Um novo conceito em viabilidade miocárdica
Resumo do TCT 2023 e os malefícios da obesidade + IC
Entendemos a viabilidade miocárdica da maneira errada?
Subanálise REVIVED-BCIS2 (JAMA)
Vamos voltar um pouco no tempo, ao ESC 2022, quando foi apresentado o estudo REVIVED-BCIS2.
Esse trial comparou a realização de angioplastia (ATC) + terapia médica otimizada (TMO) vs TMO sozinha em pacientes com cardiopatia isquêmica e fração de ejeção do VE (FEVE) < 35%. Após o seguimento de 41 meses, não houve benefício da terapia intervencionista.
Uma vez que um dos critérios de inclusão era a presença de viabilidade miocárdica, esse estudo colocou em check o benefício da avaliação desse parâmetro na seleção dos pacientes para revascularização.
Por isso, essa semana, foi publicada no JAMA uma subanálise que avaliou a relação entre a extensão do miocárdio viável e a ocorrência de eventos cardiovasculares e a melhora da FEVE.
Primeiro vamos entender a metodologia do estudo:
Pacientes = foram incluídos aqueles com FEVE < 35%, doença coronária extensa e evidência de viabilidade em pelo menos 4 segmentos miocárdicos, identificados por meio de ressonância magnética cardíaca ou ecocardiograma com estresse com dobutamina.
Intervenção = ATC + TMO
Controle = TMO isolada.
Outcomes (desfecho primário) = morte por todas as causas + hospitalização por IC.
Tempo = seguimento por 3,4 anos
Nessa análise, não foi identificada associação entre a extensão do miocárdio viável e a ocorrência do redução do desfecho primário.
Chamou atenção, porém, o fato de que a extensão do miocárdio não-viável e a carga de fibrose associaram-se a aumento dos eventos cardiovasculares.
Assim, dentre um grupo que incluiu somente pacientes com viabilidade miocárdica, a extensão do miocárdio viável não associou-se a melhor benefício com a intervenção, demonstrando assim que a avaliação desse parâmetro de forma isolada não é suficiente para predizer melhores desfechos. A carga fibrótica e a extensão do miocárdico não-viável, por sua vez, estão associados a pior prognóstico.
Ainda estamos longe de compreender o uso da viabilidade miocárdica da maneira adequada. Aguardamos um estudo randomizado que compare o benefício clínico da realização de intervenção guiada pela presença ou ausência de viabilidade, para, assim, entendermos melhor a sua indicação.
🗣️ #DicaDozer:
Temos uma edição da DozeNews Prime com uma bela revisão sobre a viabilidade miocárdica. Veja aqui!
Novidades no TCT 2023
TCT Conference 2023
Para os amantes da “America” (isso, sem acento para dar um clima internacional para nossa News rs), a semana foi compensadora!
Em San Francisco ocorreu o TCT 23 (em outras palavras, congresso americano de hemodinâmica) que levou a diversas publicações no Circulation Journal.
Prepare-se para ver o que saiu de melhor nas áreas de intervenção coronariana e estrutural.
Coronariopatia
Monoterapia em SCA
T-PASS: sem dúvida um dos estudos mais importantes da conferência deste ano! Mais dados sobre a possibilidade de monoterapia anti-plaquetária precoce após SCA. E com resultado positivo para monoterapia com Ticagrelor (vamos lembrar que o estudo STOP-DAPT 3 apresentou resultados da monoterapia com Prasugrel em baixa dose inferiores a DAPT).
Estudo: randomizado, aberto e de não inferioridade.
Local: 24 centros coreanos
População: 2850 pacientes com SCA (40% com IAM com supra de ST)
Randomização 1:1: monoterapia com Ticagrelor 90mg 12/12h após < 30 dias de DAPT versus DAPT por 1 ano.
Resultados:
Redução de morte, IAM, AVC, trombose de stent e sangramento maior no grupo do ticagrelor (2,8% x 5,2% (HR 0,54 [95% CI, 0,37–0,80]; P<0,001 para não-inferioridade; p = 0,002 para superioridade)
Redução de sangramento maior: 1,2% x 3,4%; HR, 0,35 [95% CI, 0,20–0,61]; p<0,001
Esse trial demonstrou não-inferioridade e superioridade da interrupção do AAS em 1 mês e manutenção do ticagrelor para o desfecho primário composto, com contribuição importante da redução de sangramento maior. Muito temos a discutir a respeito das diferenças entre esse trabalho e o STOPDAPT 3 para compreendermos em qual cenário a monoterapia precoce pode ser benéfica.
Tratamento de reestenose intrastent: os americanos se rendem ao balão farmacológico!
AGENT IDE trial: trabalho que demonstrou resultado positivo para tratamento de reestenose intrastent: redução de quase 50% de falha no tratamento da lesão com os balões farmacológicos em comparação aos convencionais (17,9% vs 28,7%; p=0,006) .
Este estudo deve fundamentar a liberação do FDA para uso de balões farmacológicos nos EUA.
Nossa, mas a DozeNews Prime já havia apresentado isso aos dozers! Pois é…)
Estrutural
VIVA trial: TAVR em anel pequeno
Com participação do Dr. Henrique Riberio, do Incor-FMUSP, o estudo constatou não-inferioridade da TAVR em comparação com cirurgia para pacientes com estenose aórtica e anel aórtico pequeno, situação delicada tanto para o hemodinamicista quanto para o cirurgião.
IAo - opção de tratamento por cateter?
Sem novidade para os Dozers. Resultados já publicados no JACC, demonstram boa performance da JenaValve para tratamento de IAo. A taxa de marca-passo ainda incomoda e parece reduzir com o ganho de experiência dos operadores (a DozeNews novamente a frente de seu tempo rs).
Tricúspide em foco
TRILUMINATE Pivotal e TRISCEND II trials:
Apesar de utilizarem dispositivos distintos, estes trabalhos confluem na mesma direção: a melhora importante de sintomas após intervenção por cateter na IT importante, impactando em menor taxa de hospitalização hospitalar e flertando com melhora de sobrevida.
Obesidade + IC em destaque no JACC!
Artigo de Revisão (JACC)
Quem acompanha a DozeNews sabe: a obesidade tem se tornado um tema cada vez mais recorrente por aqui, tanto pelo aumento da sua prevalência, como pela sua associação com a IC (tudo indica que de forma independente a outros fatores de risco cardiovascular).
O artigo publicado nesta semana do JACC traz destaques que todo cardiologista precisa saber! Confira:
Pacientes com IC e obesidade apresentam altos índices de sintomas e menor capacidade de exercício.
Também são hospitalizados mais frequentemente por IC do que aqueles sem obesidade.
Ainda não está claro: será que a perda de peso pode alterar esses desfechos?
Novas terapias médicas estão surgindo para promover uma perda de peso significativa e duradoura.
Estamos no aguardo de resultados de estudos que nos mostrarão o real impacto dessas terapias na prevenção e no manejo da IC.
Confira a bela figura resumo do artigo sobre o tema!
Brasil no JACC 🇧🇷
Parceria
Essa semana o JACC publicou uma meta-análise em rede comparando 7 estratégias de manejo antitrombótico imediato após oclusão do apêndice atrial esquerdo (OAAE). Um belo trabalho, com 41 estudos e 12,451 pacientes, que mostrou o seguinte:
1. Anticoagulantes orais diretos (DOAC) foram associados a uma menor mortalidade comparado a antagonistas da vitamina K;
2. Duplo antiagregante plaquetário foi superior a um único antiagregante na prevenção de eventos tromboembólicos;
3. No ranking de tratamentos pelo escore P, a terapia com DOAC foi a mais provável em reduzir tanto eventos tromboembólicos quanto eventos hemorrágicos graves.
Conclusão: se o paciente for capaz de tolerar a anticoagulação após OAAE, o DOAC parece ser a melhor opção. Caso contrário, o duplo antiagregante parece reduzir eventos tromboembólicos comparado a um único antiagregante plaquetário.
Entre os autores estão Pedro Carvalho (UFMG), o primeiro autor; Douglas Gewehr (Instituto do Coração de Curitiba); Isabele Miyawaki (UFPR); Alleh Nogueira (Bahiana); Nicole Felix (UFCG) e Bruno Nascimento (UFMG).
Essa meta-análise de alto impacto, no JACC, é resultado do Intensivo de Metas. O Metas é ensinado pelo professor Rhanderson Cardoso, cardiologista brasileiro no Brigham and Women’s Hospital, Harvard Medical School (sem filiação).
O treinamento no Intensivo de Metas consiste em 10 módulos, explicando o passo-a-passo para conduzir uma meta-análise com autonomia, desde gerar ideias, a busca na literatura, triagem dos estudos, estatística até a escrita.
Os alunos do Metas já possuem centenas de publicações em revistas de alto impacto nas mais diversas áreas da medicina. Confira aqui os resultados dos alunos e entre na lista de espera do Intensivo de Metas.
Imagem da Semana
Cateterismo cardíaco de criança de 8 anos com comunicação interventricular não corrigida, e aumento importante da pressão pulmonar (pressão média de artéria pulmonar = 75 mmHg).
Fique por dentro
⌚ WATCH-TAVR: oclusão de apêndice atrial e TAVR no mesmo procedimento em pacientes com estenose aórtica e FA! Porém sem diferença a TAVI e anticoagulação.
🥗 Dieta Portfolio baseada em vegetais associada a redução do risco CV e níveis inflamatórios.
🔥 Você já viu esse nome por aqui! RADIANCE group: denervação renal com USG apresenta resultados sustentados aos 6 meses.
📶 Em estudo fase 3 publicado no NEJM, o uso do Patisiran esteve associado a menor perda funcional nos pacientes com amiloidose no seguimento de 12 meses.
💊 Uso de inibidores da SGLT2 mostrou-se benéfico em pacientes com IC por cardiotoxicidade a quimioterápicos.
🦠 Para os amantes de UTI: na comparação cefepime vs piperacilina-tarzobactam no tratamento de infecções nosocomiais, o desfecho quanto a injúria renal foi semelhante, mas o primeiro levou a mais complicações neurológicas.