Na edição de hoje:
🍕 A redefinição da obesidade como doença crônica sistêmica. Será que o IMC finalmente perdeu seu reinado?
🩸 Negacionistas das estatinas: Mais uma vitória da ciência com um estudo dinamarquês que reforça a importância do tratamento lipídico intensivo.
⚡ Dispositivos cardíacos: Novo documento ACC/AHA traz critérios práticos para indicar CDI, TRC e marcapassos no dia a dia.
⚽ Miocardite no esporte: O caso de Paulo Henrique Ganso e o afastamento estratégico segundo os consensos mais recentes.
Nova definição para a obesidade
Artigo de revisão (The Lancet)
Já podemos dizer que a obesidade é a doença não-infecciosa da década?
Sem dúvidas a evolução no tratamento medicamentoso e o crescente conhecimento acerca das suas implicações clínicas tem mudado a forma como vemos essa condição.
Sendo assim, nada mais sensato que melhorar a definição do problema (convenhamos, quem ainda comprava o diagnóstico com base isoladamente no IMC?). Para isso, contamos com o auxílio de um belo artigo publicado, nesta semana, no The Lancet Diabetes & Endocrinology!
🔦 Vamos aos highlights:
1. Redefinição da obesidade:
Obesidade clínica: doença crônica e sistêmica causada por adiposidade excessiva que altera a função de órgãos, tecidos ou o organismo como um todo, podendo levar a complicações graves como infarto, AVC e insuficiência renal.
Obesidade pré-clínica: estado de adiposidade excessiva com função preservada de órgãos, mas com risco elevado de evolução para obesidade clínica e outras doenças crônicas não transmissíveis.
Ou seja, a obesidade pré-clínica seria o excesso de adiposidade, mas sem complicações clínicas. Fazendo um paralelo, é como rotular de "diabetes pré-clínica" uma pessoa com hiperglicemia, mas sem as complicações vasculares do diabetes mellitus.
Os autores justificam essa mudança como uma forma de reduzir estigmas associados à obesidade e também reduzir tratamentos excessivos. Por outro lado, não conseguimos deixar de pensar que essa abordagem pode subestimar a importância clínica do excesso de adiposidade mesmo na ausência de complicações. Afinal, a obesidade pré-clínica pode representar o momento ideal para intervir e prevenir progressões graves.
2. Críticas ao uso isolado do IMC:
O IMC é recomendado apenas para triagem e estudos populacionais, não para diagnósticos individuais, uma vez que não é capaz de diferenciar entre massa de gordura e massa magra, nem leva em conta as diferenças na distribuição de gordura corporal (aquela velha história da diferença de um atleta com IMC elevado - ex.: um lutador peso-pesado, e um paciente com acúmulo de gordura corporal).
Diagnósticos devem incluir medidas antropométricas (ex.: circunferência abdominal) ou avaliação direta da gordura corporal (ex.: DEXA).
3. Como fica o diagnóstico obesidade clínica?
O diagnóstico de obesidade clínica requer o cumprimento do 1 critério antropométrico + 1 critério clínico:
Critério antropométrico: requer a confirmação da presença de adiposidade excessiva com base em medidas validadas e pontos de corte apropriados para idade, gênero e etnia. Os métodos descritos incluem:
IMC + outro critério antropométrico:
O IMC é usado como medida inicial, mas deve ser complementado por pelo menos um outro critério antropométrico, como:
Circunferência da cintura;
Relação cintura-quadril (RCQ);
Relação cintura-estatura (RCE);
Dois critérios antropométricos, independentemente do IMC:
Para maior precisão, pode-se usar dois critérios combinados (ex.: circunferência da cintura e RCE), sem depender exclusivamente do IMC.
IMC muito elevado (ex.: >40 kg/m²): o excesso de adiposidade pode ser assumido pragmaticamente sem necessidade de confirmação adicional.
Critérios clínicos (inclui um ou ambos os seguintes):
Sinais ou sintomas de disfunção de sistemas orgânicos (apneia do sono, hipoventilação, disfunções cardíacas, HAS, disfunções metabólicas, doenças hepáticas, renais, urinárias ou musculoesqueléticas , linfedema e limitações em atividades diárias).
Limitações de mobilidade ajustadas à idade ou outras atividades básicas da vida diária (por exemplo, tomar banho, vestir-se, usar o banheiro, manter a continência e se alimentar).
Precisamos estar preparados para encarar a obesidade do jeito que ela merece, ou seja, como uma condição com repercussões clínicas em múltiplos órgãos e na qualidade de vida do paciente.
A partir daí, a decisão pelos múltiplos caminhos para o tratamento afetará amplamente o desfecho clínico.
A figura a seguir resume o caminho da avaliação clínica do paciente com suspeita de obesidade:
Um tapa na cara dos “anti-estatinas”
Coorte (EHJ)
Mais um duro golpe para os negacionistas das estatinas.
Dessa vez, vindo diretamente da Dinamarca, sob o poder de um sistema de saúde organizado e com informação de confiança.
A grande pergunta dos pesquisadores foi: "Será que os pacientes com HF, hoje, vivem mais e enfrentam a doença arterial coronariana (DAC) mais tarde, em comparação com os pacientes de 1978, quando o Danish Registry começou?"
Para responder, eles compararam indivíduos com (n = 10.199) e sem HF (n = 9.174.926) em dois momentos históricos: 1978 e 2021, analisando taxas de mortalidade e diagnóstico de DAC.
E a resposta veio animadora: pacientes com HF vivem tanto quanto aqueles sem a doença! Um salto impressionante de 22 anos em relação a 1978.
Parece claro que as estatinas e os inibidores de PCSK9 reescreveram o destino desses pacientes.
Mas ainda há desafios. Embora a sobrevida tenha alcançado níveis equivalentes, os pacientes com HF ainda recebem o diagnóstico de DAC cerca de 7 anos antes, em média, do que os indivíduos sem a doença. Isso reforça a importância de uma abordagem precoce e intensiva no manejo dos níveis lipídicos.
O estudo, observacional e robusto, envolve uma grande população e serve como mais um lembrete poderoso: tratamento hipolipemiante intensivo salva vidas. Nos grupos de risco, como os pacientes com HF, os benefícios são evidentes e inquestionáveis.
Este é um marco importante para todos que acreditam na ciência e no poder da medicina preventiva. É mais uma derrota para os negacionistas!
Dispositivos cardíacos implantáveis: quando indicar?
Appropriate Use Criteria (ACC/AHA)
Acha difícil indicar o dispositivo implantável adequado e no tempo correto para o seu paciente? Acredite, você não está sozinho nessa luta.
Com o objetivo de tornar essas indicações um pouco mais claras, o ACC/AHA publicou um documento com os critérios de uso apropriado (AUC) para os dispositivos como cardiodesfibrilados implantável (CDI), terapia de ressincronização (TRC) e marcapassos (MP).
🤔 Primeiramente, como funciona um AUC?
Esse tipo de documento diverge um pouco das diretrizes habituais, pois são expostos diferentes cenários clínicos, a partir dos quais um painel de especialistas avalia as principais indicações utilizando uma escala de 1 a 9:
7 a 9 (uso apropriado): quando os benefícios superam os riscos de forma clara.
4 a 6 (pode ser apropriado): situações com lacunas na evidência ou variabilidade nas opiniões.
1 a 3 (raramente apropriado): quando os riscos superam os benefícios ou não há evidência clara de benefício.
A partir daí, o documentos aborda uma infinidade de situações, das quais destacamos:
Prevenção Secundária:
Indicações para CDI em pacientes que sobreviveram a paradas cardíacas ou taquiarritmias ventriculares sustentadas. Vale pontuar:
Pacientes com morte súbita cardíaca ressuscitada, taquicardia ventricular sustentada (TV) sintomática ou fibrilação ventricular (FV) sem causas transitórias ou reversíveis identificáveis;
Síndromes genéticas como Brugada ou taquicardias ventriculares catecolaminérgicas.
Prevenção Primária:
Uso de ICD para prevenir morte cardíaca súbita em populações de risco. Exemplos incluem:
Cardiomiopatia dilatada com FEVE ≤ 35% após terapia médica otimizada (por pelo menos 3 meses, garantindo que pacientes não elegíveis após melhora clínica não sejam submetidos a implantações desnecessárias);
Nas cardiopatias genéticas, como na cardiopatia arritmogênica, há indicações específicas para a profilaxia primária;
Sobreviventes de IAM com FEVE ≤ 30% e > 40 dias de evolução.
Lembrar que condições clínicas, como expectativa de vida limitada e presença de doenças cognitivas graves, podem influenciar a decisão de implantar um dispositivo.
Tecnologias Emergentes:
Leadless pacing: indicado para pacientes com acesso venoso comprometido ou alto risco de infecção.
Estimulação direta do sistema de condução (pacing por condução): este marcapasso visa ativar diretamente o sistema de condução natural do coração (pelo feixe de His ou no território do ramo esquerdo), promovendo uma contratilidade mais fisiológica e reduzindo a dissincronia ventricular, especialmente em pacientes que não têm indicação clara, ainda, para uma TRC associada . Indicado em casos de bloqueios AV, FA com baixa resposta ventricular lenta e falha ou não resposta ao TRC.
O documento foi projetado para melhorar a tomada de decisão, alinhando-se às melhores práticas baseadas em evidências.
A aplicação correta desses critérios promete reduzir complicações, otimizar recursos e garantir que cada paciente receba o dispositivo mais indicado para seu caso.
Vale a leitura!
A miocardite no Ganso
Caiu na Mídia
Um dos três astros da icônica propaganda acima (caso não lembre, recomendo revê-la rs), precisou ausentar-se dos gramados por uma causa cardiológica.
Como um está preso e o outro, ultimamente, só tem tido filhos, claramente estamos falando de Paulo Henrique Ganso.
O camisa 10 tricolor foi diagnosticado com uma miocardite, de forma assintomática, durante os exames de rotina da pré-temporada no clube.
E você deve estar pensando: “Assintomática? Então será que precisava mesmo ser afastado?”
A resposta é um sonoro sim. E não somos nós que estamos dizendo (não queremos problemas com a torcida do Fluminense, vamos manter o bullying apenas com o Botafogo rs). Quem manda o recado é o consenso de miocardite aguda do American College of Cardiology (ACC) de 2024. O documento deixa claro que a restrição de atividades físicas vigorosas e esportes competitivos por 3 a 6 meses é parte fundamental do manejo, especialmente nos estágios C e D (sintomáticos). No estágio B (assintomáticos), a evidência é menor, mas a orientação também é de afastamento.
Essa conduta também está alinhada com a diretriz de miocardite da SBC de 2022. Mesmo sem sintomas evidentes, há risco potencial de arritmias graves ou outros eventos durante o esforço físico. Por isso, o cuidado não é apenas prudente, mas essencial.
Para o retorno, recomenda-se a realização de ressonância magnética cardíaca para avaliar a resolução da inflamação, o monitoramento de 24h com HOLTER além da avaliação com testes de esforço, conforme ao fluxograma a seguir:
Sabe onde você pode revisar tudo sobre o diagnóstico e manejo da miocardite sob a ótica do novo consenso da ACC?
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Imagem da Semana
Desafio diagnóstico:
Quantos dispositivos você consegue reconhecer nessa imagem? Resposta na próxima semana!
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☕ Beber café pela manhã está associado a menor risco de mortalidade, aponta estudo no European Heart Journal. Em análise com mais de 40 mil adultos, o padrão de consumo matutino reduziu mortes gerais em 16% e cardiovasculares em 31%, enquanto o consumo ao longo do dia não mostrou os mesmos benefícios.
🦥 Interessante estudo publicado no JACC demonstrou que o sedentarismo acima de 10,6 horas diárias aumenta o risco cardiovascular, mesmo em indivíduos que realizam atividade física regular.
🌊 Resultados do Tri.Fr publicados no JAMA demonstraram benefício da terapia transcateter edge-to-edge (o TriClip) na redução da insuficiência tricúspide e melhora da qualidade de vida do paciente.
🪗 Efeito sanfona? Revisão publicada no JAMA destaca que até 75% dos pacientes interrompem o tratamento com agonistas do GLP-1 em 12 meses, levando a rápida recuperação de peso e piora dos parâmetros cardiometabólicos. Apesar de eficazes em reduzir peso e eventos cardiovasculares, os GLP-1 RAs requerem uso contínuo para manutenção dos resultados.
🤖 IA transforma novatos em especialistas: estudo multicêntrico no JAMA Cardiology mostra que profissionais de saúde sem experiência em ultrassom pulmonar, guiados por inteligência artificial, alcançam 98,3% de imagens de qualidade diagnóstica, comparáveis às obtidas por especialistas.
🏋🏽 Meta-análise na European Heart Journal mostra que treinos presenciais são mais eficazes do que programas domiciliares para melhorar qualidade de vida, depressão e ansiedade. Treinos combinados de alta intensidade e resistência oferecem os maiores benefícios.
🤰🏻 Statement da American Heart Association, publicada no Circulation, destaca os riscos de curto e longo prazo do uso de tecnologias de reprodução assistida em indivíduos com doença cardiovascular ou fatores de risco. O documento fornece orientações sobre avaliação, aconselhamento e manejo antes e durante o processo, ressaltando a necessidade de acompanhamento especializado para prevenir complicações cardiovasculares em uma população crescente que busca preservar ou ampliar a fertilidade.