Coração em prova
Coorte (JAMA)
A hype da corrida é real. Se você está próximo aos 30 anos, ou está preparando-se para o primeiro filho… ou para a primeira maratona. Não há meio termo rs.
Mais de 29 milhões de competidores completaram maratonas ou meia-maratonas nos Estados Unidos entre os anos de 2010-2023 - quase o triplo das décadas anteriores (!).
Com tanta gente se jogando nas provas de rua, fica a dúvida: correr 21k ou 42k é mesmo 100% seguro para o coração?
O estudo RACER, publicado no JAMA e apresentado no ACC 2025, avaliou todos esses participantes com um objetivo claro: identificar a taxa de parada cardíaca e morte súbita durante as provas ou até 1 hora após o término.
E os resultados nos permitiram, sim, respirar um pouco mais tranquilos: foram 176 casos de parada cardíaca — uma taxa de 0,6 por 100 mil corredores (1 a cada 166.667). Desses, 59 evoluíram com óbito, o que representa 0,2 por 100 mil (1 a cada 500.000 corredores). A boa notícia? A mortalidade caiu de 71% (2000–2009) para 34% (2010–2023).
O risco foi claramente maior entre homens (1,12/100 mil) do que mulheres (0,19/100 mil). E o problema apareceu mais nas maratonas completas (1,04/100 mil) do que nas meias (0,47/100 mil).
A principal culpada? Como sempre, a doença arterial coronariana (DAC) — presente em 40% dos casos identificados e associada a 93% de sobrevivência, mostrando que, quando reconhecida e tratada a tempo, tem bom desfecho.
Já a temida cardiomiopatia hipertrófica, antes a vilã dos esportes, apareceu em apenas 7% dos casos. Outras causas incluíram parada inexplicada (25%), golpe de calor (6%) e até uso de estimulantes em alguns autopsiados.
O tempo de RCP e o ritmo inicial de parada (atividade elétrica sem pulso ou assistolia) foram os principais preditores de desfecho ruim.
🏁 Abre o Strava que esse é o resumo da atividade: correr continua sendo muito seguro — mas não isento de risco.
Avaliação cardiovascular prévia, acesso a DEA e RCP treinada seguem essenciais, principalmente para homens mais velhos e para quem encara a maratona.
Surprise, suprise!
Subanálise (EARLY-TAVR)
Não é todo dia que o resultado de um estudo mostra resultados opostos ao que os pesquisadores esperavam. Por isso, uma subanálise do estudo EARLY-TAVR (um dos mais comentados no mundo cardiologia intervencionista em 2024) veio para dar o que falar!
Como são lindos os altos e baixos da ciência! rs
⏮️ Mas antes, vamos recapitular:
O EARLY-TAVR foi o estudo que demonstrou benefício na realização precoce de TAVI em pacientes assintomáticos com estenose aórtica severa (estágio C1).
Nele, além do benefício em redução de desfechos, foi gritante a evolução dos pacientes para EAo sintomática (em 6 meses 30%; 1 ano 50%; 2 anos 70%) - aquela história do adiar o inadiável…
Veio a subanálise do estudo, publicada no Circulation, com um hipótese clara (e até certo ponto um pouco óbvia): pacientes com BNP e troponina elevados seriam justamente os que mais se beneficiariam da intervenção.
Não foi bem assim…
Dos 901 pacientes incluídos originalmente, 798 tinham níveis de BNP e troponina disponíveis no baseline. Eles foram divididos em tercis (baixo, médio e alto), e a análise de interação foi feita para avaliar se o benefício da TAVI mudava de acordo com o nível desses biomarcadores.
Surpresa total: quem mais se beneficiou da TAVI foram justamente os pacientes com BNP e troponina normais (tercil mais baixo).
Morte + hospitalização por IC: maior benefício no grupo com biomarcadores normais (p interação = 0,04)
Hospitalização isolada por IC: de novo, vantagem no grupo com BNP e troponina baixos (p interação = 0,03)
O NNT (número necessário para tratar) foi menor nos pacientes com exames normais — o que é, no mínimo, contraintuitivo!
Moral da história: apesar de pacientes com BNP e troponina altos terem maior risco absoluto de eventos, a TAVI traz um benefício relativo semelhante nos diferentes níveis desses marcadores. Ou seja, usar BNP e troponina para escolher “quem deve ou não ser submetido à intervenção” pode não ser a melhor estratégia.
No fundo, o recado é:
Biomarcadores não devem ser os protagonistas na decisão da TAVI precoce.
O estágio C1 da estenose aórtica severa pode se beneficiar da intervenção, independentemente do perfil laboratorial.
Um ECG sensitivo
Estudo diagnóstico (JACC)
Márcia Sensitiva que se cuide, porque agora é o ECG que está prevendo o futuro do coração — e com uma precisão de deixar muito aparelho de imagem no chinelo.
Publicado no JACC, o estudo PRESENT-SHD (com participação de centros brasileiros, incluindo o ELSA-Brasil!) mostrou que uma simples imagem de um ECG — pode ser print, foto de celular ou escaneado do papel — é capaz de prever doenças cardíacas estruturais com altíssima acurácia usando um modelo de inteligência artificial.
Sim, Dozer, você leu certo: a imagem do ECG. Não o dado bruto, não o traçado original — uma imagem mesmo!
O estudo usou redes neurais profundas (deep learning) para treinar modelos capazes de reconhecer padrões sugestivos de:
Disfunção sistólica do VE
Valvopatias moderadas a graves
Hipertrofia ventricular esquerda severa
E os resultados?
AUROC de 0,886 no conjunto de validação externa
Sensibilidade de até 96% nos hospitais externos (!)
Generalização robusta: funcionou até com fotos tiradas com o celular
E mais: os pacientes com “ECG positivo” tinham risco 2 a 4 vezes maior de desenvolver IC ou DCE em até 4 anos, mesmo sendo assintomáticos no início
Por que isso importa?
A proposta é ousada, mas real: transformar o ECG em ferramenta de rastreamento populacional para doenças cardíacas estruturais, usando imagens simples — algo que pode ser feito por WhatsApp, numa triagem ou em áreas remotas sem acesso fácil à eco.
📲 Uma simples foto de ECG pode acender o alerta para um coração doente antes mesmo do paciente sentir algo.
O ECG — que já era nosso queridinho — está se reinventando como um exame inteligente.
Essa tecnologia tem tudo para virar uma nova triagem digital, acessível, escalável e com potencial real de mudar a forma como detectamos doenças estruturais precocemente.
A tecnologia está batendo à porta com um estetoscópio diferente. Vai deixar ela entrar?
Sintomas de um sistema colapso?
Caiu na Mídia
Uma matéria publicada na revista Valor trouxe uma estatística que fez muita gente na medicina engasgar com o café: o número de processos judiciais relacionados a erros médicos cresceu 506% no Brasil em 2024.
Foram 74.358 processos no ano — contra 12.268 em 2023.
Isso dá 203 novos processos por dia. Todo. Santo. Dia.
🤔 O que seria um erro médico?
Segundo especialistas, são condutas que se afastam das diretrizes científicas e das boas práticas médicas. Simples na teoria — complexo (e muitas vezes subjetivo) na prática.
Pra tirar isso do campo da abstração, o JusBrasil listou os 5 erros mais comuns nos cuidados em clínicas e hospitais:
Interpretação errada de exames – geralmente por pressa ou falta de atualização;
Cirurgias no local errado – falha de prontuário ou comunicação entre equipes;
Cirurgias desnecessárias – mais frequente do que a gente gostaria de admitir;
Diagnósticos equivocados – multifatoriais, evitáveis com boa formação e supervisão;
Erros de prontuário – parece pequeno, mas pode ser desastroso.
📈 E o que está por trás desse boom de judicializações?
Parte da resposta está no aumento da conscientização dos pacientes. O público está mais informado, questiona, denuncia, compartilha nas redes e recorre à Justiça com mais frequência.
Mas também é impossível ignorar o colapso silencioso do sistema: sobrecarga, equipes reduzidas, processos mal estruturados e um ambiente que espera excelência clínica sem oferecer estrutura mínima.
A conta “cai nos nossos colos”: no Brasil, estima-se que 6 mortes por hora ocorram por erros médicos, sendo até 36% evitáveis.
⚠️ Como se proteger nesse cenário?
Registre tudo, mesmo no caos;
Comunique-se melhor: riscos, opções, condutas;
Atualize-se constantemente, mesmo sem apoio institucional (já agradeceu a DozeNews e o DozeCast hoje? rs);
Trabalhe o básico: prontuário bem feito, raciocínio clínico claro, e escuta ativa.
A explosão de processos não significa apenas que os médicos estão errando mais. Significa que o sistema está mais doente, e os profissionais estão sendo pressionados por todos os lados. Numa realidade onde o cuidado é cronometrado e a estrutura é precária, a judicialização vira sintoma — não a doença.
O termômetro estourou. Mas a febre não começou agora.
Imagem da semana

Uma bela e assustadora endocardite fúngica em valva aórtica, vista ao ecocardiograma e no intra-operatório.
📸 Também tem uma imagem impactante para compartilhar? Pode ser ECG, ECO, TC, RM, intra-operatória, um selfie… rs. Envie para o plataformadozeporoito@gmail.com. Todo crédito será dado a você 😍
Fique por dentro das demais publicações
💊 Beta-bloqueador pós-infarto ainda é necessário para todos? Revisão publicada no JACC mostra que, na era da reperfusão e terapias modernas, o benefício desse clássico pode ser menor — especialmente em pacientes com fração de ejeção preservada. Já leu a DozeNews Prime sobre o tema?
🎯 Prevenção secundária funciona — se as metas forem atingidas cedo! Análise do ISCHEMIA mostrou que manter pressão <130, LDL <70, parar de fumar e usar antiagregante reduziu eventos em 16%. Pressão foi o fator com maior impacto. Só 12% começaram com tudo em dia, destacando o tamanho do desafio.
🚧 Revascularizar oclusão total melhora sintomas, mas não muda desfechos! Dados do ISCHEMIA mostraram menos angina e falta de ar, mas sem redução de infarto ou morte. A estratégia invasiva aumentou infarto periprocedimento, mas reduziu infarto espontâneo. Decisão deve ser caso a caso.
💊 Novo anticoagulante pode ter papel em quem nunca usou! No OCEANIC-AF, o asundexian teve menos eventos isquêmicos e menor sangramento em pacientes com fibrilação atrial sem uso prévio de anticoagulantes. Já nos experientes, o risco de AVC foi maior. O tempo de início da medicação pode importar mais do que parece!
🏃♂️ Parada cardíaca em atletas jovens tem melhorado — mas desigualdades persistem! Estudo com mais de 600 casos nos EUA mostrou que a sobrevida geral após parada foi de 49%, chegando a 57% durante o exercício, especialmente em competições. Sobrevida aumentou ao longo dos anos, mas foi menor entre atletas negros e em eventos não relacionados ao esforço físico. Avanços no atendimento salvam vidas, mas equidade ainda é desafio urgente.
🔝 Os 10 principais artigos selecionados pelo EHJ da área da Cardiologia Intervencionista, publicados no último ano.