Na edição de hoje:
🚨 Choque Cardiogênico: O ACC lançou uma diretriz extremamente prática, com fluxogramas e estratégias para as primeiras 24h.
🤖 IA na saúde pública: da previsão de infarto ao uso de wearables e algoritmos para controle de peso e cessação do tabagismo.
💉 TEP e desigualdade: Novo artigo da AHA expõe as disparidades étnicas e sociais no tratamento do TEP.
🇧🇷 A tirzepatida tem data de estreia no Brasil. Potente na perda de peso e controle glicêmico, mas com hype preocupante. Será que quem realmente precisa vai ter acesso?
Um guia em meio ao caos
Diretriz ACC
Paciente instável, rebaixamento do nível de consciência, mal perfundido… Você olha e já sabe que precisa agir. Não tem muito tempo pra ficar filosofando: é agora ou nunca.
Bateu aquele frio na barriga aí também? 😅
Nessas horas, nada melhor que uma diretriz prática, cheia de fluxogramas, checklists e recomendações diretas ao ponto.
Parece que o American College of Cardiology (ACC) ouviu as nossas preces 🙏🏼 e entregou essa semana um consenso clínico enxuto e extremamente útil com o passo a passo das primeiras 24h de atendimento no choque cardiogênico (CS).
Vamos destrinchar o que realmente interessa.
SUSPECT-CS: a diretriz propõe um modelo de avaliação com base no mnemônico que estrutura as etapas iniciais da abordagem em seis pilares (symptoms, urine output, sustained hypotension, perfusion, ECG/ECO, congestion, triage).
O objetivo é reconhecer, estratificar e agir rápido. O conceito gira em torno da ideia de que as primeiras 60 a 90 minutos são uma janela crítica — perder esse tempo pode significar perder o paciente.
Classificação SCAI: o próximo passo será classificar esse paciente, em uma escala que vai de A (paciente em risco) até E (choque refratário). Essa classificação ajuda a guiar decisões terapêuticas e definir prognóstico.
O interessante é que ela é dinâmica, podendo ser reavaliada conforme o paciente evolui nas primeiras horas.
A avaliação hemodinâmica invasiva é outro ponto forte da diretriz: o uso de cateter de artéria pulmonar, ecocardiografia à beira do leito, dosagem de lactato e saturação venosa central são ferramentas recomendadas para diferenciar os subtipos de choque (cardiogênico puro, misto, com congestão ou seco). Isso permite guiar a escolha mais precisa do suporte circulatório.
A formação de um Shock Team — equipe multidisciplinar dedicada — é altamente recomendada. Quando disponível, melhora desfechos ao reduzir o tempo de decisão e ajudar na escolha mais adequada do suporte (balão intra-aórtico, Impella, ECMO, etc.).
Por fim, a diretriz ressalta a importância de monitoramento contínuo e protocolo estruturado de weaning do suporte mecânico (a redução gradual até a retirada total), com reavaliação clínica e hemodinâmica frequente. Não adianta só implantar o dispositivo — é preciso saber tirar com segurança.
Se você trabalha em emergência, UTI ou hemodinâmica, essa é daquelas diretrizes para ficar no atalho no celular rs! Ela não muda o jogo com novas drogas ou dispositivos, mas sim com clareza e objetividade.
A mensagem principal é: não espere deteriorar para começar a agir. O tempo é crucial e, mesmo sem o Shock Team completo ou todos os dispositivos de suporte, avaliar corretamente o fenótipo do choque e agir dentro das primeiras horas já muda o prognóstico.
🚨 Spoiler Alert: O episódio da semana do DozeCast é sobre choque cardiogênico com um convidado de altíssimo nível!!!
A revolução da IA na saúde pública
Artigo de revisão (EHJ)
💭 Imagine um cenário onde algoritmos conseguem prever um infarto antes mesmo de o paciente apresentar sintomas. Onde wearables não apenas registram passos, mas detectam padrões invisíveis de risco cardiovascular. Onde o eletrocardiograma do smartwatch antecipa uma FA intermitente com precisão de HOLTER.
Bem-vindo ao presente – com um gostinho promissor de futuro.
O artigo recém-publicado no European Heart Journal por Benjamin Meder, Folkert Asselbergs e Euan Ashley é uma aula de visão estratégica sobre como a inteligência artificial (IA) está remodelando o cuidado cardiovascular em escala populacional.
O que essa revisão nos mostra?
Prevenção com precisão: do uso de IA para previsão de risco cardiovascular com base em múltiplos fatores (sociais, genéticos, ambientais) à identificação precoce de doenças, o foco está se deslocando do tratar para o prevenir – e com dados personalizados.
Wearables + IA = vigilância contínua: dispositivos como smartwatches já incorporam algoritmos capazes de detectar arritmias, insuficiência cardíaca e até obstruções coronárias iminentes. Isso não é mais ficção científica.
LLMs (como o ChatGPT) na linha de frente: estudos apontam que, em fóruns médicos online, modelos de linguagem geraram respostas mais acuradas e empáticas do que médicos humanos. Sim, você leu certo.
Mudança comportamental com apoio digital: aplicativos prescritos por médicos na Alemanha já são realidade para cessação do tabagismo, reabilitação e controle de peso. E os algoritmos aprendem com o comportamento do paciente, ajustando o plano em tempo real.
Urban health e clima como variáveis médicas: poluição, ruído e calor são determinantes subestimados de risco cardiovascular. A IA pode integrar esses dados no cálculo do risco individual e guiar políticas públicas de saúde urbana.
Da bancada ao leito, mais rápido: a IA também acelera a descoberta de novos fármacos, como peptídeos terapêuticos com eficácia otimizada para obesidade e diabetes – condições que, sabemos, orbitam o universo da cardiologia.
❗️Mas há desafios.
Os autores não romantizam: bias algorítmico, privacidade, regulamentação e o risco da desumanização são pontos críticos. A União Europeia já aprovou o AI Act para regular o uso de IA em áreas sensíveis como a saúde.
E, cá entre nós, talvez falte um pouco de “cardiologia humanizada 2.0” para acompanhar tanta máquina inteligente.
Por que isso importa para você?
Porque o futuro da medicina de precisão é coletivo. E a IA não veio substituir seu julgamento – ela veio amplificá-lo.
Como um bom estetoscópio do século XXI, a IA escuta mais do que o óbvio, interpreta mais do que os olhos veem, e convida a uma nova medicina: personalizada, populacional e preditiva.
🎙️ A dica da vez fica por conta do episódio do DozeCast sobre as ferramentas de IA para o Cardiologista, com a participação do Dr. Thiago Liguori!
O abismo no manejo do TEP
Artigo de revisão (Circulation)
A gente vive falando aqui na Doze por Oito sobre multidisciplinaridade — e nesta semana, a bola da vez é a pneumologia (mesmo que a contragosto para alguns rs).
Calma, ninguém vai te cobrar saber todas as pneumopatias intersticiais, mas o tema é bem conhecido (e cada vez mais nosso): tromboembolismo pulmonar (TEP).
Tema que já foi assunto do nosso DozeCast e cada vez mais tem chamado atenção da cardiologia, medicina de urgência e medicina intensiva.
A AHA (em concordância com a linha editorial da Doze) publicou nesta semana um artigo que ressalta a morbidade e os desafios no diagnóstico e tratamento do TEP.
🎯 É necessário começar pelo básico:
Temos falado muito sobre as novas possibilidades de tratamento, incluindo o tratamento intervencionista. Mas é sempre bom dar um passo atrás e reconhecer as limitações de recurso fora dos grandes centros!
Ter em mente a hipótese diagnóstica correta já é de grande valia nos cenários de maior dificuldade. O estabelecimento da principal hipótese como TEP, evita exames desnecessários e de risco.
Vamos lembrar também que a instituição da anticoagulação é capaz de mudar o curso natural da doença e promover a estabilização de casos potencialmente fatais.
Mas o artigo vai além: traz à tona o lado mais incômodo da medicina — as disparidades étnicas e socioeconômicas. Os dados são duros:
Pessoas pretas têm 2 vezes mais risco de morrer por TEP agudo;
Hispânicos sofrem mais com complicações crônicas após o evento;
Mulheres e moradores de áreas rurais têm menos acesso a terapias avançadas, como o tratamento intervencionista.
Para finalizar, reforça a necessidade dos médicos serem orientados sobre as melhores práticas no tratamento do TEP e da população ser informada a respeito dos sinais e sintomas da doença a fim de facilitar o diagnóstico e a procura por centros médicos.
A diferença entre salvar ou perder uma vida começa na hipótese diagnóstica. Mas, no mundo real, o desfecho também depende da cor da pele, do CEP e de quem está (ou não) do outro lado do convênio.
Vale a pena conferir como a disparidade socioeconômica e étnica é comprovadamente fator relevante no diagnóstico e prognóstico do paciente. Se nos trabalhos e registros comprovamos isso, imaginem o abismo na vida real!
Come to Brazil!
Caiu na Mídia
Finalmente saiu a data mais esperada do ano!
Não estamos falando da line-up do Rock in Rio, venda de ingressos da Copa do Mundo ou do show da Lady Gaga em Copacabana. E sim, da chegada do Mounjaro ao Brasil!
Aguardado ansiosamente por uns, já importado por outros, finalmente o mais novo queridinho do emagrecimento nos consultórios tem data de lançamento no país: 7 de junho.
🤔 Entenda:
Mounjaro é o nome comercial para a tirzepatida, uma medicação injetável de aplicação semanal, que age nos receptores GLP-1 e GIP. Essa ação dupla potencializa o efeito na perda de peso e controle do diabetes tipo 2.
E os resultados são impressionantes: a tirzepatida promoveu reduções de peso de até 22%, com média de 15 kg a 20 kg eliminados, dependendo da dose. Os efeitos foram mais potentes que a semaglutida (~5,5 kg de diferença), estrela da vez até então.
Ele já é um fenômeno antes mesmo da sua chegada: a lista de famosos que dizem ter emagrecido com a medicação é ampla, e inclui nomes como Elon Musk, Jojo Todynho e Wesley Safadão.
💸 Já o preço promete ser bem salgado: ainda não foi divulgado, mas se seguir a tendência internacional, o custo mensal girará em torno de 1.000 dólares.
Apesar dos benefícios comprovados no combate à obesidade — e até mesmo no tratamento da IC FEP (como mostrou o estudo SUMMIT) —, a chegada do Mounjaro ao Brasil já está sendo tratada mais como um evento pop do que como uma revolução terapêutica.
A hype nas redes sociais levanta um alerta importante: será que quem realmente precisa vai ter acesso? Ou veremos o cenário de sempre, com uma medicação promissora sendo usada por quem quer perder “uns quilinhos” para o verão, enquanto pacientes com obesidade grave e comprometimento orgânico seguem sem acesso?
O Mounjaro pode ser um divisor de águas. Mas, como toda ferramenta poderosa, o impacto real vai depender de quem usa, como usa — e por que usa.
Giro pelas demais publicações da semana ao redor do mundo 🌎
💊 FA + DAC estável: só anticoagulante já basta? Nesta metanálise com mais de 4.000 pacientes com fibrilação atrial e doença arterial coronariana estável, o uso de anticoagulante oral isolado foi tão eficaz quanto a associação com antiplaquetário para prevenir eventos isquêmicos — sem aumento de infarto, AVC ou mortalidade.
⚡ CDI, TRC e novos marcapassos: quando (não) implantar? O novo documento de critérios de uso apropriado (AUC) da ACC traz uma revisão completa de 335 cenários clínicos envolvendo implante de dispositivos como CDI, TRC, marcapasso leadless, estimulação do sistema de condução e modulação da contratilidade
🦀 Cardiotoxicidade de quimioterápicos é motivo de preocupação crescente da cardioncologia. O que dizer de crianças que realizaram tratamento oncológico? Statement da AHA mostra as evidências e com o que se preocupar no acompanhamento de crianças submetidas a tratamento quimioterápico.
🛜 Marcapasso sem cabos!!! EHJ traz umarevisão descrevendo com detalhes o funcionamento e o que há de mais moderno em relação a esses dispositivos.
🚬 Tabagismo e stents farmacológicos: o preço vem depois. Em uma análise com mais de 9 mil pacientes acompanhados por 10 anos após angioplastia com stent farmacológico, fumantes apresentaram risco significativamente maior de morte (HR 1,45), morte cardiovascular (HR 1,59), infarto após 1 ano (HR 1,60) e trombose de stent (HR 2,09).
💪🏽 O Complexo Quebra-Cabeça do Fenótipo Hipertrófico. Belo artigo de revisão dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia sobre o diagnóstico diferencial da cardiomiopatia hipertrófica.
⌚ Amulet vs Watchman: qual o melhor oclusor de apêndice atrial a longo prazo? No maior ensaio randomizado já feito com 1.878 pacientes, o estudo Amulet IDE mostrou que ambos os dispositivos foram igualmente eficazes e seguros em 5 anos, com taxas similares de AVC isquêmico (1,6%/ano), morte CV e sangramento maior. Mas o Amulet teve menor uso de anticoagulantes (94% vs 91%) e menos trombo no dispositivo e leaks >3 mm, sugerindo vantagem estrutural.