Mais uma polêmica no mundo da HAS?
A AHA/ACC publicam sua nova diretriz, a denervação renal ressurge e os ultraprocessados são enterrados
Vai com calma, Tio Sam
Diretriz AHA/ACC
Parece que as sociedades americanas de cardiologia (ACC/AHA) acionaram o modo “tarifaço Trump” na hora de publicar diretrizes rs.
Se na semana passada trouxemos as novas recomendações sobre o diagnóstico da pericardite, dessa vez eles foram além e mexeram na hipertensão.
E eu não sei vocês, mas quando eu vi essa novidade fiquei no mínimo preocupada: depois de todas as mudanças que os europeus trouxeram na sua diretriz de HAS do ano passado (e estava começando a me adaptar só agora rs), qual a supresinha que nos espera vinda dos americanos?
😮💨 Relaxa: a DozeNews já fez o trabalho sujo e te traz um comparativo direto entre EUA x Europa.
Diagnóstico e classificação:
AHA/ACC 2025: mantêm a régua mais baixa, diagnosticando hipertensão já a partir de 130/80 mmHg.
Normal: <120/80
Pressão “elevada”: 120–129/<80
HAS estágio 1: 130–139/80–89
HAS estágio 2: ≥140/90
ESC 2024: decidiram simplificar a vida e resumiram em 3 faixas:
PA não-elevada: PAS <120 e PAD <70
PA elevada: PAS 120–139 ou PAD 70–89
Hipertensão arterial sistêmica (HAS): PAS ≥140 ou PAD ≥90
👉 Em outras palavras: os americanos chamam de hipertensão o que os europeus ainda tratam como “pressão elevada”. Além disso, do nosso lado do Atlântico, não foi adotado o corte de 70 mmHg da PA diastólica (a Doze por Oito agradece rs).
Quando iniciar o tratamento?
AHA/ACC 2025:
≥140/90: sempre trata.
≥130/80 + risco ≥7,5% no PREVENT ou comorbidades (DCV, AVC prévio, DM, DRC): trata já.
≥130/80 + risco <7,5%: tenta 3–6 meses de medidas não farmacológicas antes.
ESC 2024:
≥140/90: trata.
120–139/70–89: considerar em alto risco CV, DRC, DM, doença estabelecida ou um SCORE2 ≥ 15%.
👉 Resumindo: apesar dos cortes distintos, no fim a indicação par ao manejo é bem semelhante.
Como tratar:
AHA/ACC 2025:
Estágio 2 (≥140/90): começar com 2 drogas em polipílula.
Reforçam adesão, simplificação de regime e monitoramento em casa.
E novidade: sugerem avaliar associação de novas medicações para tratamento de comorbidades, como agonistas de GLP-1 em pacientes com obesidade e HAS.
ESC 2024:
Também preferem iniciar com dupla em combinação fixa (e até a 3ª em dose baixa se não atingir a dose).
Mas não mencionam GLP-1 ainda (para eles, isso é “promissor, mas sem recomendação oficial”).
No fim das contas, apesar de pequenas diferenças nos cortes e classificação, as duas diretrizes poucos divergem.
Ambas consolidam a tendência a um manejo mais precoce e rígido da HAS nos pacientes que assim o toleram.
A vez da denervação renal
Artigo de Revisão (JACC: Cardiovascular Interventions)
E já que estamos falando de hipertensão arterial… nada mais justo do que trazer de volta para a roda aquela terapia que já foi dada como “falecida” por muitos e agora insiste em ressurgir: a denervação renal.
Se você já tinha enterrado o tema depois dos primeiros trials negativos, segura aí: a técnica evoluiu, os resultados ficaram mais consistentes e, pasme, ela voltou até para as diretrizes.
💡 E o JACC Interventions publicou uma revisão de peso mostrando que essa história não acabou. O mais interessante? O artigo tem argumentos para agradar tanto os conservadores (que só acreditam em evidência robusta e guideline) quanto os vanguardistas (sempre prontos para experimentar uma abordagem inovadora).
Para os conservadores
Depois de altos e baixos, a denervação renal voltou a figurar nas diretrizes, indicada para hipertensão resistente ou refratária.
A nova diretriz da AHA/ACC traz uma cautelosa recomendação IIb B para realização da denervação renal como adjuvante às medidas de estilo de vida e à terapia farmacológica em pacientes com hipertensão resistente.
Os avanços técnicos ajudaram muito: hoje temos cateteres com múltiplos polos que liberam energia de uma só vez, ampliando a área de ablação em menos tempo.
E a evidência? Sólida. Ensaios como SPYRAL HTN-OFF, SPYRAL HTN-ON e o registro Simplicity mostram reduções sustentadas de PA por até 3 anos.
‼️ Ou seja: opção válida para quem sofre com efeitos colaterais, má adesão ou refratariedade ao tratamento oral.
Para os vanguardistas
O artigo vai além da hipertensão e aponta um novo terreno: a insuficiência cardíaca (IC).
Agora exageraram né?!
Parece loucura, mas até que faz sentido. Todo o tratamento da IC é, em última análise, terapia neuro-hormonal. A ideia é que a denervação renal poderia reduzir o drive adrenérgico e melhorar capacidade funcional.
Mas calma: aqui o jogo ainda está no primeiro tempo. Os estudos têm poucos pacientes (10 a 30 randomizados), resultados heterogêneos e sem desfechos duros. Por isso, nada de diretriz ainda, é só uma hipótese promissora.
🎯 Moral da história: para HAS refratária, a denervação já é realidade respaldada por evidência e diretriz. Para IC, é aquele papo de “ficar de olho”.
Descascar mais e desembalar menos
Consenso (Circulation)
A American Heart Association (AHA) publicou um Science Advisory sobre o impacto dos alimentos ultraprocessados (UPFs) na saúde cardiometabólica. O documento traz uma análise robusta, destacando evidências, lacunas e oportunidades para guiar recomendações dietéticas e políticas públicas.
🗺️ Se localize: o que são UPFs?
Segundo a classificação nova, UPFs são produtos industriais formulados com ingredientes de uso incomum na culinária (adoçantes artificiais, emulsificantes, corantes, realçadores de sabor).
Exemplos clássicos: refrigerantes, embutidos, salgadinhos, biscoitos recheados, pães ultraprocessados.
Não faltam evidências já consolidadas que nos apresentam os riscos do consumo desse tipo de alimentos (que, muitas vezes, ignoramos):
Maior consumo de UPFs → maior risco de obesidade, diabetes tipo 2, eventos cardiovasculares e mortalidade.
Estudos mostram um aumento de 25% a 58% no risco de desfechos cardiometabólicos em pessoas com alta ingestão de UPFs.
O problema não é apenas o excesso de açúcar, sal e gordura: aditivos e processos industriais também parecem impactar metabolismo, microbiota e regulação do apetite.
No entanto, vale destacar que nem todo UPF é vilão. O documento traz uma nuance importante: alguns UPFs, como pães integrais industrializados, iogurtes com baixo teor de açúcar, bebidas vegetais e molhos de tomate sem adição excessiva de sódio/açúcar, podem ter papel neutro ou até benéfico em dietas balanceadas.
Além disso, enumera algumas das principais lacunas, especialmente no que diz à necessidade de mais estudos para entender quais subgrupos de UPFs são mais nocivos, o impacto de aditivos específicos (como emulsificantes) e também a incerteza sobre limiares seguros de consumo (alguns estudos sugerem até 15% das calorias diárias como limite).
📝 Por fim, as recomendações apresentadas pela AHA são:
Reduzir consumo de UPFs ricos em açúcar, gordura saturada e sódio.
Priorizar alimentos minimamente processados (frutas, verduras, legumes, castanhas, grãos integrais).
Políticas públicas mais fortes, incluindo rotulagem clara, taxação de produtos não saudáveis e incentivo à reformulação industrial.
Investimento em pesquisa para entender mecanismos biológicos e melhorar classificações.
O risco está nas pílulas?
Caiu na Mídia
O Medscape publicou uma interessante matéria que trás os riscos do uso da pregabalina em pacientes idosos e o risco da evolução com IC.
Mais uma evidência dos riscos da polifarmácia nos idosos, que, muitas vezes, pouco damos atenção ao transcrever aquela receita gigantesca.
A publicação usou como base um estudo do JAMA Network Open, que incluiu mais de 246 mil beneficiários do Medicare entre 65 e 89 anos sem IC prévia, comparando novos usuários de pregabalina (8%) com gabapentina (92%).
O resultado foi claro: a pregabalina esteve associada a um risco 48% maior de IC de início recente, chegando a 85% entre os que já tinham doença cardiovascular.
Em termos práticos, isso equivale a 6 casos adicionais de IC a cada 1000 pacientes/ano tratados.
A mortalidade geral, no entanto, não apresentou diferença entre os grupos.
⚙️ O provável mecanismo envolve a ação mais potente da pregabalina na subunidade α2δ do canal de cálcio, que favorece retenção de sódio e água, predispondo a descompensação cardíaca.
Não à toa, a EMA já recomenda cautela no uso em idosos com doença cardiovascular, e a AHA lista a pregabalina entre os fármacos capazes de induzir ou agravar IC, algo que não acontece com a gabapentina.
Na prática, a mensagem é direta: diante do idoso com dor crônica e risco cardiovascular, a escolha entre pregabalina e gabapentina não é indiferente.
Se a pregabalina for necessária, vale redobrar a vigilância clínica. Se houver alternativa, a gabapentina pode ser a opção mais segura para o coração.
Imagem da semana
Que tal um desafio? Resposta na próxima semana!
Fique por dentro
💸 Doença de Chagas custa caro: mais de 11 bilhões de dólares por ano ao Brasil! Estudo do projeto RAISE estima que a forma crônica da doença representa 0,23% do PIB, com custo médio de US$ 45 mil por paciente ao longo da vida. Quase 3/4 desse valor vem de despesas diretas com saúde, pressionando o SUS.
💪🏼 Pré condicionamento após AVC tratado com trombectomia pode propiciar menores sequelas e melhor recuperação. PASMEM: até 50% dos pacientes com AVC de grandes vasos tratados com terapia endovascular apresentam sequelas relevantes. Estudo ousado propõe que o pré condicionamento pode favorecer os pacientes.
💊 Depois da DAPT, fique com o P2Y12! Metanálise com mais de 45 mil pacientes com síndrome coronariana aguda mostrou que, após DAPT curta, manter monoterapia com inibidor de P2Y12 reduz eventos clínicos adversos e sangramentos, ao contrário da aspirina.
🔮 Redutor do seio coronariano: promessa real ou efeito placebo? Metanálise com mais de 800 pacientes avaliou o uso do dispositivo CSR na angina refratária. Apesar de alta taxa de sucesso (98,3%) e melhora clínica em estudos abertos, os resultados dos estudos duplo-cegos mostram efeitos mais modestos — com melhora ≥1 classe da angina em apenas 26%.
🫀 ANOCA: estudo randomizado propõe avaliação rotineira para pacientes com angina e lesões coronarianas não obstrutivas. O estudo comprova factibilidade, segurança e demonstra que medicações direcionadas para seu tratamento reduz os sintomas dos pacientes.
👴🏼 Se vc tem boa memória deve se lembrar do ASPREE trial, que que acompanhou pacientes idosos que foram submetidos ao uso profilático de AAS. Publicado no EHJ, uma nova análise do seguimento estendido com mais de 19000 pacientes demonstra que a redução de MACE pode ser pequena em relação ao risco de sangramento. O que reforça a indicação das diretrizes contra o uso profilático de AAS.
🔬 Ciência pesada para compreender o fluxo coronariano e a função da microcirculação. Novo modelo propõe a importância da compressão da microcirculação e o recoil dos vasos e miocárdio como importantes fatores para mudanças no fluxo sanguíneo da microcirculação coronariana.
🧬Miocardiopatia familiar relacionada a titina: podemos postergar o início da doença? Sabemos que as miocardiopatias hereditárias são o destino de muitos pacientes com familiares acometidos pela doença. Mas aparentenmente podemos postergar o aparecimento da IC! Como? Se liga neste artigo publicado no EHJ.
🔪 Tratamento cirúrgico precoce propicia melhores resultados a pacientes com IM em comparação com seguimento clínico! Estudo coreano mostra resultado de acompanhamento entre 1996 e 2016 de pacientes com IM degenerativa assintomáticos e com FEVE preservada. Surpresa para muitos: a cirurgia mostrou redução importante de mortalidade cardiovascular. Vale a pena conferir.
⚡️TV em pacientes com miocardiopatia não isquêmica é sinal de alerta! Análise conjunta dos estudos DANISH e DCM-VT revelou que, mesmo com CDI, episódios de taquicardia ventricular (TV) aumentam em mais de 4 vezes o risco de morte ou transplante e em 7 vezes o risco de morte cardiovascular não súbita.
📚 Nova era no tratamento da insuficiência tricúspide? Estudo europeu com 176 pacientes mostrou que o sistema EVOQUE de TTVR reduziu a insuficiência tricúspide severa para leve ou ausente em 98% dos casos, com melhora expressiva na classe funcional e função hepatorrenal em apenas 30 dias