Cardiomiopatia hipertrófica: as novas orientações da SBC
E vamos discutir o artigo mais polêmico do ACC 2024
Diretriz brasileira de Cardiomiopatia Hipertrófica
Diretriz SBC (pré-print)
Ainda está de “ressaca” após todas as novidades no ACC da semana passada?
Saiba que a cardiologia não dá tempo para descanso! Esse final de semana pudemos acompanhar o 1º Encontro de Departamentos da Cardiologia que ocorreu em São Paulo.
Nele, ocorreu o lançamento do principal documento da cardiologia brasileira de 2024 (até o momento): a Diretriz Brasileira sobre Diagnóstico e Tratamento da Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH).
Como sempre, a DozeNews está aqui para te deixar atualizado e trouxe os principais tópicos da nova publicação:
A definição:
Reforça a definição de CMH como a presença de uma espessura diastólica final em quaisquer segmentos dos ventrículos de ≥ 15 mm ou ≥ 13 mm em familiares de um paciente com CMH ou em conjunto com um teste genético positivo.
Já nas crianças, considera como hipertrofia patológica valores de z-score > 2,5 (em assintomáticas e sem história familiar) ou valores acima de 2 desvios padrão para diagnóstico precoce.
História natural da CMH:
Seguindo a tendência das principais revisões sobre o tema, a diretriz divide o curso clínico da CMH em 4 caminhos:
Evolução benigna e estável (~46%);
IC progressiva (desses, 90% têm CMH obstrutiva);
Evolução com FA;
Arritmias e morte súbita.
A avaliação ecocardiográfica e a importância da ressonância magnética cardíaca;
Quando solicitar o teste genético e como realizar o screening familiar:
Em pacientes com CMH, deve ser considerada a realização do teste genético para facilitar a identificação de familiares em risco de desenvolver CMH (recomendação IIa).
Nos familiares com teste genético positivo, recomenda-se seguimento clínico, ECG, e imagem cardíaca (ecocardiograma, e RMC se duvidoso) a cada 1 a 2 anos em crianças e adolescentes até os 30 anos de idade; e a cada 3-5 anos a partir da idade adulta (recomendação I).
As fenocópias da CMH que devem sempre ser lembradas (síndromes de Danon e Pompe nas crianças; doença de Fabry, coração de atleta, distrofias musculares, hipertensiva e amiloidose nos adultos).
Orientações do tratamento:
Além dos beta-bloqueadores, principal classe no tratamento de pacientes sintomáticos com CMH obstrutiva ou não, a diretriz traz o Mavacamten como opção para pacientes com a forma obstrutiva (gradiente > 50 mmHg em repouso ou sob provocação) e FEVE > 55%, que persistam sintomáticos (recomendação IIa).
Isso é apenas um aperitivo de tudo o que a diretriz trouxe de novidades, em um texto muito completo, claro e com ótimos fluxogramas para facilitar a nossa abordagem do paciente com CMH.
Lembrando, ainda, que já temos uma edição da DozeNews Prime sobre a investigação da CMH!
O artigo mais polêmico do ACC 2024
Ensaio clínico randomizado (The Lancet)
O que dizer de angioplastia coronariana profilática? Até os dias atuais isso é considerado loucura (para alguns, má intenção).
No entanto, existem imagens tão assustadoras que nos fazem questionar se não seria melhor intervir na placa antes de ter um evento ou progressão de angina.
É sobre essa angústia que se debruçou o estudo PREVENT, apresentado na semana passada no congresso do ACC e publicado simultaneamente no The Lancet.
O estudo:
Aberto, randomizado e multicêntrico, que incluiu serviços de 4 países: Taiwan, Nova Zelândia, Japão e Coréia
Foi feita uma randomização 1:1 em pacientes com placas não fluxo limitantes (FFR > 0,8) com características de alto risco:
Área luminal mínima < 4mm²;
Carga de placa > 70%;
Core lipídico > 315;
Fibroateroma de placa fina definido pelo IVUS ou OCT.
Foram randomizados 800 pacientes para para angioplastia (ATC) + tratamento clínico otimizado (TCO) e 800 pacientes para TCO isoladamente.
Foi analisado um desfecho primário composto por morte cardíaca, IAM relacionado ao vaso, revascularização do vaso por isquemia e hospitalização por angina progressiva ou instável.
Resultados:
Em 2 anos, houve redução de todos os desfechos analisados em favor do grupo submetido a intervenção.
Desfecho composto: 3 pacientes (0,4%) x 27 pacientes(3,4%) [95% CI 4,4-1,8; p=0,0003)
Morte: 0,5% x 1,3%
IAM: 1,1% x 1,7%
❗Importante avaliar com cuidado esse trial:
Primeiramente, uma de suas limitações é ser aberto.
Além disso, foi um período curto de seguimento (apenas 2 anos) para eventos em DAC crônica (e isso é reforçado pela baixa taxa de eventos em 2 anos, e o enfraquecimento dos achados no seguimento de 7 anos).
Apesar de multicêntrico, inclui um grupo de pacientes de países orientais potencialmente heterogêneo à nossa realidade.
De qualquer maneira, este é o primeiro ensaio clínico randomizado a demonstrar melhora de prognóstico de pacientes com placas de alto risco submetidos a angioplastia. Reforça a importância da discussão quanto ao uso da imagem intracoronária para definição de placa de alto risco, seja com IVUS, OCT ou IVUS/NIRS.
Longe de ter o potencial de mudar diretrizes, ainda. Mas vale a discussão e o alerta para ficarmos atentos aos próximos estudos sobre o tema.
“SCA sem SST” em idosos: será que “menos é mais?”
Metanálise (EHJ)
É um grande desafio decidir entre uma abordagem mais invasiva ou conservadora em pacientes com mais de 70 anos, na vigência de SCA sem alterações eletrocardiográficas típicas de oclusão coronária aguda (OCA).
A incerteza em tais cenários é fonte de considerável angústia clínica, dada a vulnerabilidade dessa população e a complexidade das intervenções potenciais.
Uma pesquisa recente lança luz sobre essa questão crítica: uma metanálise publicada no EHJ englobou 6 ensaios clínicos que compararam estratégias invasivas e conservadoras em indivíduos acima de 70 anos com SCA sem SST.
O leitor atento da Doze já sabe das nossas considerações sobre a classificação “com e sem supra” das SCAs - se quiser relembrar, temos um belo episódio no nosso DozeCast).
O estudo incluiu 1479 participantes, e teve como objetivo principal avaliar os desfechos de mortalidade por todas as causas e infarto do miocárdio (IM) no prazo de um ano.
E os resultados?
A ocorrência do desfecho primário (mortalidade por todas as causas e IM) foi de 24,5% no grupo de manejo invasivo, contra 28,9% no grupo conservador, com HR de 0,87 (p = 0,43), indicando ausência de diferença estatística significativa.
No entanto, o risco de IM subsequente foi significativamente menor no grupo invasivo, com um HR de 0,62. De forma similar, a necessidade de revascularização urgente foi menor, com um HR de 0,41.
Estes achados sugerem que, embora a abordagem invasiva não reduza o risco combinado de morte ou IM em um ano, ela é eficaz em diminuir eventos de IM e revascularizações urgentes. Isto destaca a importância de uma estratégia invasiva para prevenção de eventos isquêmicos subsequentes nesse grupo etário vulnerável.
A decisão entre intervenção e conservadorismo nunca é trivial, especialmente em um contexto de pacientes idosos e frágeis.
Este estudo oferece uma base de evidências que pode aliviar parte da nossa incerteza, permitindo decisões mais fundamentadas que alinham a intervenção com o benefício potencial ao paciente.
Será que teríamos dados ainda mais esclarecedores caso fosse usada a classificação OCA vs NOCA na avaliação da SCA? Cenas dos próximos capítulos!
RCP extra-corpórea pode ser realidade?
Caiu na Mídia
Há poucas semanas, o The New York Times Magazine publicou uma matéria que narra o retorno à vida de um paciente em parada cardiorrespiratória (PCR) com uma manobra incomum.
O que mais parecia uma crônica baseada no filme Frankenstein, nada mais era que a realização de uma RCP extracorpórea (no inglês, ECPR), ou seja, a realização de uma ECMO no contexto de PCR.
Apesar de ainda incomum na prática clínica (especialmente no contexto extra-hospitalar apresentado no texto), vale lembrar que a ECPR já é alternativa recomendada no último ACLS:
O uso da ECPR para pacientes em RCP refratária às medidas habituais, quando realizada por equipe e em serviço de saúde preparados (nível de recomendação IIa).
Essa recomendação baseia-se em 2 trials principais: o ARREST, publicado em 2020, que demonstrou o benefício em 30 pacientes com RCP refratária em ritmo chocável; e o Hyperinvasive, que demonstrou benefício em sobrevida e status neurologico em 30 dias.
Com essas evidências não tão fortes, o próprio guideline da AHA define essa medida ainda como exceção.
E destaca a necessidade de estudos direcionados para definição do tempo de RCP, idade e seleção dos paciente e ritmos da PCR.
Imagem da Semana
Cateterismo cardíaco e reconstrução em 3D de angiotomografia de paciente com origem anômala da artéria coronária direita na artéria circunflexa (raro, raríssimo!).
Lembre-se da importância da angiotomografia de coronárias na avaliação da origem anômala de coronárias para avaliação do seu trajeto e de achados de risco.
🚨 Alerta DozeNews Prime!
Já discutimos tudo isso na edição sobre Origem Anômala de Coronárias!
Fique por dentro
🔐 Obstrução microvascular após infarto do miocárdio: o significado clínico e nos exames de imagem.
⛓️ A avaliação com FFR pós-angioplastia apresentou benefício prognóstico, porém é perdido caso o procedimento seja realizado com imagem cardiovascular.
🦥 Slow flow na angiografia não foi bom preditor da presença de disfunção de microcirculação nesse estudo publicado no JACC: Cardiovascular Intervention
💊 O estudo DICTATE-AHF demonstrou que o uso da dapagliflozina precocemente na descompensação da IC foi seguro e eficaz, permitindo uso menor de diuréticos de alça e alta hospitalar mais rápida.
🦠 Vale a pena dar uma olhada: conjunto de revisões do JACC sobre a endocardite infecciosa.
🦠 Por falar em endocardite… Grande metanálise publicada no JAMA ratificou o benefício da profilaxia antibiótica antes de procedimentos dentários em pacientes de alto risco.
🫁 Hipertensão pulmonar: revisão sobre as implicações do teste de vasorreatividade no cateterismo direito.
🥤 Análise de microplásticos na placa aterosclerótica.
💊 Colchicina: segurança de longo prazo.