Álcool: aliado ou vilão?
As novas recomendações da AHA sobre o álcool e as doenças cardiovasculares
Uma tacinha pelo bem do coração?
Statement AHA (Circulation)
Dos “pequenos mitos” da cardiologia que eu mais gosto, sem dúvidas o do benefício cardiovascular do consumo de vinho está no top 1.
Esse eu nem fazia questão de desmentir rs.
A American Heart Association (AHA) acabou com nossos sonhos e publicou um consenso com orientações acerca do consumo de álcool e as doenças cardiovasculares.
O primeiro recado é claro: consumo leve a moderado pode até não fazer mal, mas não é sinônimo de proteção cardiovascular.
E o consumo excessivo, por outro lado, continua sendo um claro fator de risco.
Apesar de décadas de estudos observacionais sugerirem um “efeito protetor” de 1 a 2 drinques por dia para infarto, AVC e até morte súbita, novas análises com melhores métodos (como randomização mendeliana e ensaios controlados emulando RCTs) estão questionando esses achados. A maior parte da evidência favorável ao álcool vem de estudos com viés, e nenhuma dose é completamente segura.
Além disso, o impacto do álcool depende de sexo, genética, padrão de consumo (diário vs. binge), idade e presença de comorbidades como diabetes. Mulheres e idosos, por exemplo, são mais vulneráveis aos efeitos deletérios do álcool, mesmo em menores quantidades.
🩺 E o que os dados mostram?
Hipertensão: ≥3 drinques/dia aumentam significativamente PAS e PAD; mesmo 1 drinque/dia já mostra tendência de elevação em coortes longas.
Coronariopatia: consumo leve a moderado pode ter relação com menor risco de IAM em estudos observacionais, mas isso não se confirma em estudos genéticos.
AVC: leve a moderado reduz risco de AVC isquêmico, mas acima disso o risco sobe para todos os tipos de AVC. E isso vale para homens e mulheres.
FA: quanto maior o consumo, maior o risco, e não há um tipo de bebida “mais seguro”.
Cardiomiopatia alcoólica e IC: o risco cresce com ≥7 drinques/dia. Mesmo 4 drinques/semana já foram associados à disfunção diastólica em alguns estudos. Pacientes com disfunção subclínica que consomem ≥5 drinques/semana progridem mais para IC sintomática.
No fim das contas, o recado da AHA é mais pragmático do que polêmico: se você já bebe moderadamente e está saudável, não há recomendação formal para parar, mas também não há justificativa para começar a beber "pelo coração". E quem já tem fatores de risco ou doença estabelecida deve repensar seriamente o hábito.
A diretriz ainda aponta diversas lacunas: faltam estudos em mulheres, comparações entre tipos de bebidas, impacto do consumo com refeições, interações com medicações e dados sólidos sobre o efeito do álcool em longo prazo.
The brazilian way
Séries de Casos (JACC: Case Report)
Sem meias palavras para descrever o Clinical Case Series do JACC dessa semana: simplesmente espetacular! Tema de enorme importância, decisão compartilhada por Heart Team, condutas acertadas, terapia vanguardista executada com enorme capricho e resultados espetaculares! Sabe o que é ainda melhor?
🇧🇷 É do Brasil! E é do SUS!
Enquanto Carlo Ancelotti ainda não consegue imprimir seu brilho nos jogadores brasileiros, vamos nos motivar com a cardiologia brasileira. Heart Team de valvopatias do Dante Pazzanese de Cardiologia, capitaneado pelo Dr. Bruno Valdigem (primeiro autor) publicou uma série de quatro casos de redução do septo interventricular com ablação por radiofrequência antes da realização de TAVI.
🤨 Não entendeu nada? Nós explicamos.
Alguns pacientes apresentam hipertrofia septal assimétrica gerando gradiente intraventricular associado a estenose aórtica (EAo) grave.
Nestes pacientes há risco de resultados insatisfatórios. Ou pior, pode ocorrer colapso cardíaco devido a um fenômeno chamado ventrículo suicida: aumento abrupto do gradiente intraventricular após resolução do gradiente no plano valvar.
Nestas situações pode-se realizar alcoolização para redução do septo (semelhante ao tratamento percutâneo da miocardiopatia hipertrófica) ou ablação por radiofrequência. Deste modo, há resolução do gradiente intraventricular e prossegue-se com segurança para o TAVI.
Nesta publicação, o time brasileiro demonstra 4 casos com 1 ano de seguimento em que a alcoolização do septo não era possível devido à anatomia desfavorável dos ramos septais, foi realizada a ablação com radiofrequência. Além do resultado imediato satisfatório, os autores documentam a ausência de gradiente intraventricular nos quatro casos no seguimento tardio.
#DicaDozer:
Para você que nunca viu nenhum procedimento semelhante, na página do artigo há um vídeo com todas as etapas e imagens dos exames diagnósticos e de seguimento de um dos casos. Confira lá!
E digo mais: temos uma DozeNews Prime inteira sobre as medidas intervencionistas e medicamentosas para tratamento da CMH obstrutiva.
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Seu relógio está de olho no seu coração
Coorte (JAMA Network)
Smartwatches viraram método de rastreio? Ao menos é isso que propõe o último estudo publicado no JAMA Network.
Nele, os autores apresentaram uma inteligência artificial (IA) capaz de interpretar um ECG de uma única derivação, como os captados por wearables, para prever o risco futuro de insuficiência cardíaca (IC) com uma acurácia que surpreende.
O que os dados dizem?
Usuários identificados como de alto risco apresentaram uma chance 3 a 7 vezes maior de desenvolver IC.
A IA performou bem mesmo com o ruído típico dos dispositivos de uso pessoal (quem já tentou fazer ECG com smartwatch entende…).
O modelo foi validado em bases populacionais amplas e diversas. Ou seja, não é IA criada na bolha do Vale do Silício, mas sim para o mundo real.
Estamos assistindo, ao vivo, ao nascimento de uma nova era da cardiologia preventiva: aquela que não depende mais só da consulta ou do estetoscópio, mas de dados que chegam do pulso, do bolso, da nuvem…
Imagine só: o paciente é alertado, antes dos sintomas, de que pode estar caminhando rumo à IC. Isso acende o radar para intervenções precoces, acompanhamento rigoroso e, quem sabe, evitar a progressão da doença.
💭 E antes que alguém pergunte: “Isso substitui o cardiologista?”
A resposta é simples: só aquele cardiologista que acha que é só um “laudador de fração de ejeção”. O cardiologista que abraça tecnologia se torna ainda mais indispensável, agora como gestor do risco, do cuidado e dos dados.
Problemas à vista para a semaglutida
Caiu na Mídia
Até que havia algumas semanas que não falávamos nela, hein? rs.
Presença quase fixa no nosso Caiu na Mídia, a semaglutida (Ozempic, Wegovy, Rybelsus) havia sido parcialmente ofuscada pelo hype da tirzepatida (Mounjaro).
Mas agora, ela volta ao centro das atenções, e não é por bons motivos.
A Anvisa emitiu um alerta oficial sobre um possível evento adverso muito raro, mas grave: a neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (NOIA-NA), uma condição que pode causar perda súbita e irreversível da visão.
O Dozer mais atento vai lembrar que já “cantamos essa bola” em uma DozeNews lá em julho/24.
A agência determinou a inclusão desse efeito colateral nas bulas dos medicamentos à base de semaglutida, após análises do comitê europeu de farmacovigilância da EMA (Agência Europeia de Medicamentos).
No Brasil, o sistema VigiMed já contabiliza 52 notificações de distúrbios oculares possivelmente relacionados ao uso da substância.
O alerta vale principalmente para profissionais de saúde: é preciso orientar os pacientes a procurar atendimento médico imediato se houver sinais como visão turva, piora rápida da visão ou perda visual repentina. Se a NOIA-NA for confirmada, o tratamento deve ser interrompido.
A Novo Nordisk, fabricante dos produtos, afirma que o perfil de segurança continua favorável, mesmo com o alerta. Segundo a empresa, a semaglutida já foi testada em mais de 52 mil pacientes em ensaios clínicos e acumula mais de 33 milhões de pacientes-ano de exposição no mundo real. Ainda assim, ela se comprometeu a atualizar as bulas em colaboração com a EMA.
⚠️ Importante lembrar: não estamos falando de um evento comum — mas o potencial impacto é severo o suficiente para merecer vigilância ativa, especialmente em tempos em que o uso da semaglutida se expandiu para além das indicações aprovadas.
A popularização da “canetinha do emagrecimento” trouxe benefícios indiscutíveis, mas também reforça o que a gente vive repetindo por aqui: medicamento não é solução mágica, e acompanhamento clínico é inegociável.
👀 Fica o recado: olho vivo, literalmente (não resisti rs). E atenção redobrada aos sintomas “visuais” durante o uso.
Fique por dentro
💧 A velha dúvida do plantão: ringer lactato ou soro fisiológico? Em um estudo canadense envolvendo mais de 43 mil pacientes, uma política hospitalar de usar exclusivamente Ringer lactato em vez de soro fisiológico por 12 semanas não reduziu a taxa combinada de morte ou reinternação em 90 dias.
🩸 Hemodiluição normovolêmica intraoperatória não reduziu transfusões em cirurgia cardíaca. Em um grande ensaio com mais de 2 mil pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea, a técnica de hemodiluição normovolêmica aguda não diminuiu significativamente a proporção de pacientes que receberam transfusão de concentrado de hemácias durante a internação.
🫀 O risco cardiovascular bate à porta: dois terços dos adultos de meia-idade nos EUA têm risco elevado de doença cardiovascular. Grande coorte publicada no JACC demonstrou que 30% dos americanos entre 30 e 79 anos já têm doença cardiovascular ou risco elevado em 10 anos — cifra que ultrapassa 90% após os 65 anos.
⚡️ Um interessante estado-da-arte sobre a síndrome vasoplégica no pós-operatório da cirurgia cardíaca. As altas taxas de mortalidade e as terapias pouco eficazes ainda tiram o sono dos intensivistas no plantão.
💨 Aos fãs da medicina intensiva: recém-apresentado no congresso CCR, o estudo UK-ROX demonstrou que uma estratégia conservadora de oxigenoterapia, mirando uma saturação de 90% (88–92%), não reduziu a mortalidade em 90 dias em comparação com a prática usual, onde o oxigênio era ajustado a critério clínico. Embora o grupo conservador tenha recebido 29% menos oxigênio, a taxa de mortalidade foi praticamente igual (35,4% vs 34,9%).
💬 Opinião de peso: pesquisadores publicaram orientações focadas no “lifetime management de pacientes com valvopatias” no The Lancet. Intervenções precisas cirúrgicas e transcateter ao longo da vida parecem ser o plano ideal.
👁️ Ariadne!!! Esqueça o BBB11, o assunto é obesidade. Estudo ARIADNE avaliou o benefício e risco de malefício de um programa intensivo de perda de peso em pacientes diabéticos com risco de transtornos alimentares! Não houve piora de sintomas do transtorno alimentar, sugere-se inclusive benefício.
🔥 Novo debate no EHJ: ablação de FA em pacientes com disfunção ventricular esquerda! Tema quente e polêmico para conferir a opinião de especialistas renomados!
🏡 Pacientes de home office: será que funciona? Estudo propõe pré-condicionamento isquêmico a distância em preparo de cirurgias não cardíacas. Metodologicamente adequado, porém não demonstrou benefício em mais de 1000 pacientes randomizados.
🔪 Ecocardiograma transesofágico intraoperatório: statement da AHA avalia indicações e sua utilização em cirurgias cardíacas.