demonstrou o benefício no controle intensivo da PA em diabéticos e o OPTION no qual a oclusão do apêndice atrial após ablação da FA foi não-inferior à anticoagulação.
As novas (velhas) lideranças
As principais diretrizes de 2024
Eleições municipais por todo o nosso país, o retorno de Donald Trump à Casa Branca e até mesmo quedas de regimes, como a ditadura de Bashar al-Assad na Síria, o ano de 2024 foi marcado novas (ou não tão novas rs) lideranças.
Na cardiologia não foi diferente: em um ano marcado pela publicação de grandes diretrizes, tivemos algumas relevantes mudanças em algumas áreas, e um pouco de mais do mesmo em outras.
Europeus 🇪🇺
A grande "cadeirada” 🪑 veio lá da Europa, com as novidades nas metas de pressão arterial na sua diretriz de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS).
Demos adeus ao 12x8 (🥺), foi apresentada uma nova classificação (a de PA elevada, ou seja PAS 120-139 mmHg e PAD 70-89 mmHg) e uma meta de controle mais rígida.
Não parou por aí, nossos colegas além do Atlântico trouxeram importantes atualizações em temas indispensáveis:
A Diretriz de doença arterial coronária crônica (DAC), que não só atualizou o conceito de DAC, incluindo as questões funcionais e não apenas anatômicas, ainda nos apresentou um interessante fluxo de investigação e manejo do paciente com suspeita de doença coronária, muito prático para o dia a dia.
A Diretriz de Fibrilação Atrial (FA), que também reforça um fluxo de condução do paciente, por meio do mnemônico CARE.
A Diretriz de doença arterial periférica e aortopatias, que à primeira vista parece a menos relevante (desculpa colegas vasculares rs), nos surpreende com importantes conceitos, entre eles a relevância do índice aorta-altura, indo além somente da avaliação dos diâmetros.
Brasil 🇧🇷
Orgulho nacional igual à atuação de Fernanda Torres no filme Ainda Estou Aqui (e a Fernanda Torres, hein?! TOTALMENTE premiada!), só mesmo as diretrizes publicadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) esse ano:
Diretriz de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardíaca: aquela história do “a gente tarda, mas não falha” rs (se tivemos que esperar 10 anos pela publicação de uma nova diretriz focada nesses métodos, já nem lembro mais).
A diretriz nos presenteou com interessantes fluxogramas para o uso da TC da investigação da dor torácica e novas indicações para a solicitação do escore de cálcio coronário.
No mundo da ressonância magnética, destaque para a inclusão dos mapas multiparamétricos e a sua relevância na investigação das cardiomiopatias.
A Diretriz de Avaliação Cardiovascular Perioperatória: manteve a relevância do bom e velho escore de Lee na avaliação do risco perioperatório, porém reforçou o uso do RCRI e trás como opções o VSG-CRI (em especial para cirurgias vasculares) e do recente AUB-HAS2.
A Diretriz sobre a Saúde Cardiovascular no Climatério e Menopausa: importantes conceitos sobra as mudanças de risco cardiovascular ao longo da vida da mulher e a sua relação com as quedas hormonais; e também recomendações acerca da prescrição de reposição hormonal durante o climatério.
A Diretriz de Ergometria: foram contempladas orientações técnicas e práticas para a realização do teste tanto na população adulta, como em crianças e adolescentes, em documentos separados.
A Diretriz para diagnóstico e tratamento da Cardiomiopatia Hipertrófica: seguindo as recentes descobertas para o diagnóstico, com a relevância dos testes genéticos, e para o tratamento dessa cardiomiopatia (oi, Mavacamten) , a SBC nos trouxe um interessante e muito prático documento.
Estados Unidos 🇺🇸
Sem grandes novidades na terra do Tio Sam. Mas aí vão alguns documentos que valem a pena ficar de olho:
Diretriz de avaliação perioperatória para cirurgia não-cardíacas;
Consenso do ACC sobre o diagnóstico e manejo da miocardite.
😮💨 Ufaaa! Pareceu muita coisa para um 1 ano só?
Permita-nos dar uma dica: a DozeNews Prime trouxe resumos das principais diretrizes ao longo de todo o ano, com fluxogramas práticos, as grandes recomendações e mudanças essenciais.
Acesso o link a seguir, inscreva-se e confira:
Que Xou da Xuxa é esse?
Os artigos que deram o que falar
Vem cá, você sabe o que Sean Diddy fez? rs
Você até pode estar por fora de que Xou da Xuxa foi esse, mas tenho certeza que ouviu falar de algum dos artigos mais polêmicos de 2024.
Começamos com o PREVENT Trial, que veio com uma proposta revolucionária: tratar placas vulneráveis que não limitam o fluxo, sob a ideia de “selar” essas lesões com intervenção coronária percutânea (ICP), evitando infartos e mortes cardíacas.
O resultado: deu certo! A intervenção reduziu eventos maiores em comparação à terapia médica otimizada.
Calma, calma, calabreso. Ainda é cedo para expandirmos as indicações da ICP para placas não obstrutivas nas diretrizes. Vale o debate!
Por falar em diretrizes, e os beta-bloqueadores no pós-IAM, hein?! Enquanto o REDUCE-AMI demonstrou não haver benefício na prescrição de beta-bloqueadores em pacientes com infarto e fração de ejeção preservada (≥ 50%), o ABYSS falhou em demonstrar segurança na sua suspensão em quem usa a longo prazo.
Tão polêmicos que ganharam até edição especial na DozeNews Prime!
Em uma vibe Kamala Harris, que surgiu como esperança democrata nas eleições norte-americanas, a colchicina prometia ser a solução no tratamento no papel da inflamação no pós-IAM. Nenhuma das promessas vingou, e o CLEAR SYNERGY Trial veio para demonstrar não haver benefício na prescrição da droga no contexto pós-IAM.
Polêmicas à parte, esses estudos vêm para reforçar que a cardiologia é um campo em constante evolução. Eles nos lembram que as diretrizes de hoje podem ser os debates de amanhã. E mais importante: que nosso papel como cardiologistas é questionar, refletir e, acima de tudo, aprender com a ciência!
Escalaram mais que o dólar
As novas terapias que prometem
Enquanto olhávamos para o céu para presenciar o foguete da Starship andando de “marcha-ré” para retornar a sua base de lançamento, vimos também os preços do dólar junto a ele (lá na estratosfera rs).
Ao menos, na cardiologia, quando falamos de grandes ascensões em 2024, nos referimos a novas medicações que com certeza darão o que falar nos próximos anos.
Começamos pelo Vutrisiran, apresentado no interessante estudo HELIOS-B, uma terapia de interferência de RNA administrada trimestralmente que nos trouxe grandes esperanças para o tratamento da cardiopatia amiloidótica do tipo transtirretina (ATTR).
Além de reduzir o desfecho primário composto por morte por todas as causas e eventos cardiovasculares, ainda foi capaz de preservar a capacidade funcional (no teste de caminhada de 6 minutos) e a qualidade de vida em comparação ao placebo.
Ainda no mundo da amiloidose, o estudo NEX-Z explorou o nexiguran ziclumeran, uma terapia CRISPR-Cas9 para a ATTR. Em um único tratamento intravenoso, foi capaz de reduzir os níveis séricos de transtirretina em 90% após 12 meses.
Já o Inclisiran, um silenciador de RNA que inibe a produção hepática de PCSK9, reduziu os níveis de LDL em mais de 60% e atingiu a meta de LDL < 70 mg/dL em quase 90% dos pacientes com doença cardiovascular nos quais ele foi administrado precocemente, no estudo VICTORION-INITIATE.
As frustrações ficaram por conta do Asundexian, um inibidor seletivo do fator XIa, que levou ao aumento de eventos tromboembólicos em pacientes com FA, no estudo OCEANIC-AF; e também do AT-001, um inibidor da aldose redutase, que não obteve benefício em pacientes com cardiopatia diabética.
Quando o coração virou manchete
Caiu na mídia
Nem mesmo os famosos viram-se livres do risco de complicações cardiovasculares.
A TV Globo já pode contratar um cardiologista particular: só esse ano, o ator Otaviano Costa (submetido a uma correção de aneurisma e troca valvar aórtica bicúspide) e o humorista Welder Rodrigues (revascularização miocárdica) entraram na fila do INSS para afastamento por cirurgias cardíacas.
Já em Hollywood, o ator e ex-governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, contou no seu podcast “Arnold’s Pump Club” tudo sobre o implante de marca-passo definitivo ao qual foi submetido após uma TAVI (e as várias cirurgias na valva aórtica às quais já foi submetido).
Teve até ator falando por aí que apresentou “ataque cardíaco” após contato com uma lagarta venenosa (calma, não foi bem assim rs).
Tivemos, ainda, cardiologista falando na mídia do check up cardiovascular, os americanos reclamando que ganham pouco (será? rs) e até a escalada do número de médicos ao redor do Brasil.
Por fim, deixo a dúvida: correr no banheiro conta como prevenção cardiovascular? rs (@andrescardovelli) - entenda aqui.