Um olhar clínico além
Situações em que precisamos ir além do diagnóstico, além do ecocardiograma habitual, e além de tudo o que sabemos no tratamento da IC
Um olhar além do diagnóstico
PROMISE 10 anos (JAMA)
O PROMISE Trial, um dos maiores estudos sobre investigação não invasiva da doença arterial coronária (DAC), acaba de divulgar seu seguimento de 10 anos, e o resultado é direto:
A escolha entre angiotomografia das coronárias (angioTC) e teste funcional (ergométrico, eco ou cintilografia) não altera a mortalidade global nem cardiovascular a longo prazo.
O que parece simples, traz consigo importantes significados. E, por isso, precisamos entender melhor o que há além dos seus achados.
⏳ Para relembrar:
O estudo PROMISE, publicado inicialmente em 2015, no NEJM, acompanhou 10.003 pacientes sintomáticos com suspeita de DAC, randomizados para teste anatômico ou funcional.
Neste trabalho, após um seguimento médio de 25 meses, não houve diferença significativa entre os grupos para o desfecho primário composto por morte, IAM, hospitalização ou complicação intraprocedimento (3,3% no grupo da angioTC vs 3,0% no grupo do teste funcional; p=0,75). Um balde de água fria para os amantes da avaliação anatômica.
⏭️ Após uma década, a mortalidade global foi 14,4%, sem diferença significativa entre os grupos (angioTC 14,3% vs funcional 14,5%). O mesmo valeu para a mortalidade cardiovascular (angioTC 4,0% vs funcional 4,3%).
Mas o estudo trouxe um ponto decisivo: qualquer anormalidade na angioTC (mesmo leve e não obstrutiva) dobrou o risco de morte, enquanto nos testes funcionais apenas as alterações graves tiveram valor prognóstico. Em outras palavras, a ausência de diferença em mortalidade não significa que os testes sejam equivalentes.
A angioTC fornece informação anatômica direta sobre a aterosclerose coronária, enquanto os testes funcionais refletem isquemia induzida. Essas abordagens medem aspectos diferentes da mesma doença, e isso impacta o tipo de decisão clínica que vem depois.
🏴 Nesse momento você deve ter lembrado do estudo SCOT-HEART (o primo europeu do PROMISE). Nele, o maior diagnóstico de DAC pela angioTC, mesmo que não obstrutiva, levou a maior uso precoce de terapias preventivas (estatinas, antiagregantes, etc.) e consequente redução de desfechos nos seguimentos de 5 e 10 anos.
Embora no PROMISE essa diferença no diagnóstico da DAC não tenha se traduzido em maior sobrevida (possivelmente porque não houve manutenção documentada do tratamento a longo prazo), os estudos reforçam que o impacto da angioTC depende menos do exame em si e mais de como o resultado é usado.
Os resultados nos ensinam que não é o exame que salva vidas, é o que fazemos com o diagnóstico. A escolha entre teste anatômico e funcional deve continuar guiada pela pergunta clínica, perfil do paciente e disponibilidade local.
Um novo olhar na ablação: o eco intracardíaco assume o comando
Ensaio clínico randomizado (JAMA)
Quando você pensa em segurança e pesquisa de trombos no átrio esquerdo antes da ablação da fibrilação atrial (FA), é o eco transesofágico (ECO TE) que vem primeiro à cabeça, certo? Você não está errado, ainda é ele o “guardião oficial” do pré-procedimento.
Mas o jogo está mudando. Nos últimos anos, o ecocardiograma intracardíaco (ICE), antes coadjuvante, vem roubando a cena e mostrando que pode fazer muito mais do que apenas ajudar o operador.
E foi exatamente nesse contexto que um estudo publicado no JAMA Cardiology veio para consolidar o papel do ICE na segurança e no monitoramento da ablação da FA.
🧭 Mas antes, deixe eu te localizar:
Existem cateteres com ultrassom e Doppler acoplados que possibilitam realizar avaliação ecocardiográfica intracardíaca (o ICE), que tem auxiliado procedimentos de ablação e intervenções estruturais (oclusão de FOP, CIA e apêndice atrial esquerdo).
O ICE já é uma realidade durante a ablação, em diversos centros. A diretriz brasileira de FA 2025 trouxe um tópico específico destacando seus múltiplos papéis durante a ablação:
Visualização precisa da fossa oval e da punção transeptal;
Mapeamento anatômico em tempo real, delimitando as veias pulmonares e estruturas adjacentes;
Monitoramento do contato do cateter, prevenindo reconexões e lesões térmicas;
Detecção precoce de complicações, como derrame pericárdico e trombos intracavitários;
E, de quebra, reduz drasticamente a necessidade de fluoroscopia, abrindo caminho para procedimentos quase livres de radiação.
O ensaio clínico ICE vs TEE Trial, realizado em 10 centros na China e com 1.810 pacientes, comparou o ecocardiograma intracardíaco (ICE) ao TEE para rastrear trombos antes da ablação.
Não houve diferença significativa na ocorrência de eventos tromboembólicos periprocedimento (0,4% com ICE vs 0,6% com TEE), confirmando a não inferioridade do ICE.
E mais, o ICE mostrou vantagens práticas claras (e já esperadas): ele reduziu o tempo de fluoroscopia (4 vs 9 min), o tempo de espera pré-procedimento (14 vs 24 horas) e até a ansiedade e desconforto dos pacientes. Também teve menor taxa de sangramento maior relacionado à punção transseptal (0,2% vs 1,2%).
O estudo propõe que o ICE pode não só ver o que o TEE via, mas com mais conforto e menos radiação.
O ICE vem para se firmar como peça central da ablação moderna da FA, capaz de unir segurança, eficiência e experiência aprimorada para o paciente.
Amiloidose além do tafamidis
Consenso europeu (EHJ)
Que a amiloidose por transtirretina (ATTR-CM) é um bichinho diferente, todo cardiologista já sabe. O desafio é o que vem depois da prescrição do Tafamidis.
O manejo das outras manifestações cardíacas (arritmias (especialmente FA), controle de volume, insuficiência cardíaca e até estenose aórtica) segue regras próprias e, muitas vezes, inverte a lógica que usamos em outras cardiopatias.
Foi por isso que a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) publicou um documento de consenso focado no tratamento não específico da amiloidose por transtirretina, trazendo orientações práticas para situações do dia a dia.
Insuficiência cardíaca: menos é mais
O documento reforça que a terapia guiada por diretrizes da IC precisa ser individualizada.
Betabloqueadores devem ser evitados rotineiramente, especialmente se FEVE < 40%, pois podem reduzir ainda mais o débito cardíaco e causar hipotensão.
Sacubitril/valsartana ainda carece de evidência e não há estudos demonstrando benefício.
Já os antagonistas de aldosterona (MRAs) e os inibidores de SGLT2 foram as duas classes com melhor tolerância e possível benefício, devendo ser considerados independentemente da FEVE.
O manejo da volemia continua sendo o pilar do tratamento, mas exige mão leve: a diurese agressiva pode precipitar hipoperfusão e disfunção renal.
Arritmias e anticoagulação: prudência é regra
A fibrilação atrial é extremamente comum e mal tolerada na ATTR. O controle de FC deve ser feito com doses baixas de betabloqueador ou digoxina, evitando bradicardias.
Amiodarona segue como droga de escolha para controle de ritmo.
Estenose aórtica e terapia avançada
A combinação ATTR + EAo não é rara e agrava o prognóstico.
O consenso é claro: TAVI é o tratamento preferencial, com bom perfil de segurança e sobrevida semelhante à dos pacientes com estenose isolada.
Para casos avançados, o transplante cardíaco é uma opção viável, com resultados comparáveis a outras etiologias — especialmente se não houver envolvimento extracardíaco significativo.
Na amiloidose, o manual da IC tradicional não se aplica. O segredo está no equilíbrio fino entre aliviar sintomas e não derrubar o débito.
Convencemos você a ler o artigo rs? Realmente vale a pena conferir!
O zero não é “hero”
Caiu na Mídia
O Medscape publicou uma matéria que traz um alerta importante sobre os refrigerantes “zero” e as bebidas adoçadas artificialmente, vindo direto do maior congresso europeu de gastroenterologia.
Um estudo da UK Biobank com mais de 120 mil pessoas acompanhadas por 10 anos mostrou que tanto os refrigerantes com açúcar quanto os “diet” ou “zero” aumentam o risco de desenvolver doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica (MASLD).
E, pasme: as bebidas adoçadas artificialmente foram ainda piores.
Quem consumia mais de 1 dose/dia de bebidas “zero” tinha 60% mais risco de MASLD.
Já os que consumiam bebidas açucaradas, 50% mais.
Substituir por água reduziu o risco em até 15%.
Os mecanismos ainda estão sendo estudados, mas os pesquisadores levantam hipóteses como de que as bebidas açucaradas elevam glicose, insulina e ácido úrico; enquanto as “zero” podem alterar o microbioma intestinal, aumentar o apetite e até estimular secreção de insulina.
“Stick with water”, dizem os autores (e parece um bom conselho rs).
Fique por dentro
👩🏽 Angina estável em mulheres jovens. Qual sua prevalência, seus mecanismos e muito mais no European Heart Journal dessa semana.
🤰🏻 Gestantes em maior risco na atualidade? Estudo publicado no Circulation avalia a diferença em 20 anos da morbimortalidade cardiovascular de gestantes. Pasmem: houve aumento da incidência de comorbidades cardiovasculares e complicações relacionadas a elas nas ultimas 2 décadas.
🤖 IA não é bagunça! AHA divulga documento para balizar estudos com uso de inteligência artificial!
🫀 Nem só de coronariopatia vive o intervencionista! FFR mostra-se como importante indicador de futilidade (ou não) na hipertensão renovascular.
🔥 Infarto não é o fim da inflamação, é só o começo. Revisão destaca que a inflamação persistente pós-IAM é forte preditora de novos eventos. O controle inflamatório surge como alvo promissor na prevenção secundária, mas ainda faltam respostas sobre qual droga, para quem e quando usar.
⚠️ CT cardíaca ganha protagonismo na avaliação de próteses valvares! Consenso publicado no JACC detalha como a tomografia pode identificar causas de disfunção de próteses cardíacas – de trombo e pannus a endocardite e falhas estruturais.
💧 Finerenona em cena! Revisão aponta limites dos MRAs clássicos e destaca o finerenone como alternativa promissora na IC com fração preservada ou levemente reduzida. Novas terapias no eixo aldosterona-receptor mineralocorticoide estão em expansão.
⚡️ Mais batimentos, menos eventos? Subanálise do estudo myPACE sugere que acelerar a frequência de marca-passos acima de 60 bpm pode reduzir eventos clínicos em pacientes com IC com fração de ejeção preservada.
🦠 Autoanticorpos contra IL-1ra: nova peça no quebra-cabeça da pericardite recorrente! Estudo italiano identificou anticorpos contra o antagonista do receptor de IL-1 em mais da metade dos pacientes com pericardite ativa, associando-os a maior inflamação e depleção periférica de IL-1ra. Achado pode ajudar a entender a fisiopatologia e guiar tratamentos como o anakinra.






