Vacina é prevenção cardiovascular
É hora de colocar a vacinação no seu arsenal terapêutico. E mais: o risco do primeiro infarto e as novas lições do COVID longo.
Vacina, ciência e o coração: um manual contra o medo!
Artigo de Revisão (EHJ)
Vivemos uma era em que fake news se espalham mais rápido que qualquer vírus. Redes sociais transformaram opiniões em verdades absolutas, e o medo virou moeda corrente, sobretudo quando se trata de vacinas.
Mas a ciência não se curva a boatos. E agora ela nos mostra, com dados robustos, que vacinar é também proteger o coração.
Pesquisadores de centros de excelência demonstraram que vacinas não são apenas “coisas de infectologista”. São estratégias comprovadas para reduzir infartos, AVC e mortes cardiovasculares:
A vacina da gripe diminui eventos cardíacos em até 30%.
A vacina contra herpes-zóster corta pela metade o risco de complicações cardíacas.
A proteção contra COVID-19 poupa vidas
(e corações)sobretudo nos mais vulneráveis.
Ainda assim, por que ainda hesitamos?
O medo não nasce do acaso. Ele cresce fertilizado por mensagens sensacionalistas, que recortam fatos e espalham desconfiança. Quem nunca viu um vídeo dizendo que “a vacina vai causar miocardite”, mas convenientemente omitiu que o risco de miocardite é 6x maior com a infecção viral natural?
O European Heart Journal resolveu nos ajudar a combater esse medo por meio da ciência, e publicou um belo documento no qual examinou dados de ensaios clínicos randomizados, estudos observacionais e análises de milhares de pacientes.
E mostrou que, enquanto reações graves são extremamente raras, o benefício em prevenção cardiovascular é consistente e impactante.
Em tempos de ruído, precisamos defender o que tem base: vacinas salvam vidas. Não apenas contra vírus, mas contra o tsunami inflamatório que destrói placas ateroscleróticas e precipita eventos fatais.
Vacinar é um gesto de cuidado que vai além do indivíduo. É um ato coletivo que protege comunidades inteiras.
O futuro da cardiologia é interdisciplinar e baseado em evidências, não em likes ou teorias conspiratórias.
Like a virgin… infartando pela primeira vez
Coorte (EHJ)
A primeira vez a gente nunca esquece. E no caso do infarto, ela costuma ser traumática e, muitas vezes, completamente inesperada.
Um novo estudo com mais de 4,6 milhões de pacientes nos EUA jogou luz sobre quem está infartando pela primeira vez, e os resultados nos trazem alertas importantes acerca de como fazemos a nossa prevenção primária:
Metade dos pacientes não tinha sintomas prévios.
Cerca de 1 em cada 5 não tinha nenhum fator de risco tradicional (SMuRF).
Mais de 60% não usavam nenhuma terapia preventiva.
E 1 em cada 5 nem sequer passou por consulta médica antes do evento.
Não só isso, quando caracterizamos os pacientes por faixa etária e sexo, também foram identificadas algumas mudanças bem relevantes:
Homens e pacientes ≤60 anos infartaram mais frequentemente com STEMI, tinham menos sintomas, menos fatores de risco documentados e usaram menos terapia preventiva do que mulheres e idosos.
Mesmo entre os que tinham SMuRFs e sintomas e passaram em consulta, mais da metade não estava em uso de nenhuma medicação preventiva. 🤯
E as mulheres? Infartaram em média 3 anos mais tarde que os homens, relataram mais sintomas e usaram mais medicações preventivas (ponto para elas 💪🏼).
Discutimos isso recentemente em uma das nossas DozeNews Prime: se 1/3 das pessoas do mundo morre de causa cardiovascular, é sinal de que estamos fazendo algo errado.
Fica claro que a abordagem baseada só em sintomas e fatores de risco está deixando muita gente vulnerável. Esse estudo grita por um novo paradigma: rastrear a aterosclerose diretamente, antes do sintoma chegar. Tomografia, escore de cálcio, novos biomarcadores. Tudo isso pode (e deve) entrar no jogo.
COVID longo, longo demais…
Consenso AHA (Circulation)
Quem nunca atendeu um paciente com queixas de intolerância às atividades físicas após COVID? São muitas as dúvidas dos pacientes…
Mal eles sabem que maiores ainda são as dúvidas dos médicos rs.
A American Heart Association (AHA) publicou um consenso sobre como avaliar e orientar pacientes com sintomas cardiovasculares persistentes após a infecção por COVID-19: a chamada síndrome da COVID longa (sCl).
Mas atenção: não estamos falando de pacientes com miocardite, infarto ou disfunção ventricular documentadas.
A ideia aqui é justamente explicar os sintomas de quem não tem uma lesão cardíaca clara, mas ainda assim vive cansado, com taquicardia, intolerância ao exercício e sensação constante de desequilíbrio físico.
E o que está por trás desses sintomas?
A resposta vai te surpreender: descondicionamento físico.
Sim, o vilão pode ser simplesmente a inatividade prolongada no leito, gerando perda de massa cardíaca, achatamento da curva de Frank-Starling e prejuízo da complacência ventricular. O resultado é menor volume sistólico, maior pressão capilar pulmonar e ativação do sistema nervoso simpático como tentativa de compensação. Tudo isso ajuda a entender a famosa taquicardia ortostática pós-COVID, que muita gente ainda trata como um mistério.
Dados de várias coortes confirmam: pacientes pós-COVID têm queda do VO₂ pico, da tolerância ao exercício e da capacidade funcional.
A boa notícia: exercício supervisionado funciona!
O artigo reforça que a reabilitação é a terapia. Atletas que aderiram mais cedo a protocolos de recondicionamento funcional mostraram melhora clínica e maior recuperação do desempenho físico.
Já em pacientes com baixo condicionamento prévio, o retorno deve ser mais gradual, para evitar frustração ou piora.
Por fim, o consenso nos orienta como devemos realizar a avaliação de atletas que tiveram COVID. As recomendações de realizar troponina, teste ergométrico e ecocardiograma só são indicadas em pacientes com sintomas! Em registros e coortes os seguintes sintomas aumentam a correlação com acometimento miocárdico precoce ou tardia: dispneia, palpitações, opressão torácica e síncope.
Vale a leitura e o ganho de moral com seus pacientes!
Os riscos (cardiovasculares) da Fórmula 1
Caiu na Mídia
No último final de semana, tive a oportunidade de assistir ao grande hype cinematográfico do mês: F1 - o filme (é, o título poderia ser melhor rs).
Como fã de Fórmula 1 e, claro, uma nerd no assunto da cardiologia, me peguei pensando: qual seriam os riscos cardiovasculares dentro de um carro de corrida?
Afinal, o protagonista Sonny Hayes já passou dos 50 (idade que, sozinha, já coloca os homens em um patamar mais alto de risco cardíaco).
Fui atrás de respostas e encontrei um artigo publicado no Extreme Physiology & Medicine, em 2020, que traz uma revisão sobre os efeitos fisiológicos do automobilismo.
Spoiler: o coração dos pilotos também sofre.
Durante uma corrida, a frequência cardíaca pode chegar a 90% da máxima prevista, mesmo sentado. A carga emocional, o estresse, a hipertermia (com temperaturas internas de até 39,5°C), a desidratação progressiva (com perdas de até 3 litros de suor por corrida) e as forças G que exigem contração isométrica constante dos músculos, incluindo os do tronco, impõem uma demanda brutal ao sistema cardiovascular.
Além disso, as características da cabine (alta temperatura, pouca ventilação, postura fixa) promovem uma vasodilatação periférica compensatória que, somada à desidratação, pode resultar em hipotensão ortostática pós-corrida — o famoso "apagão ao sair do carro".
Para atletas mais velhos, como o fictício Sonny Hayes (ou os veteranos da vida real, Alonso (43) e Hamilton (40)) o jogo se torna mais arriscado. Afinal, os mecanismos compensatórios já não respondem com a mesma agilidade, e a reserva cardiovascular tende a ser mais limitada.
O estudo conclui que o automobilismo de elite impõe um estresse cardiovascular comparável a esportes de endurance em condições extremas.
(E fica a dica de um bom filme para o fim de semana rs).
Imagem da semana

O que falar dessa endocardite de valva mitral com perfuração do folheto? Mais uma vez uma bela (e assustadora) imagem em parceria com a equipe do Hospital Messejana em Fortaleza-CE.
📸 Também tem uma imagem impactante para compartilhar? Pode ser ECG, ECO, TC, RM, intra-operatória, uma selfie… rs. Envie para o plataformadozeporoito@gmail.com. Todo crédito será dado a você 😍
Fique por dentro
🫀 Angina refratária: tema ardiloso e muito prevalente na prática é o assunto da revisão do EHJ desta semana! Podemos nos deliciar com explicações fisiopatológicas e imagens belíssimas neste artigo, além de propostas terapêuticas práticas para o tratamento dos pacientes com angina refratária.
🧬 Terapia gênica: em que pé estamos? Artigo do EHJ nos mostra o potencial terapêutico da edição de genes para pacientes com doenças relacionadas a lipoproteínas. O futuro é agora!
🏃🏽♀️ A mudança no estilo de vida perdeu dessa vez… Em estudo randomizado com 203 pacientes com fibrilação atrial e IMC entre 30 e 40 kg/m², a taxa de ausência de arritmia após 12 meses foi significativamente maior no grupo que realizou ablação por cateter (73%) do que no grupo que recebeu tratamento com perda de peso, exercícios físicos e medicamentos antiarrítmicos (34,6%).
💉 Para a galera da UTI: o bom e velho Precedex é capaz de reduzir tempo de intubação? Em estudo publicado no JAMA com 1.404 pacientes em ventilação mecânica, sedação baseada em agonistas α2-adrenérgicos (dexmedetomidina ou clonidina) não foi superior ao propofol na redução do tempo até a extubação bem-sucedida.
🌳 Qual a pegada ecológica da TAVI? Dessa vez os europeus foram longe e demarcaram qual a emissão de carbono relacionada aos procedimentos de TAVI e SAVR! Estão vivendo o futuro mais rápido do que imaginávamos.
🔒 Qual o melhor dispositivo para oclusão do apêndice atrial esquerdo? O estudo SWISS-APERO comparou os dispositivos Amulet e Watchman FLX em pacientes com fibrilação atrial e alto risco de sangramento e observou que, apesar da ausência de significância estatística, os resultados indicam tendência favorável ao Amulet.
💊 Zilebesiran potencializou a redução da pressão arterial em pacientes já tratados para hipertensão. Em estudo de fase 2, uma dose única de zilebesiran associada a indapamida, anlodipino ou olmesartana reduziu de forma significativa a pressão arterial em 3 meses.
💪🏼 Mais um bom motivo para orientar atividade física: exercício estruturado após quimioterapia adjuvante melhorou a sobrevida em câncer de cólon. Em estudo publicado no NEJM com 889 pacientes, um programa de exercícios por 3 anos aumentou a sobrevida livre de doença e mostrou tendência a maior sobrevida global em comparação com material educativo.